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4 A APLICAÇÃO DA TÉCNICA DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO

4.10 Das demais decisões analisadas

Nas decisões analisadas que não foram referidas nos itens 4.3 a 4.9

acima, não foram verificados os específicos vícios neles tratados. Tais decisões

estão referidas no Anexo M.

No entanto, é de ser observar que essas decisões não fogem ao perfil

geral acima delineado, de ausência de análise dos fundamentos de súmulas e

julgados invocados para demonstração da pertinência ao caso concreto (com

recorrente e predominante transcrição do breve enunciado sumular ou de ementas

de julgados nas quais constassem trechos enunciativos da conclusão de alguma

tese jurídica) e de ausência de fundamentação específica para demonstração do

caráter dominante da jurisprudência invocada.

4.11 Da repercussão sobre o desempenho da função institucional do Poder

Judiciário do Estado do Maranhão

Conforme se discorreu no primeiro capítulo deste trabalho, a função

institucional precípua do Poder Judiciário pátrio, atualmente, é a de prestar uma

tutela jurisdicional capaz de promover efetivo acesso à justiça.

No contexto da terceira onda de acesso à justiça, procurou-se dotar as

instituições de meios de enfrentar os fatores e barreiras obstativos do real

acontecimento da justiça nas sociedades modernas, dentre os quais a demora na

entrega da prestação jurisdicional.

A técnica de julgamento monocrático de recursos surge nesse cenário

como meio de abreviação do trâmite recursal, no objetivo de se mitigar a duração

excessiva do processo.

Por meio da Lei 9.756/98, foi alterado o art. 557 do CPC, procurando

dotar o trâmite recursal de maior celeridade, assim outorgando ao relator poderes

para, sob determinadas condições, inadmitir, prover ou desprover recurso

monocraticamente.

Outra finalidade perseguida com o instituto foi a valorização da

jurisprudência consolidada dos tribunais, já que o critério fundamental para decidir

quais feitos poderiam ser apreciados monocraticamente pelo relator foi o da

existência de entendimento pacificado nos tribunais sobre as matérias neles

versadas (e a consonância ou não do recurso ou da decisão recorrida com tais

entendimentos).

Relativizou-se, assim, a regra de julgamento recursal colegiado em favor

da razoável duração do processo.

O julgamento colegiado, no entanto, conforme já exposto, traz consigo as

garantias de reforço da cognição judicial, independência dos membros julgadores e

contenção do arbítrio judicial (SOKAL, 2012, p. 86).

A sua relativização, pois, com a aplicação da técnica de julgamento

monocrático, deve dar-se nas específicas, restritas e excepcionais hipóteses

legalmente autorizadas, sob pena de se cometer arbitrariedade, comprometendo-se

a própria legitimidade da atividade jurisdicional exercida.

A utilização injustificada do julgamento monocrático, além de suprimir o

direito das partes a que a questão sub judice seja objeto de uma pluralidade de

pontos de vista (julgamento colegiado), permite que circunstâncias fáticas que

guardem determinada complexidade sejam resolvidas de forma generalizada, sem

atenção às peculiaridades do caso concreto no qual se deve realizar a “justiça

substancial” (DINAMARCO, 2009, p. 117). Trata-se de ir na contracorrente da

concepção do processo como inserto na realidade, dela determinante e por ela

determinado.

Outrossim, inadequadamente fundamentada a decisão monocrática,

compromete-se o próprio direito ao recurso ao colegiado (direito esse que, conforme

a doutrina, consiste a própria justificação da constitucionalidade da técnica de

julgamento monocrático).

Por fim, a própria celeridade processual perseguida pelo instituto é

afetada, na medida em que decisões inadequadamente fundamentadas alimentam a

sensação de injustiça, verdadeiro impulso ao exercício do direito de recorrer. Assim,

registre-se, a ampla profusão de recurso de agravo interno contra decisões cujas

fundamentações se revelam absolutamente inaptas ao convencimento de seu

acerto. Diante, portanto, do pronunciamento que se passa a exigir do órgão

colegiado, termina-se por afastar um dos propósitos declarados do advento da

técnica em estudo, qual seja, a obtenção de celeridade mediante o afastamento da

atuação de tal órgão.

Com todas essas circunstâncias, não se pode cogitar de promoção do

efetivo acesso à justiça, conforme se espera do Poder Judiciário hodiernamente.

Também se revela inviável o fomento a uma cultura de adequada

valorização dos precedentes jurisprudenciais, haja vista a falta de dedicação à

análise dos fundamentos dos julgados, que possibilitaria a reafirmação, caso a caso,

de suas teses e fundamentos, bem como despertaria, quando fosse o momento, a

necessidade de sua revisão.

No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, observaram-se

numerosos e significativos casos de inadequada aplicação da técnica de julgamento

monocrático do art. 557 do CPC, seja por inobservância a requisitos legais básicos

para a aplicação da técnica, seja por uma prática geral de não se analisarem os

fundamentos das súmulas e julgados e não se demonstrar o caráter dominante da

jurisprudência invocada como fundamentação.

Esse diagnóstico é relevante e desperta preocupações no atual contexto

do advento de um novo Código de Processo Civil, voltado à racionalização do

trabalho com precedentes em favor da isonomia, com a adoção de conceitos como

os de coerência e integridade. Permite visualizar se estariam os membros do

Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão preparados para a nova forma de

interpretação e fundamentação do direito que se impõe, bem assim o quanto

estariam propícios à “mudança de postura” (STRECK, 2014) que a orientação do

novo CPC exige.

Observam-se, no quadro analisado, claros prejuízos à realização do

acesso à justiça, acaso tomado por parâmetro o trinômio de qualidade dos serviços

jurisdicionais, tempestividade da tutela ministrada mediante o processo e sua

efetividade (DINAMARCO, 2009).

O prejuízo à qualidade do serviço jurisdicional observou-se na medida em

que foram proferidas decisões monocráticas que representaram indevida abstenção

do julgamento colegiado, posto que nelas deixaram de ser observados requisitos

básicos de estrutura e fundamentação, como apresentação de relatório,

enfrentamento dos argumentos do recurso ou decisão para demonstração do

confronto com súmula ou jurisprudência dominante, referência a súmula ou

jurisprudência dominante, referência a súmula ou jurisprudência de tribunal superior

em caso de provimento monocrático de recursos (art. 557, §1º-A), demonstração do

caráter dominante de jurisprudência invocada, invocação de jurisprudência

pertinente à matéria tratada no caso concreto e observância às hipóteses de

cabimento do julgamento monocrático do art. 557 do CPC.

Mesmo nas decisões que não incorreram nas hipóteses abordadas nos

itens 4.3 a 4.9 supra, verificou-se, modo geral, a prática de mera transcrição de

enunciados sumulares e ementas de julgados, sem análise de seus fundamentos

determinantes, comprometendo a fundamentação da decisão monocrática no

tocante à contrariedade do recurso ou da decisão recorrida a tais elementos

jurisprudenciais.

Constatou-se que muitas decisões monocráticas foram fundamentadas

como se fossem julgamentos colegiados, sem a preocupação com o confinamento

aos limites do art. 557 do CPC, revelando tendência de utilização do julgamento

monocrático com substituto amplo do julgamento colegiado (e não apenas nas

hipóteses legalmente autorizadas).

No tocante à celeridade processual, também foi constatado prejuízo, haja

vista a sensação de injustiça potencialmente despertada pelas decisões

inadequadamente fundamentadas, impulsionando o exercício do direito de recorrer,

direito esse, aliás, que sequer pode ser adequadamente exercido em razão da

comprometida fundamentação das decisões.

Por fim, prejudica-se a efetividade processual, na medida em que,

aplicando-se indiscriminadamente o julgamento monocrático, com louvor em

jurisprudência ou súmula cuja pertinência ao caso não é demonstrada, dá-se a uma

situação da vida uma solução generalizadora, que não possa realizar efetivamente a

justiça no caso particular dos sujeitos envolvidos.

Desse aspecto decorre também comprometimento à legitimidade do

poder jurisdicional exercido por via das decisões monocráticas, na medida em que

às vidas dos cidadãos é dada solução que, pela ausência de fundamentação

adequada, não se revela convincente quanto à sua adequação ao direito com o qual

tais cidadãos consentiram no exercício de seu poder político (por meio de seus

representantes).

Por outro lado, não se pôde verificar a valorização de precedentes

jurisprudenciais, invocados que foram os julgados e súmulas de forma vaga,

generalista ou impertinente, não tendo sido afirmados por seus fundamentos.

A praxe verificada, como já se afirmou, foi a de emprego de passagens

conclusivas de teses jurídicas, contidas em súmulas ou ementas, sem uma

aprofundada investigação do precedente.

Em assim se procedendo, além de não ser possível a adequada

demonstração da pertinência ou impertinência da jurisprudência ao caso concreto,

sequer se pode aferir o grau com que foi analisada, num julgado (ou na origem de

uma súmula), a questão jurídica cuja conclusão é enunciada – se de maneira

aprofundada e determinante (ratio decidendi), ou se apenas de forma lateral e breve

(obiter dictum).

Em certos casos, como se viu, sequer foi referida jurisprudência na

fundamentação de decisões monocráticas.

Tal revela um perfil de consideração da jurisprudência sobretudo em

razão da conveniência de abreviação de julgamentos, e não – repita-se – como

veículo de teses jurídicas dotadas de contextualização fática, fundamentação

jurídica e, somente ao fim e como consequência, conclusão.

Eis que, com essas constatações, encerra-se a análise do material

decisório do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão em sede de julgamento

monocrático de recursos cíveis, possibilitando-se que se passe à apresentação de

conclusão do presente estudo.