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3.1. Trajetória histórica e política na defesa dos

3.1.1. Feminismos no campo da saúde

A ideologia conservadora positivista do final do século XVIII e as idéias higienistas decorrentes dessa época repercutiram nas políticas públicas nos séculos seguintes, como analisam Fonseca Sobrinho (1993) e Freire Costa (2004). O higienismo incide particularmente na área da saúde, em políticas e programas, reconfigurando relações familiares nucleares. Da mesma forma, comportamentos ―higiênicos‖ incidiram fortemente sobre a vida reprodutiva e sexual das mulheres, com uma perspectiva eugênica que hegemonizou as políticas de saúde no início do século XX - modelo implantado para melhoria da raça branca, para controlar a reprodução e a sexualidade da população

A influência do positivismo26 foi determinante na definição das relações sociais, do papel da mulher, na propagação do racismo, na limitação da política sobre o que são ou não são problemas sociais.

Para o movimento feminista brasileiro na saúde, a ação política para a defesa dos direitos humanos foi central para enfrentar o higienismo presente nas políticas públicas de controle populacional e na definição do que deve ser uma ―boa‖ mulher. Como também na dominação que se expressa nas diversas formas de opressão vividas pelas mulheres, que resultaram historicamente em marcas, mortalidade e adoecimentos que colocaram como desafio a construção de princípios como: autonomia, rejeição às hierarquias e a qualquer forma de subjugação (BARBOSA, 2001).

Especificamente no campo da medicina, a doutrina higienista foi um importante aliado para a regulação e controle da vida das mulheres. Em 1930, com o Estado Novo, novas medidas passam a ser tomadas para o controle da vida reprodutiva das mulheres a partir do incentivo à natalidade que buscava aumentar a

26Para Comte – fundador de positivismo, ― os proletários reconhecerão, sob o impulso feminino, as vantagens da submissão e

de uma digna irresponsabilidade‖. Nessa lógica o positivismo diz que tem que respeitar e reforçar as leis naturais da concentração de poder e da riqueza. Comte inventou o termo ―sociologia‖ e inaugura a ―transmutação da visão de mundo positivista em ideologia, quer dizer, em sistema conceitual e axiológico que tende à defesa da ordem estabelecida‖ (LOWY, 1987: 22).

população e conseqüentemente colaborar para o projeto político de desenvolvimento brasileiro. Nos anos 1940 as leis da família, leis trabalhistas de proteção à maternidade e de proibição do aborto consolidam esse campo político.

Nos anos 60, diante do crescimento industrial brasileiro e das tensões políticas que estavam acontecendo na América Latina, o governo norte-americano lidera a criação da Aliança para o Progresso, visando unir esforços para o desenvolvimento dos países do chamado Terceiro Mundo. E, em outra medida, servia também de proteção anticomunista promovendo através da USAID/ BEMFAM políticas controlistas da natalidade no nordeste brasileiro, que passa a ser alvo de preocupações mediante a influência da Revolução Cubana (1959) nos movimentos de esquerda que cresciam nessa região (FONSECA SOBRINHO, 1993).

De acordo com Regina Barbosa (2001) uma das conseqüências de duas décadas de política controlista, nos anos 1960, 1970, para além da queda da fecundidade, é o número expressivo de mulheres esterilizadas. No final da década de 1990, 43,9% das mulheres que usavam algum método contraceptivo estavam esterilizadas, no nordeste do Brasil.

Essa política reforçou, ou quando menos, deixou intactos valores e comportamentos que intervêm negativamente no processo de negociação de práticas sexuais mais seguras, como é o uso do preservativo e o sexo sem penetração. Em relação à esterilização, por exemplo, diversos estudos têm assinalado que o uso do preservativo entre mulheres esterilizadas é quase nulo (BARBOSA, 2001).

Na prática a perspectiva feminista de luta por direitos humanos enfocou, particularmente no campo da saúde, a autonomia das mulheres sobre seus corpos e a sexualidade. Desta forma, buscava a defesa intransigente dos interesses das mulheres no âmbito das políticas sociais, especialmente nas políticas públicas de saúde e educação.

Percebe-se na análise dos documentos da Rede que feministas socialistas e marxistas, nas ONGs, núcleos acadêmicos, e ativistas autônomas disputam com as feministas liberais o campo de influência para as proposições das políticas públicas.

O valor de autonomia intrínseco na ideia de ―meu corpo me pertence‖ era traduzido em maior participação do Estado na defesa desse princípio. Para a perspectiva liberal a autonomia das mulheres não passava pela intervenção do Estado.

No transcorrer dos dois últimos séculos as práticas e pensamentos a partir do feminismo desempenharam um papel importante nas transformações sociais, cujos marcos de resistência e contracultura dos anos 1960 se refletiram na produção teórica das ciências sociais. Desta forma, a chamada teoria feminista contemporânea tem suas fontes nas movimentações das mulheres por autonomia e emancipação. É um pensamento construído no contexto de guerras; de movimentos de contestação; da reorganização no sistema capitalista; da entrada das mulheres no mercado de trabalho; de uma conjuntura complexa que incidiu de diferentes formas nos países ao ´sul do equador`.

Os caminhos trilhados pelo feminismo brasileiro têm influência do contexto dos anos 1960 que abrem uma nova época de contestação, fortemente marcada por protestos dos movimentos sociais, inicialmente nos Estados Unidos e na França, onde se articulavam contra guerras, particularmente contra a Guerra do Vietnã, e protagonizam uma luta por direitos humanos. Ao mesmo tempo, os fatos acontecidos em 1969 – a movimentação estudantil que trouxe à tona o tema das liberdades sexuais na universidade de Berckley; os Panteras Negras enfrentando a questão racial; os conflitos de Stonewall desencadeando a movimentação gay - são processos políticos que marcaram a luta pelos direitos civis, movimentos de contracultura que mobilizaram um clima político que reorganizou o movimento feminista.

De acordo com Castro (2000) parte do feminismo brasileiro se desenvolveu inicialmente em movimentos sociais de base popular, em sindicatos de corte classista e em organizações não governamentais feministas, a autora ressalta que tais movimentações estavam comprometidas também com a crítica anticapitalista. Nas décadas de 1960 e 1970, enfrentou os conservadorismos, particularmente o da Igreja Católica, lutando contra a violência sexual, doméstica, contra os crimes ―passionais‖, assim como foi contra toda a regulação sobre os corpos das mulheres,

ao mesmo tempo em que formou parceria com alas progressistas da Igreja Católica para enfrentar a ditadura militar.

O feminismo brasileiro se insurgia contra o destino imposto às mulheres para serem mães e esposas, combatia o patriarcado - o que significava combater a família como instituição universal. Para Castro (2000) a experiência do feminismo brasileiro combinou militância, ativismo nas organizações e atividade acadêmica. Combinou também a crítica

às relações entre os sexos, à família, preocupações com subjetividade, corpo e sexualidade com análise sobre organização social; denúncias sobre privatização e deterioriorização dos serviços públicos que afetam diretamente as mulheres (saúde e educação) como uma postura de recusa ao estado neoliberal (CASTRO, 2000:103).

A autora Quartim de Moraes (2003/2004) ressalta a importância da luta pela emancipação econômica da mulher, pelo direito ao trabalho e, concomitantemente,

lutar contra as desigualdades sofridas em termos de salários e postos. [...] O jornal paulista Nós Mulheres (76/79) revela a influência do marxismo – o discurso da opressão específica da mulher, com sua dupla jornada de trabalho – e a primazia de artigos sobre trabalho e política. (QUARTIM DE MORAES, 2003/2004:92)

Na América Latina, e particularmente no Brasil, o movimento feminista, da denominada ―segunda onda‖27

, emerge na luta contra a ditadura militar. Nos anos de 1960 e 1970, grupos como Brasil Mulher, Nós Mulheres e o Movimento Feminino pela Anistia exerceram uma relevante ação colocando como prioridade a construção da democracia que foi, por muito tempo, a primeira agenda de luta.

27 ―Primeira onda‖ - movimentos sufragistas do início do seculo XX - avanço dos direitos civis e políticos, com influência do feminismo socialista, no período pós-Primeira Guerra Mundial. Para Casimiro (1999), nas décadas de 1940 e 1950, a movimentação feminista sofreu uma retração - conservadorismo pós-Segunda Guerra, cuja mulher era para o lar e a maternidade. Scavone (2008) diz que obras importantes ―marcaram época‖ e abriram o caminho para os estudos feministas.Na Sociologia, Madeleine Guilbert/ 1946; na Antropologia, Margareth Mead/1948; na Filosofia – Literatura/1949, o livro ―O segundo Sexo‖, de Simone de Beauvoir, com a idéia de que ―não se nasce mulher, mas se torna mulher‖ tornou-se um novo paradigma contra a natureza do feminino para a reprodução e politiza a liberdade sexual e o direito ao aborto, distinguindo o componente social do sexo feminino de seu aspecto biológico. ―Segunda onda‖ - avanço de direitos sociais, com políticas sociais que efetivassem os direitos das mulheres e que promovessem sua liberdade. ―Terceira onda‖ - implicações teórico-práticas do uso indiscriminado da categoria mulher. Os estudos críticos sobre a diferença são desenvolvidos a partir dos anos 1980, particularmente pelas feministas não brancas americanas, e abordam as diferenças que ―resultam de uma distribuição desigual dos bens e serviços socialmente produzidos sobre a base da posição do sistema mundial. [...] Nesse sistema, a classe, a raça, a etnicidade, a orientação sexual interagem com gênero‖ (Lengermann & Niebrugge-Bratley (1993)

Sérgio Carrara (2009) analisa que a movimentação política das mulheres resultou, já nos anos 1970, em importantes vitórias, a exemplo da mudança do Código Civil sobre o ―Estatuto da Mulher Casada‖, que requeria que as mulheres obtivessem permissão de seus maridos para procedimentos reprodutivos, assim como conseguiram a lei do divórcio, em 1977.

Note-se, por exemplo, que historicamente a intervenção estatal e, sobretudo, a da Igreja no tocante às políticas que tratam sobre as mulheres, evidencia uma tendência ideológica de controle moral sobre as mulheres. Em geral, conceituadas como ―mães‖, ou seja, evidenciando uma representação social que coloca as mulheres apenas no campo da reprodução biológica e/ou no seu papel de esposa/ mãe. Tais políticas foram construídas no âmbito da saúde desde os anos 1930, chegando aos anos 1960 e 1970 com estratégias que se alternavam entre incentivo à natalidade e controle da natalidade.

A atuação do movimento feminista foi decisiva neste campo ao empreender a crítica a esta concepção residual e moralista sobre as mulheres, tendencialmente reconhecida por suas funções na esfera privada e familiar, para qualificá-las como sujeitos de direito, portanto na esfera pública. Denunciando o caráter sexista do Estado e conservador da Igreja, o movimento feminista, ao criticar a classificação de programas para mulheres como ―materno-infantis‖, esteve protagonizando a conceituação de saúde integral da mulher. Isto negava um suposto papel social das mulheres restrito à sua função reprodutiva biológica no seio da família nuclear burguesa e monogâmica.

Como resultado, o movimento construiu novas referências, seja no campo da produção intelectual, seja principalmente na formulação de uma agenda de lutas, que incorporava a defesa da autonomia das mulheres, o direito de decisão sobre o seu corpo, construindo outra cultura baseada na defesa de que o corpo das mulheres lhes pertence. Tal perspectiva colocou em pauta a luta pelos direitos sexuais e direitos reprodutivos, o combate às discriminações no trabalho e iniciativas contra a violência sobre as mulheres.

O lema ―nosso corpo nos pertence‖, uma das principais bandeiras do movimento internacional de mulheres, é expressão simultânea da base biológica da condição feminina e da almejada superação social deste

mesmo fato. Afirma a importância das questões de saúde e seu amplo significado social, [...] levaram à ampliação do conceito de saúde e a novas propostas metodológicas para os serviços de saúde [...] (GIFFIN, 1991:190).

Nos anos 1980, no contexto de democratização do Brasil, são retomadas bandeiras de luta contra o sexismo, o racismo, a homofobia, contra a violência de gênero institucionalizada nas práticas cotidianas na vida pública e privada. As teóricas feministas desenvolveram análises sobre as estruturas de opressão e formularam explicações que incidiram sobre programas e políticas públicas que objetivavam transformar a situação de desigualdades em que viviam as mulheres.

Lengermann & Niebrugge-Bratley (1993) ressaltam as tensões nos feminismos, cujas abordagens críticas apontavam as contradições das generalizações dos estudos de feministas europeias e estadunidenses sobre as mulheres, que não percebiam as especificidades das mulheres negras, lésbicas, ou as opressões patriarcais e questões econômico-sociais das mulheres dos países do sul, chamados Terceiro Mundo, e consideravam que tais diferenças demandavam direitos e ações particulares para cada subgrupo de mulheres.

Enegrecendo o feminismo é a expressão que vimos utilizando para designar

a trajetória das mulheres negras no interior do movimento feminista brasileiro. Buscamos assinalar, com ela, a identidade branca e ocidental da formulação clássica feminista, de um lado; e, de outro, revelar a insuficiência teórica e prática política para integrar as diferentes expressões do feminino, construídos em sociedades multirraciais e pluriculturais. Com essas iniciativas, pôde-se engendrar uma agenda específica que combateu, simultaneamente, as desigualdades de gênero e intragênero; afirmamos e visibilizamos uma perspectiva feminista negra que emerge da condição específica do ser mulher, negra e, em geral, pobre, delineamos, por fim, o papel que essa perspectiva tem na luta anti-racista no Brasil (CARNEIRO, 2008:16).

O movimento feminista é heterogêneo, é parte da sociedade civil, é atravessado pelas lutas de classe – disputa de poder – disputa de hegemonia. Fomenta uma movimentação contra–hegemônica, ao mesmo tempo em que é impactado pelas estratégias pedagógicas hegemônicas.

Segundo Castro (2000) nos anos de 1980, correntes do feminismo pós- estruturalista e pós-moderno, assim como o feminismo liberal e social-democrata

ganham espaço no Brasil associados às estratégias internacionais de governança mundial através das Instituições Financeiras Multilaterais (IFM) e Sistema das Organizações das Nações Unidas (ONU), por meio de agências de fomento de pesquisas e fomento, ou projetos para grupos específicos,

Estas agências privilegiam projetos a varejo, para target groups, em linha advocacional, limitada para grupos entre as mulheres, estimulando o enfoque de políticas de identidade, ou para constituintes específicos, sem análise crítica de sistemas, totalidades sociais. Representantes dessa tendência vêm ganhando também campo nas elaborações e reelaborações dos documentos de conferências e convenções internacionais, no âmbito das Nações Unidas – campo que, em grande medida, é mais uma arena de representação discursiva, mas de importância simbólica e normativa, nos limites do sistema capitalista, a não desprezar na disputa por sentidos, [...] a repercussão, por exemplo, da Plataforma de Ação da Conferência Mundial das Mulheres (Beijing 1995) (CASTRO, 2000:105).

Nos anos de 1990, muitas das representações dos movimentos feministas brasileiro priorizaram trabalhar intervindo no Ciclo de Conferências Sociais da ONU28, particularmente nas conferências relacionadas aos direitos das mulheres. Ressalta-se que em 2000, aconteceu a Cúpula do Milênio, que resultou em uma síntese das conferências do Ciclo de Desenvolvimento da ONU denominada Metas do Milênio resume numa agenda mínima às conquistas das Conferências dos anos 1990.

Nos anos 2000 as feministas reafirmaram na Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras, 2002, a relevância estratégica do Estado e dos governos para a justiça social, e afirmaram ser necessária a transformação do próprio Estado, ainda patriarcal, racista, classista e sexista. Ressaltaram a importância de atuarem nas políticas públicas e no fortalecimento e organização do movimento de mulheres e movimento feminista.

Entretanto, Castro (2000) ressalta que nesse cenário as ONGs surgem como ―um ambíguo tipo de agência‖ que viria competindo com o movimento social feminista, por fundos de agências internacionais pela definição de quais seriam ―as vozes legítimas do feminismo‖ para as diversas representações do movimento. Na perspectiva da Associação Brasileira de ONGs, a ABONG (2010: 56) a natureza da

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relação entre movimentos sociais e as denominadas ONGs, imprimiu marcas na cultura institucional caracterizando muitas delas ―a serviço‖ dos movimentos sociais. A associação analisa que essas relações sempre foram marcadas por contradições e tensões bastante relacionadas ―às dimensões de alteridade, à autonomia e a definições de papéis. Com o tempo, essas contradições continuam a existir e passam a ganhar novas dimensões a partir da transformação de papéis dos sujeitos políticos, e principalmente, da emergência de novos sujeitos políticos nos anos de 1990‖.

Vale considerar que a luta política das mulheres nas organizações não governamentais, na academia, nos partidos, nos sindicatos ou no movimento social, enfoca a defesa dos direitos humanos e o fortalecimento da democracia, numa conjuntura política complexa de implementação do postulado neoliberal, com sua pedagogia, orientada pelo individualismo, fragmentação e desmonte de políticas públicas conquistadas pelas forças da sociedade civil, como também se reflete na fragmentação da movimentação de lutas da própria sociedade civil organizada.

A diversidade de tendências que se abrigam sob o que se indica por direitos das mulheres e perspectiva de gênero se amplia com a parceria entre governo e ONG. No Brasil, nunca a mulher foi mais visível na retórica de governo, o que convive com indicadores de pauperização das mulheres e das famílias da classe operária e a carência de serviços sociais especializados (CASTRO, 2000:106).

Aqui encontramos um campo de contradições que explicita a atuação do movimento feminista na promoção de políticas públicas na saúde como estratégia contra o sistema capitalista e patriarcal. Ao mesmo tempo em que se adequa à

hegemonia das políticas de Estado mínimo e ações focalizadas. Como exemplo observa-se a atuação do feminismo na política de saúde das mulheres utilizando a estratégia de romper com a concepção patriarcal que associa e identifica as mulheres com a maternidade e a reprodução. Assume o conceito de saúde integral como forma de abranger as relações sociais dos processos saúde-doença. Contudo, submete-se a agenda governamental de Estado mínimo que reifica o projeto capitalista e não rompe com o primado patriarcal do materno-infantil.

Outro exemplo é percebido nas organizações feministas da sociedade civil, articulações e redes nos movimentos sociais que tinham em sua agenda a defesa dos direitos sexuais e direitos reprodutivos. Essas, diante da epidemia da Aids, retomam o discurso da autonomia, que é um princípio fundante da elaboração dos direitos sexuais, assim como retomam o ideal da saúde integral, para rebater o discurso de agentes como o Banco Mundial.

Entretanto, observa-se nos documentos de financiamento do PN DST/Aids que ONGs do campo feminista realizavam projetos contra a Aids, nos anos 2000. Apesar das críticas, tais organizações efetivavam os projetos das Instituições Financeiras Multilaterais com enfoque em políticas comportamentais, focalizadas, enfatizando o uso do preservativo. Ao mesmo tempo, nos documentos analisados da Rede Feminista de Saúde, percebe-se a crítica a essas instituições por modernizarem o controle patriarcal sobre o corpo e a sexualidade feminina. Como também critica-se a falta de acesso do preservativo feminino; o lento processo de pesquisas para disponibilizar microbicidas; o incentivo a métodos irreversíveis como a esterilização em massa.

A partir desse contexto, a política social pode ser entendida por uma ação do Estado permeada de múltiplos interesses econômicos e políticos que faz com que a questão social não seja periférica frente às determinações do capitalismo. Como um campo em disputa, Bering & Boschetti (2006) apontam que as políticas sociais ora são percebidas como solução para as desigualdades, sem considerar a natureza do capitalismo, especialmente na periferia do mundo do capital, ora são a expressão das lutas de classe, como espaço de regulação de conflitos e de respostas às reivindicações de movimentos sociais.

Por sua vez, a ação feminista na esfera das lutas sociais, no campo da saúde, que articulava desde os anos 1970 uma agenda em torno da democratização e da noção de direitos, ao incorporar ―gênero‖ à temática das mulheres passa a ser ressignificada no âmbito das políticas públicas. Segundo Farah (2004:52) as políticas públicas com enfoque de gênero foram formuladas por um movimento não mais unitário.

Assim, quando, no início da década de 90, a agenda de reforma da ação do Estado se redefine e se torna mais complexa, também são mais complexos os vínculos com a agenda de gênero. [...] Superada a resistência inicial à colaboração com o Estado, as propostas no campo das políticas públicas, emanadas de movimentos e entidades feministas, passaram a integrar, como um de seus componentes fundamentais, a idéia da articulação de ações governamentais e não governamentais para a própria formulação as políticas. Além da ênfase na inclusão das mulheres como beneficiárias das políticas, reivindica-se a sua inclusão entre os ‗atores‘ que participam da