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1.1. Aids – determinações sociais

1.1.1. Dados de uma epidemia brasileira

Mundialmente, o crescimento constante da epidemia do HIV/Aids demonstra os efeitos das taxas novas de infecções por HIV que continuam elevadas, assim como reflete o impacto benéfico da terapia antirretroviral. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa das Nações Unidas em HIV/Aids (UNAIDS, 2010), em dezembro de 2008, aproximadamente 4 milhões de pessoas em países de renda baixa e média recebiam terapia anti-retroviral – um aumento de dez vezes em cinco anos.

No Brasil, atualmente, são 544.846 mil pessoas vivendo com Aids, numa relação de dois homens para uma mulher. Foram 11,523 mortes em 2008 (UNAIDS, 2010). Em alguns centros urbanos essa relação já é inversa, isto é, são duas mulheres infectadas para cada homem com HIV/Aids. No início da epidemia essa relação era de 24 homens para 01 mulher. São cerca de 240.000 mulheres infectadas no país (UNAIDS, 2008). Em Pernambuco, dados da Secretaria Estadual de Saúde (2008) indicam que dos 8.500 casos de Aids notificados em Pernambuco, 35% são em mulheres.

Segundo os boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde (2006) em algumas cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo, naquele ano a Aids era a principal causa de morte entre mulheres em idade reprodutiva. Crescem os números de casos de HIV/ Aids entre mulheres casadas, diagnosticadas cada vez mais no teste durante a gravidez.

Dados nacionais revelam que o aumento de casos ocorre entre mulheres de pouca ou nenhuma instrução, sendo que 75% das mulheres com Aids em 2005 tinham menos de oito anos de estudo. Junto à epidemia, é também alta a incidência

econômica; e o BM, enfrentando a pobreza com estratégias de implantar planejamento familiar, serviços sociais básicos, separando saúde/previdência/assistência e apoiando as privatizações (JAKOBSEN, 2005).

de infecções sexualmente transmissíveis que, comprovadamente, constituem um fator que aumenta o risco de infecção pelo HIV (BRASIL, 2008).

Com a iniciação da vida sexual mais cedo, as adolescentes brasileiras estão expondo-se às infecções sexualmente transmissíveis e aos riscos do abortamento feito na clandestinidade. O pouco uso de métodos preventivos é percebido no crescimento dos casos de Aids entre jovens, sendo que, entre as meninas, a principal via de transmissão são as relações sexuais desprotegidas. Entre jovens de 13 a 19 anos, o número de casos de Aids é maior entre as meninas. A inversão ocorre desde 1998, com 8 casos em meninos para cada 10 casos em meninas (BRASIL, 2008).

O coeficiente de mortalidade vem se mantendo estável no país, a partir de 2000, em torno de 6 óbitos por 100 mil habitantes. Nos últimos oito anos, as mortes por Aids em homens caem e em mulheres mantêm-se estáveis. Desde 1995, com o uso de antirretrovirais, o número de óbitos apresentava diminuição. Entretanto, a queda de mortalidade por Aids em mulheres não tem mostrado a mesma magnitude da observada entre os homens. Em 1995, a Aids já era a segunda causa de óbito para ambos os sexos no grupo etário de 20 a 49 anos.

Em relação à transmissão vertical, o Brasil reduziu em 41,7% a incidência de casos de Aids em crianças menores de cinco anos de idade. A queda na taxa de transmissão da mãe para o bebê é resultado dos cuidados no pré-natal e pós-parto. De 1984 a junho de 2009 foram identificados 13.036 casos de Aids em menores de cinco anos (BRASIL, 2008).

Propagam-se casos de Aids em municípios distantes das principais áreas metropolitanas. Em 1985, a doença havia atingido dez municípios brasileiros e, em 1995, 950 municípios. Desde o início dos anos 2000, das dez cidades com maior taxa de incidência, apenas duas delas eram capitais de estados.

Brito et al (2011) analisa a taxa de incidência de HIV/Aids ano a ano, segundo as regiões. O estudo revela que após o período inicial de tendência crescente com pico no ano de 2002, a taxa de incidência se estabilizou com tendência à queda nos anos mais recentes, no país como um todo, em decorrência do arrefecimento da

epidemia nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Mesmo assim, as taxas ainda se apresentam em patamares elevados, tendo atingido, em 2008, 18,2 casos por 100 mil habitantes. Entretanto, a pesquisadora observa que nas demais regiões - Norte, Nordeste e Sul - houve uma tendência ao crescimento no período de 2003 a 2007. Em média, foram identificados em torno de 35 mil novos casos por ano.

Os grandes centros urbanos do país, com mais de 500 mil habitantes, concentram 52% do total de casos acumulados. O conjunto das 4.982 cidades com menos de 50 mil habitantes (90% dos municípios brasileiros) concentram 34% da população e 15,4% dos casos de Aids identificados no país, em 2007 (BRASIL, 2008).

Em relação ao número de parceiros, desde final dos anos 1990 que os dados do Ministério da Saúde, bem como de diferentes estudos, apontavam que mais da metade das mulheres portadoras do HIV tiveram, em média, de dois a três parceiros ao longo da vida. Esta tendência seguiu pelos anos seguintes, o que desfaz o mito da promiscuidade associada à infecção pelo HIV em mulheres (GRINSZTEJN, 2001).

Diante desse perfil epidemiológico, social, econômico e cultural, a epidemia no Brasil é qualificada por Barbosa (2002), Parker (1999), Rocha (2010) como uma doença socialmente determinada. Contraditoriamente, nos últimos anos cientistas buscam analisar a epidemia através de uma nova tipologia. Brito, et al (2011) explica que a definição subdivide as epidemias como "nascente", ou "baixo nível", ―concentrada‖ e ―generalizada‖.

A epidemia ―nascente‖ está relacionada à prevalência da infecção pelo HIV menor do que 5% em todas as subpopulações de um país.6 Na epidemia ―concentrada‖, a prevalência da infecção pelo HIV é superior a 5% e na ―generalizada‖ são elevadas as taxas de prevalência à infecção pelo HIV e não mais são restritas às subpopulações de comportamento de alto risco, ao passo que a prevalência entre gestantes é igual ou superior a 5%. No Brasil, a epidemia é do tipo "concentrada", ou seja, a prevalência da infecção pelo HIV é superior a 5% em uma

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As sub-populações são aquelas consideradas pela epidemiologia com comportamentos de alto-risco: profissionais do sexo, homossexuais e bissexuais masculinos que não usam preservativos; usuários de drogas que compartilham seringas. (N.A.)

ou mais subpopulações, mas a prevalência entre gestantes atendidas em clínicas de pré-natal é menor do que 5% (BRITO et al, 2011).

Considerar que o Brasil tem uma epidemia ―concentrada‖ permite a epidemiologistas uma melhor visualização do problema e possibilita a formulação de políticas públicas focadas nas necessidades da população. Entretanto, não explica o fato da epidemia crescer mais no Norte, Nordeste e Sul do Brasil e não retrata a totalidade das determinações sociais na qual a epidemia está inserida. Além de que, volta-se a uma terminologia do início da epidemia que tem no comportamento de risco uma referência para avaliar as vulnerabilidades da infecção. Estudos demonstraram que tal conceito é portador de estigmas e preconceitos.

Parker e Aggleton (2002) identificam quatro eixos que definem estigmas relacionados ao HIV/Aids. Os pesquisadores afirmam que em países e culturas diferentes persistem estigmas (1) relacionados à sexualidade - ―peste gay‖, doença da promiscuidade; (2) em relação ao gênero – doença causada pelo homem, doença de mulher; (3) relacionados ao racismo ou à etnia – ―peste negra‖, ―doença africana‖; (4) em relação à pobreza ou marginalização econômica – início da epidemia doença de rico, agora doença de pobre.

Tal como as formas preexistentes de estigmatização e discriminação em relação à sexualidade, ao gênero, raça e pobreza, as crenças sobre a infecção por HIV e Aids, e a estigmatização baseada em tais entendimentos, vêm sendo muito importantes com a evolução da epidemia. Juntamente com as outras formas de rotulação e estigma descritas acima, elas tornaram-se entrelaçadas em uma nova teia de significados relacionados ao HIV e Aids e aos mecanismos de poder, desigualdade e exclusão (PARKER&AGGLETON, 2002:20).

Susser (2009), assim como Werneck (2001) afirmam que enfrentar a Aids está inexoravelmente relacionado ao enfrentamento das desigualdades de gênero, ao racismo e à pobreza. A condição das mulheres, particularmente das mulheres negras, toma relevância nos espaços de pactuação e mediação internacional. Por exemplo, a agenda Aids versus subordinação de gênero é explicitada nas recomendações das Conferências do Ciclo Social de Desenvolvimento da ONU, da década de 1990, início de 2000: Cairo, 1994; Pequim, 1995; UNGASS, 2001; Durban, 2001, como também é reconhecida publicamente nas falas de Peter Piot

(2001), Diretor Executivo da UNAIDS e de Kofi Annan (2002), ex-Secretário Geral da ONU (SUSSER, 2009).

Concordando com Parker & Aggleton (2002:34) ―a irracionalidade epidemiológica que parece guiar a distribuição de fundos e prioridades de programas [...] reproduz [...] uma lógica preexistente de homofobia, racismo e estigma sexual‖. Tal perspectiva ilumina as contradições inerentes às respostas governamentais para o controle da epidemia da Aids no Brasil, assim como orienta as disputas entre os sujeitos políticos, intelectuais orgânicos dos movimentos sociais frente à gestão e formuladores de políticas públicas na saúde no Brasil.

Os dados epidemiológicos apontam para o que pesquisadores conceituaram como interiorização, feminização e pauperização da epidemia. Pode-se inferir pela trajetória da epidemia, que a Aids avançou na última década em comunidades menos assistidas por serviços públicos que capazes de atender casos de uma doença de alta complexidade.Dessa forma, a epidemia exige serviços de referência e tecnologia para prevenção e tratamento, no entanto, avança em um contexto de baixa implementação do SUS. Nos capítulos seguintes serão analisados os limites da descentralização e da integralidade que dificultam a consolidação da universalidade dos serviços de saúde nos últimos 30 anos.