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II. REVISÃO DE LITERATURA

3. Risco percebido e comportamento do consumidor EC

A segurança e a saúde estão entre as questões mais importantes da alimentação humana (Hocquette, et al., 2009 e 2005). Para tal, muito têm contribuído os incidentes ocorridos na cadeia alimentar, fortemente mediatizados pela comunicação social e que amplificam os receios dos consumidores, dando lugar a uma espécie de “síndroma da insegurança alimentar”.

Os Estados, juntamente com as organizações globais da Agricultura e Alimentação (FAO), Saúde (OMS) e Comércio (OMC), têm desenvolvido sistemas de prevenção de riscos para proteger a saúde do consumidor e garantir, de acordo com padrões científicos, que os alimentos produzidos em qualquer parte do mundo sejam seguros. Porém, os processos industriais intensivos e a produção de alimentos de qualidade nutricional questionável, causando degradação ambiental, redução da

biodiversidade, problemas de saúde e sofrimento animal e humano, colocam esta garantia em causa. De facto, a perceção de que os produtos alimentares comportam riscos para a saúde, tem vindo a aumentar ao longo dos anos. Corolário desta realidade assistiu-se na Europa a alterações de comportamento dos consumidores. Em determinados casos, o aumento do risco e consequente desconfiança na qualidade e segurança dos alimentos, estimulado por uma série de crises alimentares, conduziu a mudanças de atitudes e valores dos consumidores (Knowles et al., 2007), levando, por um lado, à abstenção do consumo de determinados alimentos como medida de precaução (por exemplo, a carne de vaca) e, por outro lado, a uma mudança dos hábitos de compra de alimentos, dando-se primazia aos que, pela sua natureza, diminuem os anseios do consumo. Caso dos AO’s, que conforme Preston e McGuirk (1990), constitui um nicho de mercado com potencial no setor dos produtos alimentares.

Esta atitude quase generalizada de desconfiança resulta de uma maior consciência dos riscos, fomentada pela difusão massiva, por parte dos órgãos de comunicação social, de informações em matéria de segurança alimentar que em parte agudizam os sentimentos de angústia e de inquietação em relação aquilo que o consumidor consome. Em causa está o facto de haver uma maior consciencialização (por vezes alarmista) dos riscos alimentares.

Tecnicamente define-se risco como sendo uma função da probabilidade de um efeito nocivo para a saúde e da gravidade desse efeito, como consequência de um perigo. Contudo, a perceção do risco alimentar é determinada mais pelas interpretações psicológicas que o consumidor desenvolve em torno do produto alimentar e dos perigos inerentes ao mesmo do que propriamente pelos perigos em si mesmos (Batista, 2004). Refira-se que, aquando dos incidentes alimentares, os comportamentos alarmistas dos consumidores devem-se mais à irracionalidade e à ignorância dos mesmos do que verdadeiramente aos fatores que desencadeiam as crises (Lofstedt e Frewer, 1998). Neste contexto, a educação dos cidadãos acerca dos diferentes níveis de riscos alimentares, sublinhando os problemas mais graves e a promoção da educação alimentar dos consumidores, contribuirá para uma real consciencialização do mesmo em relação a estas temáticas, incentivando-o a uma mudança nos seus hábitos de consumo alimentar (Soares, 2002).

Para Slovic (1987) são três os fatores que influenciam o modo como o consumidor interpreta o risco, a saber: o medo (receio dos perigos envolvidos), o desconhecimento e a extensão da exposição ao risco.

Associam-se ao medo variáveis como desconfiança, potencialidade de ocorrência de uma catástrofe global, consequências fatais, desigualdade, elevado risco para as gerações futuras. Em causa está o facto de o consumidor não controlar a ação, por exemplo, as pessoas consideram que as refeições confecionadas em casa são mais seguras do que nos restaurantes, pois a comida preparada em casa é feita por elas e não por desconhecidos. De igual modo, este fator é valorizado quando as pessoas julgam que não são totalmente informadas, ficando assim, comprometido o direito a uma livre escolha (Yeung, 2002; Yeung e Morris, 2001). Efetivamente, os consumidores aceitam melhor os riscos voluntários, como o tabagismo, a obesidade e o alcoolismo, mesmo reconhecendo que são muito mais graves para a saúde humana do que os riscos involuntários. Neste contexto, a severidade das consequências influencia mais a perceção de risco do que a probabilidade da ocorrência: acontecimentos potencialmente fatais, embora improváveis, tendem a concentrar-se nos espíritos das pessoas, pelo facto das consequências serem muito severas.

O fator desconhecimento está relacionado com o não observável, os efeitos retardados, os riscos novos e os riscos desconhecidos para a ciência. De facto, as pessoas atribuem elevados riscos a produtos alimentares cuja composição química ou processos tecnológicos de fabrico envolvidos, desconhecem. Por exemplo, segundo o estudo desenvolvido por Hashim et al. (2001) que pretendia avaliar a possibilidade dos consumidores em comprarem produtos de carne sujeitos a radiações ionizantes, os autores concluíram que os consumidores informados sobre os benefícios da referida energia (redução de parasitas e bactérias microbianas e aumento do tempo de exposição na prateleira), estavam mais suscetíveis em aceitar a carne tratada e menos preocupados com a mesma, contrariamente aos consumidores não informados, ou seja, quando o conhecimento e os níveis de experiência são baixos, as opiniões das pessoas são muitas vezes baseadas em atitudes globais preexistentes acerca da biotecnologia e de questões de segurança alimentar (Rimal, et al., 2001). O fator desconhecimento reveste-se de particular importância caso a comunidade científica não tenha a mesma voz quanto a um determinado tema (como se passa com os organismos geneticamente modificados), aumentando as incertezas do consumidor (Yeung e Morris, 2001).

Por último, o fator extensão reflete o número de pessoas expostas ao risco. Os consumidores não estão dispostos a aceitar riscos que afetem um grande número de pessoas, por exemplo, os perigos microbiológicos e tecnológicos tendem a ser

considerados pelos consumidores como “particularmente altos”, por potencialmente afetarem muitas pessoas simultaneamente.

Os consumidores pretendem, essencialmente, que os produtos alimentares contenham os atributos desejados, sejam seguros, livres de contaminação e, portanto, livres de preocupações. Isto é, o consumidor pretende evitar ao máximo eventuais perdas associadas à compra do produto. No contexto alimentar e, seguindo a taxinomia proposta por Jacoby e Kaplan (1972), as perdas possíveis podem corresponder a diferentes formas: (i) perda de saúde ou de segurança pessoal, resultante da ingestão de um determinado alimento estragado (risco físico), (ii) perda de dinheiro, resultante da compra de um alimento não comestível pelo facto de se apresentar deteriorado (risco financeiro), (iii) perda de confiança pessoal e de respeito perante os outros pela má compra, levando a um sentimento de culpa por ter exposto alguém a um determinado risco (risco psicológico e social), (iv) perda do produto propriamente dito, devido ao facto do mesmo não ser de boa qualidade ou ficar aquém das expectativas do consumidor quanto ao seu resultado (risco de desempenho) e (v) perda de tempo, associada ao tempo gasto pelo consumidor para resolver os problemas causados pela compra de um mau produto (p. ex., reclamar um alimento fora do prazo de validade).

Os mesmos autores evidenciam que a perceção de algum risco percebido no processo de decisão de compra representa o principal fator influenciador do grau de envolvimento do consumidor na aquisição e no consumo de um produto ou serviço. Nesse sentido, a intensidade de risco que o consumidor percebe na decisão de compra, relacionada com a incerteza sobre a decisão e as potenciais consequências de uma decisão errada, é uma das principais condições para o envolvimento do consumidor (Jacoby e Kaplan (1972).

O risco percebido é definido como uma consideração subjetiva do consumidor sobre as consequências associadas a uma tomada de decisão de uma má compra. Ou, conforme define Yeung (2002: 10), “é o julgamento individual da probabilidade de que uma consequente perda poderá ocorrer e a gravidade de suas consequências prováveis”. Bauer (1960), Hoover et al. (1978) destacam que a perceção do risco decorre de uma tensão psicológica associada a incerteza em relação aos efeitos negativos da decisão de compra e é tanto maior quanto menor for o conhecimento do consumidor, crescendo à medida que o mesmo vai tendo experiências desagradáveis em relação ao produto.

Identifica-se assim que, e termos gerais, o risco percebido encontra-se negativamente relacionado com o comportamento do consumidor e com a sua

probabilidade de compra, devido, em parte, às possíveis perdas resultantes desse mesmo ato, particularmente em momentos de preocupação quanto à segurança alimentar (Yeung e Morris, 2001; Eom, 1994), levando o consumidor a reduzir, a adiar ou mesmo alterar a compra do produto em questão. Neste contexto, a segurança dos alimentos constitui, certamente, uma das condições primeiras da qualidade e, provavelmente, da decisão de compra, sendo que, uma correta gestão dos riscos alimentares proporciona segurança nos consumidores, em particular nos que demonstram uma maior consciência ecológica (consumidor EC). Assim, na presença de um risco, os consumidores para decidirem a compra procuram desenvolver práticas que lhes permitem reduzir a sua insegurança e aceder a produtos que lhes inspirem segurança ‒ caso dos AO’s.

Esta realidade calcula-se evidente no caso do consumidor EC, em particular, no reforço da intenção e posterior compra efetiva de produtos AO’s, em que a saúde e a segurança alimentar, a par das preocupações éticas como por exemplo, ambientais e bem-estar animal, desempenham um papel de influência significativa (Harper e Makatouni, 2002). De facto, conforme referido por Neves (2005), os períodos de maior crescimento da agricultura orgânica coincidiram com os períodos de crise de confiança alimentar dos consumidores, após a constatação do relacionamento entre determinadas práticas da agricultura convencional e o aparecimento de certas epidemias, como é o caso da encefalopatia espongiforme bovina, comumente designada de “doença das vacas loucas” e sua variante humana. Neste sentido, do ponto de vista das empresas (produtores e distribuidores), o aumento da consciência dos riscos de segurança alimentar e a capacidade de desenvolver práticas que ajudem a aliviar esses riscos podem ajudar a garantir que os consumidores continuem a comprar os produtos e, consequentemente, a capitalizar em mercados emergentes de produtos que inspirem maior segurança, como é o caso dos AO’s (Gupta e College, 2012; Preston, 1990). Na realidade, conforme Wu et al. (2014), Achilleas (2008) e Kontogeorgos e Semos (2008), o risco é um dos principais determinantes da vontade de pagar um preço mais alto por AO’s e, conforme Menezes et al. (2013), é expectável que a perceção de risco

de um consumo insustentável, irá influenciar a satisfação percebida subsequente. Neste sentido, conforme Passador et al. (2006) o risco percebido é evidente no consumo de alimentos de forma geral e, no caso dos AO’s, é sobretudo evidenciado pela preocupação de risco físico por fatores de contaminação a que os AO’s estão sujeitos e por receio de que o produto não corresponda às expectativas funcionais prometidas.