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3.1.2 – Da liberdade do comércio marítimo

Em oposição à doutrina da guerra ao comércio marítimo, a teoria da liberdade comercial nos mares constitui um forte um ponto de vista dos países neutros, ou dos seus comerciantes, que pretendem manter a todo o custo um comércio marítimo activo em tempo de guerra, numa espécie de imparcialidade aos conflitos armados.

Essa imparcialidade e resguardo passivo remonta ao século XVIII, naquilo que se foi construindo como conceito de imunidade total da propriedade privada, suportado por críticas contra a existência de uma certa legitimidade de captura dessa mesma propriedade no mar em nome de um estado de guerra, tal como Jean-Jacques Rousseau expressou na sua obra Du Contract Social: ou, Principes du Droit Politique, o entendimento em que remarca como a guerra era uma relação entre Estados e não entre particulares:

“La guerre nʼest donc point une relation dʼhomme à homme, mais une relation dʼEtat à Etat, dans laquelle les particuliers ne sont ennemis quʼaccidentellemen...210”

Depois da Declaração Naval de Paris211 de 1856 (16 de Abril) e as preocupações britânicas sobre a navegabilidade comercial no Canal do Suez212 a partir de 1882,

210 Cf. Jean-Jacques Rousseau, “Du Contrat Social, ou Principes du Droit Plotique”, in Collection

complète des oeuvres, Genève, 1780-1789, vol. 1, in-4°, édition en ligne. Fonte:

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houve internacionalmente um incremento na vontade de garantir a protecção dos navios neutros e de se alcançar a inviolabilidade da propriedade privada neutra e inimiga que era transportada sob o pavilhão do inimigo.

Encontram-se expressas inúmeras justificações a favor da liberdade do comércio marítimo, mas as principais, são as favor da imunidade total213 da propriedade privada incluindo a do inimigo. Em primeiro lugar existe um argumento de ordem humanitária, porque a guerra ao comércio marítimo provoca fome na população civil e onde muitos inconscientes das razões da guerra tinham morrido, entre 1914-1918, pela fome e não pelas balas.

O segundo argumento, com base jurídica, seguindo o pensamento do século XVIII, afirmava que a guerra era uma relação entre Estados e que a violência deveria ser limitada aos exércitos em presença. Os não combatentes e em especial as populações civis dos países neutros não deveriam sofrer com a guerra. A guerra de corso tinha-se tornado numa concepção de guerra ultrapassada, mas também a sua abolição pôde ser compreendida como uma vitória jurídica britânica sobre a França.

A evolução do controlo dos Estados sobre os seus territórios, face às facilidades tecnológicas de comunicação alcançadas, a tal concepção de compressão de espaço-tempo, tinha contribuído para uma evolução do pensamento e

211 Cf. Armando M. Marques Guedes, “A Guerra Naval e o Direito”. Fonte: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/2822/1/NeD24_ArmandoMarquesGuedes.pdf, (consultado em 28/09/2017).

212 O Canal do Suez passou a propriedade da Grã-Bretanha na sequência da amortização de pagamento da dívida externa egípcia perante esta, através da cedência das acções que detinha na sociedade. A tomada do controlo do Canal do Suez, passagem estratégica entre o Mediterrâneo e o Índico, levou ao Tratado Internacional de Constantinopla de 1888, 28 de Outubro, que estabelecia a neutralidade do espaço, como livre passagem em tempo de paz e de guerra, assim como uma zona desmilitarizada em seu redor.

213 A imunidade total da propriedade privada, neutra e inimiga, foi defendida pelos Estados Unidos da América no período do pós-guerra (1929), sendo a questão humanitária, recordado a fome imposta à Alemanha até 1919, um factor de argumentação. Herbert Hoover, futuro 31º Presidente dos Estados Unidos, em 1914, a pedido do embaixador Americano na Grã-Bretanha organizou a ajuda humanitária à Bélgica ocupada pelos alemães, através da Holanda.

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transformação do concepção da guerra, passando esta de entre indivíduos para entre Estados, com a implicação imediata do aumento da devastação, com elevados níveis de destruição em terra e no mar, mas que no mar deixou de reflectir um interesse económico na captura de navios comerciais, ou seja, o fim do interesse da salvaguarda dos meios, das mercadorias e colocou as suas tripulações como eventuais prisioneiros de guerra.

Um terceiro argumento contra a guerra ao comércio marítimo era de carácter histórico e que representava a luta contra o direito de presa e a evolução social e jurídica do respeito das liberdades individuais e da propriedade privada, mesmo considerando que desde os finais do século XIX e durante o conflito de 1914-1918, em especial na Rússia a partir de 1917, existissem realidades sociais e políticas (socialismo e comunismo) contrárias ao argumento histórico e defendessem o fim da liberdade individual e da propriedade privada.

Um quarto e último argumento em defesa da liberdade dos mares, neste caso a liberdade comercial marítima, foi um argumento de ordem económica, com base na estabilidade de um comércio internacional sobre o qual a guerra se reflecte negativamente sobre o próprio beligerante que a usa, seja escassez de produtos e matérias-primas que provoca no mercado, como na inflação dos preços e mercados de capital. Assim estava colocado em causa a utilidade do direito de presa, ou de captura, face à ruina económica que a guerra ao comércio provocava a empresas e privados, sem uma cabal influência no resultado imediato de uma guerra, mas que do ponto de vista estratégico e de longo prazo não é verdade.

Na realidade a acção militar numa guerra longa ao comércio marítimo não era uma forma decisiva de um conflito, mas veio demonstrar que o quarto argumento se verificava em consequências económicas sobre o próprio beligerante, mas também demonstrou que essas consequências eram gerireis e com um impacto muito maior sobre o inimigo. Do ponto de vista económico era uma estratégia de longo prazo eficaz e que as perdas económicas tinham implicações práticas na luta militar e na desestruturação social da sociedade civil do inimigo.

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No entanto se a guerra ao comércio na sua forma clássica de corso, ou moderna de bloqueio de contrabando, não é decisiva a mesma não deverá ser negligenciada, nem que seja pela capacidade de levar as partes de um conflito a virem a se sentarem a uma mesa de negociações.