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Da permanência dos programas na grade

3 Da fundamentação teórica: a semiótica de inspiração

4.3 Da permanência dos programas na grade

Os programas televisuais, independentemente dos gêneros, subgêneros e formatos adotados, nunca se restringem a desempenhar apenas uma das funções atribuídas à televisão – informação, educação, entretenimento, promoção –; ao contrário, enfatizam alguma dessas funções, dentre as demais, convocam, normalmente, todas.

Da mesma forma, e talvez por isso mesmo, dificilmente um produto televisual se enquadra em apenas um gênero ou subgênero televisual; os programas normalmente mesclam o factual, o ficcional, o simulacional, o promocional, embora as emissoras os classifiquem e veiculem como se eles pertencessem a um único subgênero.

Vale ainda lembrar que, devido ao modo de funcionamento da televisão, em princípio, quanto mais tempo um produto fica no ar, mais ele tem condições de fidelizar os telespectadores, que se acostumam com a reiteração daquela oferta, nos mesmos dias e horários.

Por outro lado, a criação e lançamento de um programa é sempre muito dispendiosa. Dessa forma, se, como já se referiu, existem programas, dependendo de seu gênero/subgênero, com data de término previamente definida, como é o caso das telenovelas, a grande maioria deles é realizada para permanecer indefinidamente na grade de programação. E cabe ressaltar que mesmo no caso das telenovelas, embora as narrativas depois de algum tempo finalizem, os espaços a elas destinados permanecem reservados para a próxima, que inicia imediatamente após o término da anterior. Isto porque o que verdadeiramente causa prejuízo a uma emissora é equivocar-se quanto ao lançamento de um programa que não obtenha empatia com o público e, consequentemente, não atinja, em termos de expectativa, a audiência pretendida. Além disso, devido ao desgaste, ao longo do tempo, que vão sofrendo alguns programas, ocorre um afastamento dos telespectadores. E, com pouca audiência, os valores dos espaços comerciais destinados à publicidade caem, o que uma emissora não pode tolerar, pois depende dessa verba para sua sobrevivência.

Assim, as grades de programação das emissoras de televisão comportam produtos lançados para permanecerem no ar indefinidamente, com pouca ou nenhuma variação, a exemplo dos telejornais. Esse subgênero, pertencente ao gênero factual, principalmente no caso específico da RGT, embora estruturado em diferentes formatos, dependendo do horário em que são apresentados, possui um atributo que garante a aceitação por parte dos telespectadores: os

telejornais representam os principais espaços de veiculação de informação da emissora. Mas, de acordo com o horário do dia em que são exibidos, os telejornais podem recorrer a determinadas estratégias que tornem sua audiência mais interessada. No início das manhãs, as informações, muitas delas requentadas, são mais pontuais, relacionadas a esclarecimentos a respeito do que já aconteceu, ou está ocorrendo naquele momento, para que, assim, as pessoas possam adequar suas atividades ao que é pauta em sua cidade ou região. O horário do meio-dia traz, geralmente, conteúdos atualizados, do em-se-fazendo, apresentados em um tom mais leve e descontraído, o que se percebe, inclusive, pela postura adotada pelos jornalistas da bancada, que se dirigem ao telespectador com mais proximidade. Os telejornais da noite adotam um tom mais sério. É a hora de fazer um balanço dos acontecimentos relevantes à sociedade: economia, política, segurança, entre outros. Mas uma coisa é certa, como as emissoras de televisão dificilmente estão dispostas a abdicar de sua função informativa, em que pesem as concessões e adequações necessárias a cada faixa horária, os telejornais vão permanecer no ar.

Outros produtos televisuais que normalmente fazem parte das grades de programação das emissoras, permanecendo indefinidamente no ar, são aqueles voltados ao entretenimento, como, por exemplo, os programas de auditório e alguns seriados, cuja estrutura permite que fiquem indeterminadamente. Seu tempo de permanência é ampliado através do emprego de estratégias da ordem da correção/alteração de percurso, da atualização/substituição do elenco, da introdução de novos quadros, da reformulação de vinhetas e chamadas, da retificação de propósitos e até mesmo da estrutura do programa.

Tais alterações são visíveis em programas de auditório como Domingão do Faustão e Caldeirão do Huck. O Domingão, ao longo dos anos, vem sofrendo uma redução significativa em termos de duração, ocupando, atualmente, apenas 2h50min das tardes de domingo21. Além disso, ambos os programas estão em um constante processo de modificação/invenção de quadros, na tentativa de atualizar e atender aos interesses dos telespectadores. Assim, o que vem se mantendo, ao longo dos anos, é a presença do condutor/apresentador – que, aliás, nos dois casos, confere nome ao programa.

Com vistas a garantir a audiência e, desse modo, a permanência do programa no ar, em alguns casos, a RGT opta pela recuperação de produtos que obtiveram êxito. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o seriado A grande família, que havia tido uma primeira edição nos anos

1970, e que, a partir de 2001, ganhou nova roupagem na tela da Globo, permanecendo durante quinze anos na grade fixa de programação da emissora. Nesse caso em específico, a manutenção do programa não foi mais possível em virtude do envelhecimento dos atores, que passaram a não condizer mais com a proposta de composição dos personagens. Restou apenas como solução a substituição do programa por outro. Mas, na maioria das vezes, antes de retirar do ar, tentam-se vários tipos de alteração de percurso, a exemplo do que vem acontecendo com Malhação, produto veiculado pela RGT desde 1995, que é apresentado por fases independentes umas das outras – cada qual com sua história, seus personagens, seus conflitos.

A Globo lança também alguns produtos, sob a forma de quadros e/ou emissões únicas, especiais, com a finalidade precípua de testar a audiência: dependendo da aceitação por eles obtida, podem ser inseridos na grade de programação em caráter mais permanente. Nesses casos, o produto vai ao ar por temporadas e/ou edições.

Além das alterações no que concerne à realização e veiculação dos programas – reconfiguração de cenário, agregação e substituição de atores, ampliação e reposicionamento de câmeras, etc –, percebe-se atualmente um grande esforço por parte das emissoras com vistas a uma maior interação com o público, seja através de convocações à sua participação no interior do próprio texto do programa, seja através de manifestações em outras plataformas, a exemplo da

internet. Esse convite à participação é mais expressivo em produtos do gênero simulacional, cujo

desfecho acaba sendo legitimado pela intervenção do público, a exemplo do que acontece nos

reality shows, como Big Brother Brasil, The Voice, Fama, Super Star, que conferem ao

telespectador o poder de decisão sobre quem deve permanecer, quem é o vencedor, etc. Mas o Domingão do Faustão também vem recorrendo, em alguns de seus quadros, ao voto do telespectador.

Aliás, essa premente necessidade de interação com o público telespectador tem alterado a produção televisual, determinando, muitas vezes, mudança de percurso nos programas: a noção de obra aberta, como marca da telenovela, é, na verdade, extensiva a outros produtos televisuais, que consideram a opinião dos telespectadores nas tomadas de decisão e encaminhamento das produções22.

22 A participação no 9º Seminário Temático Intercom – Novas Narrativas na Comunicação Contemporânea,

realizado em 2015, nas dependências dos Projac (RJ), permitiu a compreensão de algumas alterações que vem sendo realizadas pela emissora, concernentes à construção das narrativas, que afetam diretamente o processo de produção dos produtos televisuais.

A recorrência a reformulações, de diferentes ordens, é, portanto, uma ação estratégica que vem se expandindo em direção a produtos televisuais pertencentes a diferentes subgêneros. Afinal, são essas alterações que garantem a manutenção no ar de diferentes programas, a exemplo do Fantástico, exibido desde 1973, do Vídeo Show, exibido desde 1983, e do Mais Você, exibido desde 1999. Todos eles, ao longo dos anos, foram sofrendo modificações, de modo a poderem continuar correspondendo aos interesses dos telespectadores.

A cobertura esportiva realizada por Tadeu Schimidt, jornalista experiente, apresentador e comentarista do Fantástico, especialmente no que se refere ao futebol brasileiro, talvez seja o que melhor ilustra as alterações sofridas pelos produtos com o objetivo de manter o telespectador cativo e interessado: ao mesmo tempo em que é entretenimento, o esporte também é informação. Hoje essa cobertura adotou uma nova forma de narrativa dos gols, que vêm acompanhados de relatos e revestidos por diferentes efeitos sonoros e visuais – como, por exemplo, a comparação dos goleiros a gatos, quando realizam defesas impressionantes, e a inserção do prêmio Mustela, concedido ao jogador que cometeu o maior “furo” nos jogos do final de semana.

Vale mencionar, ainda, a utilização de recursos visuais, a exemplo da animação, como forma de manter o público atento à informação e, ao mesmo tempo, entretido (empregada na composição das tabelas de classificação do Campeonato Brasileiro de Futebol, na qual cada clube é representado por um cavalo de corrida e, a cada nova fase, todos são posicionados nas suas canchas, conforme a posição ocupada na classificação geral). A inserção de quadros também tem sido recorrente nas coberturas esportivas, a exemplo do Bola Cheia e Bola Murcha, que se tornou um sucesso, por permitir que os telespectadores participassem, mediante o envio de seus vídeos. Com esse quadro, partidas amadoras23 de todo o Brasil ganharam espaços na tela, repercutindo também nas redes sociais.

Esses exemplos demonstram que a informação, da ordem do factual, pode revestir-se de entretenimento ou vice-versa, recorrendo ao ficcional, com o objetivo de atrair, cativar e entreter: mesclam-se gêneros para tornar o produto televisual mais atraente e interessante ao telespectador. E são essas alterações que garantem o sucesso e a manutenção dos programas no ar.

É, assim, apostando na recorrência a inúmeras mudanças e alterações de percurso, que as emissoras de televisão intentam fazer com que os programas permaneçam indefinidamente em suas grades de programação.

5 Da metodologia de análise

A presente seção, considerando as indagações, hipótese e objetivos da pesquisa, apresenta o percurso metodológico adotado na análise do objeto empírico de investigação, o programa Esquenta!.

Como se vem ressaltando, a pesquisa realizada procura respostas para algumas questões formuladas sobre a trajetória dos produtos televisuais, indagando-se sobre quando, como e por

que são operadas transformações de caráter estrutural em um produto televisual, modificando

suas funções, proposta e trajetória na programação de uma emissora. De que forma essas alterações incidem sobre a identidade do programa e da própria imagem e marca de uma emissora de televisão?

A investigação parte da hipótese de que muitos programas televisuais, dependendo do subgênero a que pertencem, na tentativa de se manterem no ar, operam, ao longo de seu percurso de existência, transformações estruturais e/ou adotam novas configurações: articulam outros contextos, propõem novas temáticas, novos quadros, alterando, se necessário, sua própria identidade e seus propósitos na busca de construir um público telespectador mais permanente.

Assim, o objetivo geral da pesquisa é verificar que estratégias poderiam ser virtualmente empregadas por um produto televisual, ligado ao subgênero programa de auditório, para permanecer no ar, ao longo dos anos. Com a finalidade de dar conta desse objetivo mais amplo, estabeleceram- se os seguintes objetivos específicos: a) traçar um histórico do surgimento dos programas de auditório no contexto televisual brasileiro; b) configurar o contexto comunicativo e enunciativo do Esquenta!, quando do lançamento do programa e no momento atual, depois que passou a fazer parte da grade fixa da emissora, descrevendo seu entorno sociocultural e enunciativo, núcleo de produção e equipe responsáveis pela sua realização; c) analisar as relações intertextuais de caráter paradigmático contraídas pelo Esquenta! com o seu subgênero – os programas de auditório; d) apresentar uma configuração geral do Esquenta!, examinando o programa, por temporadas e emissões, quanto aos formatos adotados, quadros, temáticas preferenciais, forma de estruturação espacial, temporal, tonal, forma de configuração dos atores – condutor/animador, participantes fixos, convidados, plateia, etc; e) identificar as alterações estruturais pelas quais passou o Esquenta! em função dos interesses que pautam a ação da RGT; f) examinar as estratégias comunicativas e discursivas empregadas pelo programa na configuração de sua

identidade, imagem, público-alvo para dar conta de suas alterações de percurso e simultaneamente adequar-se à imagem e marca da RGT; g) examinar as relações intertextuais de caráter sintagmático contraídas pelo programa com outros produtos televisuais que ele recupera.

Com fundamento nos princípios da semiótica discursiva europeia e inspirado nas proposições metodológicas de Duarte e Castro (2014), estabeleceu-se um percurso de análise que comporta quatro níveis de pertinência24.

(1) o exame do contexto comunicativo e enunciativo que enforma as diferentes fases do programa Esquenta!, com vistas a verificar, em particular, as estratégias comunicativas e enunciativas selecionadas (análise paratextual);

(2) a análise do programa e das emissões selecionadas em suas relações intertextuais, considerando sua dimensão paradigmática, em direção ao conjunto de textos que lhe serve de modelo, ou seja, em suas relações com o subgênero programa de auditório (análise intertextual de caráter paradigmático);

(3) a caracterização geral do programa e a descrição interna das emissões selecionadas, considerando a relação contraída entre os planos de expressão e conteúdo, com vistas a verificar, em particular, as estratégias discursivas selecionadas e os mecanismos expressivos convocados para manifestar as articulações existentes entre as emissões do programa e os outros níveis de pertinência propostos para a análise (análise intratextual); (4) a análise das emissões em suas relações intertextuais, considerando sua dimensão

sintagmática em direção aos outros textos que as precedem e sucedem na cadeia sintagmática (análise intertextual de caráter sintagmático).