III. Considerações Gerais
2.2 Da Mora
O estado de inadimplência pode decorrer ou de pleno direito ou em consequência da constituição em mora.111 Ocorre a inadimplência de pleno direito, desde que se vença o prazo da obrigação; a consequência da constituição em mora decorre da interpelação (artigo 408, do Código Civil).112 No Esboço do Código Civil de Teixeira de Freitas encontramos disposição no artigo 992113 em que o credor só poderá exigir a pena após constituir em mora o devedor.
110CONTINENTINO, Mucio. Da cláusula penal no Direito brasileiro. São Paulo: Acadêmica; Saraiva & Comp., 1926. p. 78, 79.
111LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. Obrigações em Geral. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989. v. II, p. 158.
112Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.
113Art. 992. O credor não poderá exigir a pena senão quando o devedor ficar constituído em mora; e exigindo-a não terá direito a qualquer outra indenização de perdas e interesses, ainda mesmo
A sistemática adotada pelo Código Civil a respeito da mora, deriva no sentido de que havendo prazo, o devedor incorre de pleno direito, em mora, desde que deixou de cumprir a obrigação. Não havendo prazo, é necessária a interpelação judicial (artigo 394, do Código Civil).114 Aplica-se este mesmo princípio à pena.
A respeito da mora, Clóvis Beviláqua115 tece as seguintes observações: 1. Mora é o retardamento na execução da obrigação. Se por culpa do
devedor, a mora se diz solvendi; se por ato do credor, se denomina
accipiendi.
Não é somente a consideração do tempo que entra no conceito da mora. Subjetivamente, ela pressupõe culpa do devedor, ou é uma das formas de culpa, porquanto há violação de um dever preexistente. Objetivamente, isto é, com respeito ao cumprimento da obrigação, há que atender, ainda, ao lugar e à forma de execução. Incorre em mora o devedor que não efetua o pagamento no tempo, ou não realiza no lugar estabelecido; ou, ainda não cumpre a prestação pelo modo, a que está obrigado. Da mesma forma, se o credor se recusa a receber o pagamento no lugar indicado no título da obrigação, pretendendo que esta se execute em outro, ou se exige o pagamento por forma diferente da estatuída, incorrerá em mora, ainda quando se ponha de lado a circunstância do tempo, que, aliás, é essencial ao conceito de mora. Tal é o conceito que resulta do art. 955 do Código Civil, correspondente ao atual artigo 394.
2. São pressupostos da mora debitoris: existência de dívida positiva e líquida; vencimento dela; inexecução culposa; e interpelação judicial, ou extrajudicial, quando a dívida não é a termo. Por dívida positiva entenda-se obrigação certa.
A mora creditoris pressupõe: a existência da dívida positiva e líquida; que o devedor esteja preparado para efetuar o pagamento; e que se oferece para efetuá-lo. O elemento da culpa é estranho ao conceito da mora do credor, que resulta, exclusivamente, da oferta regular do pagamento seguido da recusa.
3. Em nosso direito, é ociosa a questão de saber se para a mora do credor é necessária a oferta do devedor.
Nas obrigações com cláusula penal, a obrigação deve ser cumprida dentro de um termo preestabelecido, em função do efeito da regra contida na expressão dies interpellat pro homine; vencendo-se o termo sem o implemento da obrigação, a mora decorre do simples fato do vencimento do termo.
provando que a pena não é indenização suficiente; salvo se nos atos jurídicos se tiver disposto de outro modo.
114Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.
Não tendo termo estipulado para que o devedor incorra em mora é indispensável a interpelação judicial ou extrajudicial nos exatos termos do parágrafo único, do artigo 397, do Código Civil vigente.
Se na obrigação estiver estipulado prazo de vencimento da obrigação, o credor fica exonerado de qualquer ato para constituir em mora o devedor.
O Código Civil vigente revogou as disposições contidas no Código Comercial, que dispunha de forma diversa, isto é, exigia a interpelação judicial, ao contrário do estabelecido para as obrigações civis, mesmo a despeito da existência de cláusula expressa de rescisão em decorrência de mora pelo decurso de prazo (Código Comercial, artigos 138 e 205).116
Se o devedor contratou a obrigação com prazo certo para o seu cumprimento, na data convencionada tem que cumpri-la, não sendo necessário que seja interpelado para que cumpra a obrigação para fins de se desonerar do contrato.
Nos termos do artigo 397, a obrigação deve ser positiva (obrigação de dar e de fazer) e líquida (obrigação certa, cuja prestação é de coisa determinada). Exclue- se a obrigação de não fazer, que tem regra própria no artigo 390, do Código Civil.117
Não havendo estipulação de prazo para o vencimento, a mora começa com a interpelação judicial ou extrajudicial. A interpelação judicial resulta ordinariamente da citação. Já a interpelação extrajudicial não tem forma solene; resulta de qualquer tipo de ato que torne certa a exigência do pagamento por parte do credor, desde que seja feita no tempo e no lugar devido e possa ser comprovada.
Interpelação118,
Na terminologia do Direito Privado, sem, contudo perder o sentido originário de pedido de explicações a respeito de certos fatos exprime mais propriamente a intimação ou notificação do credor ao devedor para que o constitua em mora.
116Art. 138. Os efeitos da mora no cumprimento das obrigações comerciais, não havendo estipulação no contrato, começam a correr desde o dia em que o credor, depois do vencimento, exige judicialmente o seu pagamento.
Art. 205. Para o vendedor ou comprador poder ser considerado em mora, é necessário que
proceda interpelação judicial da entrega da coisa vendida, ou do pagamento do preço.
117Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.
118SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. [verbete
A interpelação, então, pode ocorrer em duas circunstâncias:
a) quando a obrigação não tinha época prefixada, destinando-se à sua determinação ou fixação, para que a possa exigir o credor. E a mora que resulta desta interpelação é a mora ex-persona, que se conta do dia da exigência ou daquele fixado pelo prazo concedido, seja pelo juiz ou pelo credor;
b) quando vencida a obrigação determinada, ou a termo, não a cumpre o devedor. Neste caso se diz mora ex re.
A função primordial da interpelação, pois, é de se dar ciência ao devedor que o credor não mais pretende dilatar ou protelar o pagamento.