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II. REVISÃO DE LITERATURA

4. Alimentos orgânicos e comportamentos de compra

4.3 O comportamento de compra do consumidor de AO’s

4.3.3 Da intenção à compra efetiva de AO’s – Escala GPB

É lugar-comum que, por vezes, as pessoas não conseguem atuar de acordo com as suas intenções. Conforme Gupta e College (2012) e Vermeir e Verbeke (2008), há claramente uma inconsistência entre a auto-descrição de ética e o comportamento do consumidor. As razões para a discrepância entre a vontade expressa para executar um comportamento e o seu desempenho real são múltiplas (Ajzen et al., 2004). De acordo com Campbell (1963), as razões para a referida discrepância podem provir da disposição/estado de espírito das pessoas e, segundo o autor, advêm de indivíduos com disposições moderadas que respondem favoravelmente num contexto hipotético e,

desfavoravelmente, num contexto real mais exigente. De facto, esta visão corrobora e complementa, por um lado, a de Blumer (1955) de que existe a possibilidade de que representações simbólicas podem ser muito diferentes de representações em situações da vida real, e por outro lado, a de LaPiere (2010) de que as atitudes simbólicas raramente são mais do que uma resposta verbal a uma situação simbólica e que não há correlação necessária entre o discurso e a ação. Neste sentido, Mooij (2004) alerta para a noção de que as intenções podem ser consideradas baixos preditores de comportamento, com uma considerável variância, para além de outros fatores, entre culturas. Esta visão não é exceção no contexto ambiental. Efetivamente, o registo de altos níveis de intenção e de atitude em prol do bem-estar ambiental, não acarretam a mesma intensidade no comportamento pró-ambiental (Dunlap e Scarce, 1991). Da mesma forma, preço, qualidade e conveniência, para além de outros fatores, por serem considerados fatores situacionais que influenciam a decisão do consumidor, podem ser responsáveis pelo facto de a preocupação e a intenção de comportamento ambiental não conduzirem ao comportamento de compra (D’Souza et al., 2007).

No que aos AO’s diz respeito, estudos demonstram que na base da referida discrepância entre a vontade expressa e o desempenho do consumidor estão, também outros fatores como o tipo de consumidor [categorizado por Vermeir e Verbeke (2008) pelos seu valores, a sua personalidade, a sua espiritualidade, o seu poder e dependência, de que é exemplo ser mais ou menos conservador, mais ou menos ambicioso], os preços altos praticados, a ineficiência das ações de marketing, o ceticismo em relação aos AO’s, causado em grande parte pelo desconhecimento e dúvida nos sistemas de certificação dos mesmos, como ainda o país de origem e de vivência do referido consumidor. Esta última situação surge bem patente no estudo desenvolvido por Thøgersen (2009) sobre a aceitação de AO’s por parte de consumidores de oito países europeus, onde não foram encontradas grandes diferenças entre os países nos fatores que motivam os consumidores a comprar AO’s; porém, a relação entre a intenção de compra e a real compra do consumidor de AO’s foi identificada significativamente mais fraca nos países do Mediterrâneo relativamente aos países do norte da Europa. Neste sentido, deve-se salientar que, conforme preconizado por Blackwell et al. (2005), todo o estudo sobre intenções de comportamento não remete a respostas exatas. As intenções, assim como as atitudes, podem mudar. No entanto, monitorizar as intenções dos consumidores e possíveis clientes contribui, indubitavelmente e de forma eficaz para a elaboração de estratégias empresariais.

Pese embora este facto, com base em Ajzen e Sheikh (2013) e Ajzen (1991), na teoria do comportamento planeado (TPB) e no modelo do comportamento de compra verde (GPB) de Chan (2001), a uma intenção elevada de compra de AO’s deverá cor- responder um efetivo comportamento de compra. Na mesma linha de pensamento, Gra- cia e Magistris (2007) evidenciam que a intenção de compra de AO’s influencia positi- vamente o comportamento de compra final. Tal significa que os consumidores que estão mais dispostos a comprar AO’s estão também mais propensos a comprar grandes quan- tidades desses produtos. Por conseguinte, a compra efetiva de AO’s está intimamente relacionada com a predisposição para os comprar. Essa predisposição e intenção alte- ram-se conforme se trate de um consumidor regular ou de um consumidor ocasional de AO’s (Pino et al., 2012). Da mesma forma, Ferraz et al. (2013), através de uma pesqui- sa aplicada a uma amostra de universitários do Canadá (Concordia University) e do Brasil (Universidade Federal do Ceará) verificaram a existência de uma relação positiva entre atitude e intenção, assim como, embora de forma menos expressiva, entre intenção e comportamento de compra.

Apesar de todas as condicionantes do comportamento de compra de AO’s, quer pela sua aceitação quer pela sua rejeição, o facto é que o mercado de AO’s é ainda diminuto. Neste sentido, em prol dos interesses de todos os intervenientes na cadeia de valor de AO’s, deve ser melhorada a compreensão da variedade de motivações, perceções, atitudes e comportamentos de compra/consumo dos consumidores de AO’s.

A literatura revista deixa saliente um conjunto de razões de vária ordem que explicam o brando crescimento deste mercado. Não muitas vezes referido nem tão pouco muito estudado, mas cada vez mais evidenciado, é a falta de conhecimento sobre os sistemas de certificação, o que constitui a razão da desconfiança nos processos de rastreio e certificação por parte do consumidor e que, conforme Botonaki et al., (2006), é um dos principais fatores que configura uma barreira à compra de AO’s. Pode mesmo, como referido por Guthman (2014) e Truninger (2008), a certificação de AO’s, nestas circunstâncias, ter um efeito adverso sobre os princípios e os valores originais da agricultura biológica, contribuindo desta forma, paradoxalmente, para uma maior incerteza na mente dos consumidores e, consequentemente, constituindo uma força de bloqueio ao desenvolvimento do mercado alimentar orgânico.

Em suma, conforme preconizado por Hughner et al. (2007), a indústria de AO’s deve compreender melhor o impacto e a variedade de motivações, perceções, atitudes e comportamentos de compra/consumo dos consumidores AO’s em prol dos seus próprios

interesses, bem como os de outros intervenientes na comercialização de alimentos. As evidências sugerem que, em conjunto, os fatores de natureza estruturais tais como a regulação política, o apoio financeiros à produção, os sistema de certificação e rotula- ção, as condições dos solos, a eficácia dos seus sistemas de distribuição e os preços pra- ticados, bem como os de natureza macro, assim como a cultura alimentar, a preocupa- ção ambiental e o nível de cultura “além-materialismo”, desempenham um papel mais importante que as variáveis atitudinais de natureza individual para a sustentabilidade do setor e do consumo de AO’s (Thøgersen, 2010).