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5. UMA ANÁLISE DA POLÍTICA PÚBLICA DE MICROCRÉDITO: A

5.3 Análise e Interpretação dos Dados

5.3.1 Dados Motivacionais e Legais na Concepção do

Documentos analisados e depoimentos dos diretores da Crédito Social confirmaram que a sua concepção se deu por uma iniciativa conjunta de profissionais atuando em atividades bancárias em 2003. Na verdade, a entidade teve sua origem no final dos anos de 1990, como fruto de uma inquietação de economistas e financistas amigos que sempre se reuniam para discutir projetos que promovessem uma perspectiva de desenvolvimento para o Nordeste brasileiro no

curto e médio prazo. O complexo Industrial de Suape19, dentre outros importantes polos de desenvolvimento, emergia naquela época como a “redenção” para a economia de Pernambuco e despertava para aqueles profissionais um sentimento de necessidade em implementar um núcleo de consultoria voltado para importantes projetos desenvolvimentistas. Nasceu então a Análise/NE – Projetos Especiais, cujo seu objetivo era o de promover discussões e análises em torno de projetos que combinassem desenvolvimento econômico com bem estar social. Após muitas ideias

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Pólo Industrial e portuário localizado na Região Metropolitana do Recife - Pernambuco, no litoral sul, onde se encontra o porto de Suape, um dos maiores do Brasil ( http://basilio.fundaj.gov.br).

e projetos colocados em pauta, e alguns realizados, percebeu-se que sempre uma pergunta pairava no ar e inquietava os membros daquela entidade até então de caráter lucrativo: porque os pequenos empresários quase sempre não faziam parte dos projetos em pauta? Ficava bem claro, portanto, que já na sua fase embrionária, a Crédito Social, sensibilizado pelos seus membros fundadores, primeiramente colocava a preocupação com o social à frente de interesses financeiros, convergindo para as mesmas motivações que estimulam geralmente os governos nacionais na construção de suas políticas públicas de combate à pobreza e exclusão social. Eis o que afirma Heidemann e Salm sobre esta constatação:

Quanto ao ator governo, em particular, o objetivo último da reconceituação e do novo design da administração pública é ensejar que os serviços requeridos pelos cidadãos lhes sejam prestados por sensibilidade e por correspondência aos seus mais legítimos anseios (2009, p.32).

Como se pode observar no capítulo 1 deste estudo, em 2003, o microcrédito já estava no centro das discussões e práticas de políticas públicas regionais e locais como ferramenta essencial de promoção do desenvolvimento desde a base da pirâmide. Os Bancos do Povo, por exemplo, se espalhavam por todo o Brasil e ajudavam a promover mudanças até mesmo no Código Civil e na lei das Oscips, excluindo-as da Lei da Usura (Medida provisória 2.172-32). Em 2003, a Resolução 3.106 de 23 de junho de 2005 permite a formação de cooperativas de crédito de livre associação e ainda, e mais importante, no mesmo ano era criado o Grupo de Trabalho Interministerial – GTI, que tinha como objetivo discutir os destinos do microcrédito no Brasil, reunindo lideranças, representantes de entidades do segmento e formadores de opinião de todo o país. Portanto, naquele ano de 2003 o assunto microcrédito extrapolava a esfera local e regional e consolidava importância na esfera federal de governo (ver quadro 3 do capítulo 2).

Foi então num ambiente (em 2003) de profunda discussão e propagação do microcrédito que o projeto Crédito Social ganhava corpo, segundo atesta seu então Diretor Presidente e fundador. Os membros da então Análise/NE, percebendo que ali estava a oportunidade de responder àquela eterna pergunta e inquietação sobre o pequeno empresário sempre excluído, passaram a estudar com bastante envolvimento a possibilidade de um projeto que convergisse para os objetivos do próprio microcrédito. Assim, o projeto Crédito Social também foi concebido num

momento em que o governo federal dava toda importância ao produto e sob critérios que já obedeciam às exigências legais e regulatórias que o mesmo governo federal já sinalizava indispensáveis e que até hoje são as observadas, como a necessidade de transparência e seriedade. Culminou, enfim, com a obtenção do título de OSCIP que a Crédito Social conquistara em 04 de dezembro de 2003, e cujo modelo de gestão adotado seguiu o padrão geralmente utilizado para OSCIPs (AFINCO; ABONG, 2003), conforme a seguir.

Figura 1

Regime de Gestão da Crédito Social

Fonte: Elaboração própria com base no estatuto da Crédito Social.

A análise do estatuto de constituição da Crédito Social, registrado em 25 de junho de 2003 no 1º.Cartório de Registro de Jaboatão dos Guararapes-PE, confirma a sua adequação ao novo Código Civil brasileiro, cuja razão social, na qualidade de entidade privada sem interesses lucrativos, era a Grupo de Estudos e Ações de Estimulo ao Crédito como Instrumento de Desenvolvimento Socioeconômico do Nordeste Brasileiro. Já no seu nome legal se comprovava a preocupação de seus dirigentes fundadores com o desenvolvimento, não só econômico como social, em especial do Nordeste. Percebia-se uma motivação bem intencionada de se promover o desenvolvimento, independentemente dos resultados financeiros que a atividade pudesse oferecer. Assembleia Geral Conselho Fiscal Diretoria Executiva Consultorias Externas Secretários, Funcionários e voluntários

Enquanto o governo federal procurava aglutinar experiências, informações e opiniões para a construção de uma política pública robusta de microcrédito no Brasil entre 2003 e 2004, inclusive com os intensos trabalhos do GTI (ver capítulo 2 deste trabalho), a Crédito Social, no mesmo período, apesar de constituída e legalmente apta para operar, praticamente se encontrava atuando timidamente, mesclando créditos para pequenos a médios e grandes empresários, sem recursos específicos destinados para o microcrédito. Em Paralelo, o mercado de microcrédito crescia vertiginosamente, conforme dados do PIE de 2005, apresentados neste capítulo, item 5.2. Análises documentais (e-mails, Ofícios, relatórios) e depoimentos dos diretores fundadores atestaram que os anos de 2003 e 2004 foram anos de intensos trabalhos de aproximação com possíveis potenciais parceiros especializados em microcrédito, para operar com a Crédito Social. Alguns foram os projetos, contatos e reuniões que merecem aqui uma melhor observação para que seja bem entendido a conduta gerencial e operacional que os membros da Crédito Social desejavam e quais os resultados que procuravam.

No conjunto de ações implementadas pelos gestores da Crédito Social entre 2003 e 2004, incluindo viagens de contato por todo o país, observou-se uma preocupação não só por fundos de recursos para atender as necessidades financeiras, intrínsecas em todo projeto de crédito, mas também por apoio técnico e capacitação. Esses dados atestam que existia também uma efetiva intenção de que era importante a capacitação da equipe de trabalho, incluindo os gestores, uma vez que o microcrédito era um tema novo em processo de forte aprendizado no Brasil (ver capítulo 1 deste trabalho).

Esta sensibilidade, demonstrada pelos gestores da Crédito Social, foi um bom indicador da busca por qualidade na estruturação de suas ações iniciais de construção de uma sólida parceria. Até mesmo para se posicionar em sintonia com o próprio PNMPO, que na lei que o instituiu (11.110 de 25/04/05), parágrafo primeiro, determina:

Para atuar diretamente no PNMPO, as instituições financeiras de que trata o § 5o do art. 1o desta Lei deverão constituir estrutura própria para o desenvolvimento desta atividade, devendo habilitar-se no Ministério do Trabalho e Emprego demonstrando que suas operações de microcrédito produtivo orientado serão realizadas em conformidade com o § 3o do art. 1o da Lei.

Quadro 9

Histórico da Busca por Parceiros Operacionais entre 2003-2004

Investidas Meios Motivações Respostas

UNICAP Junior – Consultoria Júnior da Universidade Católica de Pernambuco Reuniões e contrato de parceria Projeto de incubação

Pouca contribuição devido a pouca expertise com o produto.

Prefeitura da Cidade do Cabo de Santo Agostinho Reuniões e apresentação de proposta Público-alvo definido e fundo próprio municipal

Aspectos políticos e institucionais impediram a concretização.

International Finance

Corporation - IFC

Oficio e troca de e-mails Fundo de recursos e apoio técnico

Nenhum retorno foi dado

Banco Popular do Brasil S/A Contatos telefônicos, envio de formulários de habilitação e troca de e- mails Fundo de recursos

Ocorreram visitas de representantes ao escritório. Relatórios foram trocados, mas nenhum progresso. O porte e pouca estrutura de capital talvez tenha dificultado a concretização da parceria. Sebrae Pernambuco E-mails, reuniões e inscrição em programas de apoio. Capacitação e fundos de recursos

Formalização de parceria para consultoria para microempresários.

Banco

Panamericano S/A

Contato pessoal com a diretoria.

Fundo de recursos

Nenhuma experiência impossibilitou a parceria. Baixa estrutura de capital. Caixa Econômica

Federal

Contatos pessoais com agencias locais, e- mails, relatórios, documentos de proposta de habilitação etc. Fundo de recursos.

Nenhuma experiência impossibilitou a parceria, num primeiro momento. Baixa estrutura de capital.

Fonte: Declarações da diretoria fundadora, e-mails, relatórios e ofícios na sede Crédito Social.

E sobre as respostas obtidas, experimentou-se o que, talvez, muitas entidades (incluindo aqui o universo de empresas de outros segmentos), quando iniciam suas atividades, costumam experimentar. A falta de experiência com o produto e a baixa estrutura de capitais (ativos e patrimônio) que dificultam o acesso a recursos e a novos mercados. Não foram observadas considerações dos parceiros contatados sobre a extensa experiência com a prática do crédito que os gestores da Crédito Social já possuíam (alguns com mais de 20 anos), especialmente deste que apresenta este estudo, então Diretor Presidente. Aqui cabe uma inserção sobre o problema que a economista, especialista em microfinanças, Silvana Parente, reconhecia em 2002:

Enquanto isso, do outro lado, IMFs e organizações de apoio organizam-se em fóruns e associações para discutir as políticas e possibilidades de cooperação. As IMFs sentem-se órfãs e têm dificuldades de acessar capitais e traçar estratégias de sustentabilidade via taxa de juros (2002, p.52).

Passados dois anos de tentativas por uma formalização de parcerias que pudessem materializar o sonho dos seus dirigentes fundadores da Crédito Social, em 2005, finalmente três fatos selaram o destino da entidade:

 A proclamação do ano de 2005 como o Ano Internacional do Microcrédito;

 O governo federal institui em definitivo, em meados do primeiro semestre de 2005, o seu programa de microcrédito abrigado no Ministério do Trabalho e Emprego. O chamado PNMPO – Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado;

 O BNDES também constrói uma nova roupagem ao seu programa de microcrédito, instituindo o PMC – Programa de Microcrédito, implementando mudanças em relação aos juros praticados e parcerias. Com o PNMPO, a Crédito Social, conforme análise de vários e-mails trocados entre a direção da entidade e gestores do PNMPO, isto mais fortemente no mês de abril de 2006, possibilitou romper o paradigma que se estabelecia com a maioria de potenciais parceiros que responderam negativamente a possibilidade de formalização de parcerias, conforme quadro 9 deste capítulo. Principalmente em relação ao contato iniciado com a Caixa Econômica Federal, que começou a evoluir para uma efetiva construção de uma parceria, uma vez rompida a barreira da insegurança com a baixa estrutura de capital e inexperiência com microcrédito que a entidade Crédito Social apresentava. O PNMPO certamente ajudou a quebrar esta barreira, conforme alguns ofícios e e-mails analisados, que confirmaram a troca triangular de informações e encaminhamentos entre Caixa, PNMPO e Crédito Social. Na oportunidade, a Crédito Social, simultaneamente, se habilitava com o mesmo PNMPO, passando a ser uma entidade integrante de um seleto grupo de entidades que se constituíam potenciais OSCIPs, aptas a concretizar parcerias. Pelo menos, era o que pensava o Diretor Jurídico da entidade, Dr. José Romariz Junior.

O fato de 2005 ter sido considerado pela ONU o Ano Internacional do Microcrédito e de ter ocorrido mudanças no programa de microcrédito do BNDES, contribuiu decisivamente para estimular os negócios com microcrédito no Brasil, conforme será melhor atestado na próxima análise e interpretação de novos dados sobre a estrutura e perfil administrativo. A celeridade com que a formalização da parceria com a Caixa se desenvolveu comprovou também que o PNMPO estabeleceu um modelo de política pública de proximidade com as entidades

habilitadas, que até então não ocorria, conforme experiências de diversas tentativas por novos parceiros da própria Crédito Social.

5.3.2 Sobre a Formalização da Parceria com a Caixa e a Política de