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DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL

CAPÍTULO 6 – DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS AGENTES

6.1. DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL

A maior fonte geradora de responsabilidade civil, nas inter-relações da empresa agrária com os agentes agrários, é, sem dúvida, o descumprimento do contrato, instrumento jurídico garantidor dos direitos e deveres das partes intervenientes.

Segundo entendimento de Tabir Del Poggetto SUEYOSHI:

“O meio jurídico pelo qual os agentes produtivos ao longo da cadeia agroalimentar se relacionam para transferir o produto é o contrato. Destarte, os agentes produtivos estabelecem relações jurídicas com o fito de transferir o produto nas diversas fases do processo de produção, assim como de organizar uma cadeia produtiva.117

Principalmente no segmento da pós-produção, quando, em geral, o empresário agrário se retira da cadeia produtiva ao entregar os seus produtos aos mais diversos agentes, que, processando-os, transformando-os ou in natura, se encarregam de fazê-los chegar ao consumidor final, não há que se falar em qualquer outra legislação que não seja o Código Civil.

Nos ensinamentos de Orlando GOMES “contrato é, assim, o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à

satisfação dos interesses que regularam”. 118

Para Clóvis BEVILACQUA, contrato é “o acordo de vontade de duas ou mais

pessoas com a finalidade de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direito”. 119 A maioria da nossa doutrina entende ser a responsabilidade contratual a violação de um contrato ou de uma obrigação unilateral de vontade, no que concorda, também, a civilista Maria Helena DINIZ: “(...) A responsabilidade do infrator, havendo liame

117

SUEYOSHI, Tabir Del Poggetto Oliveira. Da natureza e do objeto do Direito Agroalimentar. Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2009, p. 96.

118

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 10.

119

obrigacional oriundo de um contrato ou de declaração unilateral de vontade, designar-se-

á responsabilidade contratual (...)”. 120

6.1.1. Da Cláusula Penal

Na responsabilidade contratual é possível a pré-fixação da responsabilização pelos danos provenientes do inadimplemento, com a avença de uma cláusula penal.

Tal cláusula pode ser moratória ou compensatória. A primeira, para o inadimplemento relativo, a segunda, para o inadimplemento absoluto.

A cláusula penal moratória pode ser exigida conjuntamente com a prestação principal. Em obrigações que envolvem dinheiro, ela aparece penalizando o inadimplente, com uma porcentagem sobre o valor da prestação. Nas relações de consumo, tal porcentagem não pode ser superior a 2%, conforme o artigo 52, §1º do Código de Defesa do Consumidor. 121

A cláusula penal compensatória, por sua vez, não pode ser exigida cumulativamente com a prestação principal. Trata-se de uma multa maior, que visa cobrir os prejuízos do inadimplemento absoluto, por isso, não pode ter valor superior ao da obrigação principal.

Exigida a cláusula penal compensatória pelo inadimplemento, duas conseqüências podem ocorrer:

1º. Os prejuízos são maiores do que o valor previsto na cláusula penal. Neste caso, o benefício seria do devedor e o credor pode exigir indenização suplementar, desde que haja previsão expressa no contrato, valendo a pena convencional como mínimo de indenização (artigo 416, parágrafo único do Código Civil); 122

2º. O valor da cláusula penal é maior do que os prejuízos causados pelo inadimplemento. Aqui, o credor colhe melhor proveito. Se a cláusula penal for

120

DINIZ, Maria Helena. Ob.cit., p. 201.

121

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: (...)

§ 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação.

122

Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.

Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.

manifestamente excessiva, ou se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, pode o juiz reduzir aquela equitativamente (artigo 413 do Código Civil). 123

6.1.2. Da Onerosidade Excessiva

Os artigos 421 e 422124 do Código Civil prevêem que os contratantes devem atender aos princípios da boa-fé e da probidade, além de exercer a liberdade de contratar nos limites da função social do contrato.

Sobre a função social, falamos no capítulo 4 e a probidade, como sinônimo de honestidade, é um valor que os seres humanos devem aplicar em qualquer situação de sua vida cotidiana, pelo bem da paz social.

Segundo Cláudia Lima MARQUES,

"Boa-fé objetiva significa, portanto, atuação "refletida", uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes." 125

Porém, muitas vezes, a situação de um dos contraentes é por demais onerosa, seja porque são celebrados na modalidade de adesão (onde a impossibilidade de discussão das cláusulas, por vezes torna a obrigação demasiadamente onerosa), seja porque a verificação de determinados acontecimentos torna impossível o cumprimento da obrigação tal como foi pactuada.

Não sendo possível a previsão de toda a sorte de relações jurídicas, bem como a solução a ser aplicada em cada caso, às vezes, acontecimentos imprevisíveis e irresistíveis tornam a obrigação demasiadamente onerosa para uma das partes, ferindo princípios como

123

Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

124

Art. 421 – A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 422 – Os contratantes são obrigados a guardar, assim como na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

125

MARQUES, Claúdia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 181-182.

o da eqüidade, da solidariedade social, da função social e da dignidade da pessoa humana, em face da irrestrita aplicação do princípio da força obrigatória dos contratos.

Em face disso, este princípio passou a ser mitigado ou relativizado. O Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade de revisão de contratos, desde que a obrigação, por qualquer motivo, tenha se tornado onerosa demais para a parte mais fraca, ou seja, o consumidor.

O próprio Código Civil possui alguns dispositivos esparsos, bem como um capítulo específico, para tratar da possibilidade de revisão dos contratos em caso de onerosidade excessiva, tais como:

"Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação."

No mesmo sentido, o legislador estabeleceu nos artigos 478 a 480,126 as hipóteses de revisão e resolução dos contratos devido ao surgimento da onerosidade excessiva em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, fazendo menção a três requisitos, quais sejam:

A) Tratar-se de contrato de execução continuada ou diferida;

B) Ocorrer situação de extrema onerosidade para uma das partes, ao mesmo tempo ensejando manifesta vantagem para a outra;

C) Ocorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.

Também o Código Civil Italiano de 1942, embora faça previsão do princípio da força obrigatória das convenções, não se desvinculou da teoria da imprevisão, o que se percebe da leitura do artigo 1467:

“Nos contratos de execução continuada ou periódica ou de execução diferida, se a prestação de uma das partes tornou-se excessivamente onerosa pela ocorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a parte que deve

126

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

esta obrigação, pode pedir a resolução do contrato, com os efeitos estabelecidos no artigo 1458 (tradução nossa).” 127

Por fim, lembramos que, conforme estudado no tópico 2.5, na responsabilidade contratual, ao lesante cabe o ônus da prova, ou seja, se o lesado alegar o descumprimento do contrato por parte do lesante, a este cabe provar que esse fato não ocorreu.