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6 NO SET DE ANÁLISE: PRODUÇÃO E (REPRESENT)AÇÃO

6.1 DA PRODUÇÃO DE DEVIOUS MAIDS: DIABÓLICAS COMO

Em nossa fundamentação teórica, ao discutirmos o uso da palavra "latina" em detrimento de "hispânica", fizemos considerações acerca da história da imigração de grupos de latinos para os Estados Unidos, da relevância demográfica que estes grupos vieram a possuir e discorremos sobre o desenvolvimento da emissora Lifetime, seu público alvo típico e a recente proposta de diversificação da programação em sentido étnico. Para dar continuidade à análise da produção da série, utilizamos as microcategorias de escolha de diretores, roteiristas e elenco para discutir escolhas mais contextuais da série bem como microcategorias que se voltam para a caracterização do produto midiático da Lifetime, quais sejam: composição visual do título, slogan, vinheta de apresentação e título dos episódios.

Para a primeira temporada, à exceção do episódio piloto, cujo diretor tem experiência com produtos cinematográficos, os demais episódios foram divididos dois a dois para diretores diferentes. Com isso, os episódios dois e três foram dirigidos por Rob Bailey; quatro e cinco por David Warren; seis e sete por Tawnia McKiernan; oito e nove, Tara Nicole Weyr; dez e onze, John Scott; e doze e finale por Larry Shaw. Através de uma investigação rápida por diretórios de filmes e biografias (IMDB, 2016), foi possível compreender as direções artísticas de cada diretor, evidenciando a necessidade de profissionais capazes de desenvoler uma trama rica em dramas pessoais com um motivo investigativo.

Ao pesquisar a carreira filmográfica e a ordem de contribuição dos diretores, constatamos que aqueles com maior experiência e reputação foram encarregados dos episódios de maior relevância narrativa, isto é, com conflitos mais importantes para a temporada e com mais chance de desenvolver as personagens. Após o sétimo episódio, não somente os eventos narrativos tornam-se menos nucleares como buscam encaminhar as personagens para os desfechos já desenhados até o

episódio citado (isso pode ser confirmado através da sinopse dos episódios que elaboramos, no Apêndice).

A contratação do elenco, por sua vez, ocorreu de modo rápido para as atrizes protagonistas Dania Ramirez (origem dominicana) e Ana Ortiz (filha de um porto riquenho com uma irlandesa-americana) chamadas para papeis protagonistas com dias de diferença. Judy Reyes (filha de dominicanos) e Roselyn Sanchez (origem porto riquenha) foram chamadas semanas depois e, finalmente, Edy Ganem (ascendência mexicana e libanesa). Apesar dessa adição, a quinta protagonista só passou a fazer parte do material publicitário da série após as gravações começarem.

Desse primeiro grupo de atrizes, Roselyn Sanches, Ana Ortiz e Judy Reyes já possuíam carreira em produções seriadas de sucesso, ao passo que Dania Ramirez e Edy Garmen ganharam fama com suas aparições na série. Importante observar, também, que apesar das origens étnicas citadas acima, em Devious Maids, Dania Ramirez, Judy Reyes e Ana Ortiz interpretam mulheres de origem mexicana, ao contrário das personagens de Roselyn Sanchez e Edy Ganem. Isto nos faz retomar a discussão acerca da homogeneização midiática dos grupos latinos, negligenciando as características afrodescendentes de dominicanos (ALCOFF, 2000).

A recepção da série pelo público telespectador nos fornece pistas interessantes tanto em relação à apreciação da série enquanto produto de entretenimento, quanto a sua configuração audiovisual. A junção de um enredo investigativo e dramático envolvendo americanos brancos ricos e empregadas latinas pobres, de modo geral, foi bem aceita pelos telespectadores, com alguns críticos apontando relações intertextuais com outros programas televisivos. De fato, McNamara (2013) caracteriza Devious Maids como uma tentativa de relocar a série britância Downton Abbey para o contexto de Beverly Hills, e Conroy (2013) alega que a série é uma releitura de um produto mexicano aos moldes de Desperate Housewives - também escrita por Marc Cherry.

De outro modo, menos discutido entre críticos e telespectadores foi o uso da língua espanhola para divulgação do seriado (DEADLINE TEAM, 2013) e no próprio seriado, entre as personagens. Para a Lifetime, interessada em conquistar um público telespectador diverso, usar o espanhol na liberação antecipada do episódio piloto e na posterior disponibilização da série em plataforma digitais foi um dos recursos operacionalizados para atrair as telespectadoras latinas – como evidente em suas preferências (CARTER; VEGA, 2012).

No que diz respeito à série enquanto produto, recorremos às microcategorias já anunciadas de composição visual do título, da vinheta de abertura e os títulos destinados a cada episódio. Começando pela análise do título, Devious Maids significa “empregadas diabólicas”, um título que gera expectativa de empregadas menos subservientes e capazes de ações questionáveis ou erradas. Esse novo modelo comportamental é mantido nas traduções do título da série para outros países; em espanhol, "Criadas e Malvadas"; em húngaro, “Empregadas Diabólicas: Segredos Nefastos”. De acordo com eventos da primeira temporada, as ações "diabólicas" performadas envolvem segredos, manipulações emocionais, e espionagens domésticas.

A composição visual do título da série nos cartazes de divulgação (Anexo 2 e Figura 7), por sua vez, irá apelar aos símbolos notoriamente associados à figura diabólica: os detalhes da letra “d”, "v" e “m” e a cor vermelha. Ao discorrer sobre o uso das cores como modos, Kress e Van Leeuwen (2002) observam, em uma perspectiva funcionalista hallydiana, que cores possuem significados ideacionais, interpessoais e textuais. No caso do título da série, a cor vermelha usada na palavra "diabólica" retoma e reforça os significados religiosos associados ao inferno e ao diabo, isto é, o título orienta o telespectador a pensar as mulheres latinas, empregadas, como endemonizadas por seu protagonismo e capacidade de ação.

Os significados composicionais (KRESS; VAN LEEUWEN; 1996) são constituídos também pelo sobreposicionamento das palavras. Na Figura 7, vemos que a palavra "diabólicas" está em destaque por sua extensão e composição totalmente vermelha, ao passo que "empregadas", ocupa no plano denotativo do real, possui um tom mais escuro na parte inferior das letras. A colocação da empregada como elemento do real e sua cor menos brilhante e mais neutra dividem os significados composicionais, fazendo interpretar a mulher empregada como um elemento marcado pela possibilidade do errado, do obscuro, do oculto.

Figura 7 Título do seriado com referência visual à figura diabólica.

Em outras palavras, o rompimento com a subserviência do papel de empregada ao mesmo tempo em que propõe poder de agência à mulher latina e capacidade de romper com a cumplicidade entre patrões e empregados, o faz por meio do status de mulheres pouco confiáveis, que seguem uma agenda própria pela manipulação de outros a seu redor.

Um arranjo diferente é apresentado para o título da série exibido na vinheta de abertura. Tradicionalmente, as séries produzem aberturas mais ou menos longas, de acordo com a duração do episódio, compostas de imagens da narrativa acompanhadas por uma trilha sonora original. Para comédias, essa abertura é reduzida a uma vinheta com o título da série e uma faixa sonora que identifica a série para o telespectador. No Quadro 4, expomos as principais imagens da vinheta de Devious Maids; a faixa sonora pode ser escutada em <http://www.televisiontunes.com/Devious_Maids_-_Pilot.html>.

Quadro 4 Vinheta de apresentação da série

Fonte: Lifetime (2013)

Seguindo o tema principal da primeira temporada, a vinheta aparece entre a perícia da cena do crime e o enterro da empregada assassinada. A apresentação começa com um chão ensanguentado gradativamente limpo por um esfregão: a

primeira palavra que aparece, em vermelho, é Devious e, quando o esfregão retorna, a palavra Maids, em letras brancas começa a surgir. Ao contrário da fonte do título, foi usada na vinheta uma fonte mais arredondada, em tamanhos diferentes e com maiúsculas e minúsculas: devious está em caixa alta e fonte maior e maids, em caixa baixa, fonte menor e inicialmente camuflada com o piso.

A vinheta permite uma leitura semelhante ao que discutimos para o título da série, ao apresentar primeiro a palavra "diabólicas" em vermelho, e depois a palavra "empregadas" em branco. Quando isso ocorre, o papel social de empregada é associado aos significados de limpeza e pureza em contraste forte com o vermelho sangue de “diabólicas”. Daí, o ato de limpar o chão sujo e a presença do atributo acessório (o esfregão) que constroem metonimicamente a “empregada” (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996), têm seus significados influenciados pelos sentidos da palavra "diabólicas". Isso permite dizer que, na vinheta, é menos importante a ocupação das protagonistas, enfatizando-se os comportamentos “diabólicos”, etnicamente comprometidos pela trilha sonora da abertura.

A curta faixa musical de abertura possui notas rápidas e animadas, com instrumentos de corda e sopro tipicamente associados à cultura latina, especialmente à mexicana. Sua rápida realização se divide em uma abertura de notas mais tensas, um desenvolvimento breve de ritmo acelerado e uma conclusão com notas mais altas, sugerindo o embate entre mocinho e vilão e uma conclusão não trágica, em referência ao teor cômico da série. Aproveitamos essa discussão para apontar que a referência étnica por meio da trilha sonora será característica da série, como a música latina que acompanha a troca de roupas de Valentina e sua aproximação de Remi à beira da piscina. De outro modo, não há contribuição de músicas da cultura americana, na verdade, todas as canções e faixas musicais trazem instrumentos típicos das culturas latinas e remetem a ritmos latinos como a salsa, rumba ou bolero. Como vetor de representação social, portanto, a trilha sonora é reforço de estereótipos sobre os latinos e as músicas que consomem, mesmo quando inseridos no contexto cultural dos Estados Unidos.

O slogan da série, “quem tem a sujeira, tem o poder” ("whoever holds the dirt, holds the power..."), ao fazer referência a uma disputa de poder a partir da quantidade de conhecimento sobre atos ilícitos praticados por alguém, propõe a leitura das protagonistas como capazes de chantagear e manipular seus patrões ricos com os conhecimentos que possuem sobre os mesmos. Ou seja, esse suposto

poder das protagonistas tem por base comportamentos etica e moralmente duvidosos e o rompimento da confiança patrão-empregada.

Assim como o título da série, o slogan é performado na ação dramática através de cenas voltadas para a interação das protagonistas entre si, geralmente no parque ou no Bistrô Hollywood. No primeiro episódio, quando Marisol Suarez questiona as demais empregadas se fofocar sobre os patrões era pouco educado de sua parte, Zoila (a personagem com mais idade e maior tempo de profissão) responde ser um "pré-requisito". São alguns exemplos de segredos domésticos repassados entre as empregadas as circunstâncias da morte de Flora Hernandez, os relacionamentos extraconjugais dos patrões e, até mesmo, seus segredos.

Os títulos de cada episódio, por sua vez, buscam caracterizar a série como voltada para as atividades realizadas pelas empregadas, trazendo uma ação doméstica por vez, como exposto no Quadro 5. Esses títulos fazem referência direta ao protagonismo das empregadas latinas de modo mais ou menos literal para cada ação listada. Tomemos como exemplo o título do segundo episódio: “colocar a mesa”, isto é, prepará-la para a chegada de pessoas que ali compartilharão uma refeição. Em termos de desenvolvimento do enredo, o título sugere ações cujas consequências serão vistas nos episódios seguintes.

Quadro 5 Lista de episódios da primeira temporada de Devious Maids 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 Pilot

Setting the table Wiping away the past Making your bed Taking out the trash Walking the dog Taking a message Minding the baby Scrambling the eggs Hanging the drapes Cleaning out the closet Getting out the blood Totally clean

Episódio piloto Colocar a mesa Limpar o passado Fazer sua cama Tirar o lixo

Passear com o cachorro Receber mensagens Cuidar do bebê Mexer os ovos Pendurar as cortinas Limpar o armário Remover o sangue Totalmente limpo Fonte: Lifetime (2016) [tradução nossa]

Os títulos dão ao telespectador pistas sobre a ação dos núcleos narrativos, porém nem sempre o que é antecipado pelo título corresponde a uma ação das empregadas no episódio em questão, como em “cuidar do bebê”, ação realizada por uma das patroas americanas.

O plano contextual e constitutivo da análise das representações sociais em Devious Maids aponta para uma série de escolhas de profissionais que se alinham com os investimentos ideológicos (e estéticos) da Lifetime e de Marc Cherry na produção e transmissão da série. Além disso, com as microcategorias de título da série, slogan, vinheta de abertura e títulos dos episódios somos capazes de entender a rede de significados que é gerada anterior ao consumo da própria série para o telespectador. Na seção seguinte, damos continuidade à análise do plano contextual e constitutivo da série, voltando-nos para seu universo diegético.

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