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3. O CRÉDITO COMO FERRAMENTA PROPULSORA

3.1 Preliminares

3.2.3 Políticas Alternativas

Construir um ambiente favorável para emprestadores e tomadores, ou bancos comerciais e de desenvolvimento, e microempreendedores informais, tem sido o desafio do mercado de crédito informal das últimas três décadas. Ajudando a compreender melhor os problemas dos emprestadores e suas limitações operacionais, Ray aborda alternativas possíveis para a cobertura eficiente do mercado pelos bancos, principalmente pelas instituições financeiras governamentais interessadas em promover o desenvolvimento pela via da promoção do crédito.

Uma delas é reconhecer que os emprestadores já alcançaram robustez suficiente para dominar o mercado informal do crédito. Portanto, podem está aptos a receber fundos de recursos formais para o incentivo da concessão e recuperação de créditos informais. São as cooperativas de crédito, por exemplo, que podem receber recursos para incrementar os negócios com crédito devido ao seu grande conhecimento do tomador local. A concorrência pode gerar melhores opções da oferta de crédito para os microempresários informais. A outra alternativa consiste em considerar o novo desenho institucional das organizações de crédito que se utilizam

de suas técnicas inovadoras de acesso a informações locais sempre vantajosas. São as microfinanceiras, por exemplo, especializadas na disseminação do pequeno crédito por constante aproximação. Quanto mais perto do público-alvo melhor se domina o seu entendimento e o conhecimento de suas realidades.

Quanto a primeira alternativa, a ideia é promover uma política vertical de ligações (parcerias), como a construída nas Filipinas em 1987 pelo The Land of The Philippines, que implementou um programa de empréstimos agressivos para cooperativas de pequenos agricultores locais. Até 1992, 700 mil famílias haviam recebido créditos nos valores mínimos de U$ 270, totalizando 236 milhões de dólares. Ray não concorda com parcerias “horizontalizadas”, ou lado a lado, como ele define. Os efeitos provocados por modelos, como o observado nas Filipinas, estimula a concorrência, provocando uma natural queda dos juros, além de outros experimentos, como o custo mais baixo do monitoramento das atividades, uma melhor cooperação operacional e técnica entre os emprestadores e o acesso a informações privilegiadas que melhoram o ambiente negocial e de retorno, promovendo maior disponibilidade de crédito a melhores taxas que, numa expectativa maior, podem inibir os emprestadores informais (agiotas). Mas, Ray reconhece que o desafio é grande e que a melhora das condições para os tomadores, principalmente das taxas de juros experimentados, ainda requer maior alcance de melhores instrumentos de proteção pelos emprestadores, não obstante a incontestável percepção de melhora da oferta de crédito para o setor informal e sua boa assimilação pelo pequeno tomador.

Já para a segunda alternativa foi explorada a experiência do projeto específico de microemprestador do Banco Grameem, de Bangladesh, do conceituado Muhammad Yunus, que inovou com uma disseminação do crédito para os mais pobres em meados de 1980, formando grupos solidários comumente denominados hoje de microcréditos com garantia de aval solidário. Era o modelo que faltava para superar a excessiva subjetividade de informações, ou as observações ocultas colocadas por Ray.

O argumento pressupõe que os mutuários estão intrinsecamente seguros ou arriscados. Este é um pressuposto valido em muitas situações: os membros do grupo podem não ser capazes de controlar o que um colega faz com seu dinheiro, embora possam ainda ser capaz para prever o que vai fazer (porque conhece cada um pessoalmente, por exemplo) (RAY, 1998, p.580).

Algumas curiosidades caracterizam esse modelo de microcrédito, como a prática de microempréstimos, mesmo sendo em grupo, realizados em sequência e não simultâneos, a fim de minimizar o contágio da inadimplência entre os membros do grupo. Mas reconhece-se que a modalidade não é socialmente correta, pois a busca por indivíduos ótimos proporciona uma exclusão natural de indivíduos mais ou menos, por exemplo, impactando negativamente no papel do microcrédito de ampla promoção de oportunidades de crescimento via acesso ao crédito. Por fim, ainda se faz importante colocar que o desempenho muito bom de alguns do grupo pode ofuscar o sucesso, ainda que tímido, de outros, condenando estes a não terem mais acesso àquele grupo em que participou inicialmente.

O sucesso do Banco Grammen, segundo Ray, também se deve a outros diferenciais aplicados, como a manutenção de uma política de aproximação tão forte que chega a manter os tomadores sob um código de conduta e compromissos rigorosos, caracterizando um envolvimento quase social, tipo um departamento de governo local de ações “corpo a corpo”.

Diante de um modelo tão caracterizado por ações tão capilares, que num primeiro momento sugere elevados custos operacionais, Ray então responde a curiosidade, municiando de informações sobre o Banco Grammen que justificam sua sustentabilidade, como:

 Funcionava com uma quantidade significativa de subsídios de governos locais, regionais e federais, além de instituições internacionais (para cada dólar emprestado recebia 22 centavos entre 1991-1992);

 Cobrava juros anuais de 12% a 16,6% dos clientes, mas para garantir suas operações sem subsídios teria que cobrar juros anuais de 18% a 22%, conforme dados de 1987 a 1994. Diante das oscilações do mercado de capitais, efetivamente seria necessário cobrar juros anuais de 32% a 45% para manter-se rentável;

 O atendimento aos necessitados e pequenos empreendedores foi atestado, descaracterizando saudavelmente à prática comum de ações de governos em desenvolvimento pela via da transferência indiscriminada de dinheiro;

 Foram apreciados ganhos de renda adicionais não desprezíveis, bem como o impacto positivo sobre a educação social e sobre o crescimento, ainda que numa perspectiva de longo prazo. Aqui, a conclusão de Ray é bem compartilhada por Monzoni (2008) em seu recente estudo em que atesta que

para cada 1% de crédito gerado experimenta-se ganhos de 0,344% nas vendas dos microempreendedores, bem como em suas margens brutas (0,361%), lucros líquidos (0,391%) e renda adicional de 0,426%.

Sendo o crescimento uma precondição para a possibilidade do desenvolvimento (SOUZA, 2009), o novo desenho institucional de organização de crédito do Banco Grammen, apesar de apresentar uma forte dependência por subsídios para a sua sustentabilidade, provou que é possível sim superar a assimetria de informações do mercado do crédito informal, mas requerendo forte especialização operacional que delimita novos entrantes emprestadores ao mercado, inibindo uma expansão mais robusta do microcrédito no mundo. Ray estimulou o entendimento de que talvez um melhor engrandecimento da educação e cultura do crédito do público-alvo (microempreendedores) pode antecipar uma percepção mais positiva dos emprestadores formais, como os bancos comerciais e de desenvolvimento governamentais, para uma aposta na sustentabilidade mais contundente e de longo prazo para uma permanente oferta do crédito para o setor informal, via políticas alternativas como as aqui apresentadas.

4. ENTIDADES DE MICROCRÉDITO NO BRASIL: PERFIL LEGAL E