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3. O CRÉDITO COMO FERRAMENTA PROPULSORA

3.1 Preliminares

3.2.2 Teoria do Mercado do Crédito Informal

Não restando mais dúvidas da existência potencial do segmento informal e suas necessidades por crédito, Ray constrói sua teoria do mercado do crédito informal, desenvolvendo hipóteses para a justificação de sua possibilidade a partir das motivações naturais de maximização de retornos e impactos sobre o desenvolvimento.

3.2.2.1 A Questão dos Juros Elevados

Ray não atesta plenamente que o monopólio de emprestadores seja a razão para a prática de juros elevados no mercado do crédito informal. Não por completo, pois apesar de ser um mercado bem segmentado, muitos atores podem quebrar facilmente a tese de uma inércia da prática dos altos juros. De acordo com sua opinião, o máximo que pode ocorrer é um monopólio pontual, dependendo das circunstâncias e do ambiente negocial, o que ele chama de monopólio local, explorado até mesmo por emprestadores informais bem identificados numa área de atuação.

Entende Ray que a explicação mais plausível para a prática dos juros elevados está na questão do risco elevado, sempre esperado de um segmento que, até por sua condição de informal, já coloca o emprestador numa posição de defesa. A probabilidade de inadimplência deixa o mercado ainda mais precavido, quando se

entende que, entre os inadimplentes, existem aqueles chamados de inadimplentes voluntários, ou aqueles que não desejam pagar, pois a informalidade certamente aumenta essa expectativa.

Ray então analisa a sensibilidade da prática dos juros em relação a inadimplência para conferir autenticidade a seu entendimento. Constrói um modelo bastante simples onde considera a probabilidade (p) de que haja inadimplência em um mercado de plena competição, em que a taxa de juros diminuía até um ponto em que cada emprestador, na média, receba lucro esperado zero. Se um tomador normal, experimentando o mesmo mercado competitivo, solicita um empréstimo (L), a um custo de oportunidade (r) e a uma taxa de juros (i), praticada num mercado informal competitivo em equilíbrio, e estando o emprestador esperando receber uma fração (p) dos empréstimos, o lucro esperado (LE) será dado por: LE = p(1 + i)L – (1 + r)L. Para uma expectativa de lucro zero, LE+ p( + i)L – (1 – r)L = 0. Chega-se então a expressão:

i = 1 + r - 1

p

Se a probabilidade (p) de inadimplência for igual a um, então a taxa de juros será igual ao custo de oportunidade. Entretanto, se p for menor que um, a taxa de juros será maior que o custo de oportunidade. Atesta-se, enfim, que mesmo em plena competição, a taxa de juros praticada pelos emprestadores se mostra sensível ao risco de inadimplência.

Mas Ray fica convencido, diante de diversos estudos recentes, que nos países desenvolvidos, o rigor das autoridades e as leis adequadas podem influenciar na prática de juros mais baixos.

3.2.2.2 O Problema da Inadimplência

Comprovando que a inadimplência influencia sim a prática dos juros elevados no mercado de crédito informal, Ray vai mais adiante e desenvolve algumas análises de como os emprestadores podem se proteger da inadimplência, pois a viabilidade do segmento precisa ser encontrada, diante de sua expressividade na economia. Taxas muito elevadas inviabilizam a vontade dos tomadores pelos

empréstimos, bem como muito baixas inviabilizam o interesse dos emprestadores pelo negócio.

Percebendo uma dinâmica da inadimplência na razão do montante tomado, os emprestadores podem desenvolver aqui uma forma de gerenciamento de riscos. É o entendimento de que grandes empréstimos podem gerar maiores inadimplências, cuja avaliação de porte depende, principalmente, da renda per

capita de uma região considerada. Outra dinâmica considerada diz respeito aos

destinos dos empréstimos, pois na ausência de mecanismos legais de proteção para o segmento informal, os emprestadores procuram se defender simplesmente recusando determinadas demandas, como as que podem gerar inadimplências voluntárias. Preferem assim, atender demandas relacionadas ao trabalho do tomador, as suas atividades e necessidades diárias (estoques, por exemplo). Eis aqui a configuração do atual perfil da política do microcrédito mais praticada pelo mundo. Manter-se garantido de que o pequeno empreendedor continuará utilizando- se dos recursos solicitados, um após o outro, também é uma forma que os emprestadores se utilizam para manterem a adimplência.

A solicitação de garantias também é outra forma de proteção muito utilizada pelos emprestadores e muito comum no mercado de crédito formal. No informal, ocorre que a busca de proteção contra a inadimplência pela via da garantia, chamada real (bens, por exemplo), tem seus desafios. A taxa de juros praticada é a determinante de sua eficiência ou não. No caso de uma inadimplência voluntária, o que é muito esperada no segmento informal, o tomador só se sente interessado em honrar seu empréstimo (L) se o valor que ele considera de sua garantia (Vs), mais o que o emprestador atribui a possíveis perdas (F) for maior que o valor do empréstimo mais os juros (i) praticados, ou Vs + F > L(1 + i ). Caso contrário, o tomador não se sentirá interessado em pagar a divida. O inverso, se o emprestador considerar a garantia do tomador (Vb) muito boa, ou seja, Vb > Vs + F, este não terá interesse em ver o tomador honrar sua dívida. Portanto, muitas vezes, o emprestador fica no dilema de ter que renunciar a uma parte de seus ganhos, isto é

L(1 + i), baixando os juros, a fim de receber do tomador, ou provocar a

inadimplência, aumentando os juros, caso perceba possuir uma garantia muito boa que a prefira ter que renunciar a ganhos. A proteção da inadimplência pela via da exigência de garantias, para Ray, não assegura baixas inadimplências como se

esperava, mas promove uma possibilidade de gerenciamento, especialmente para os casos da inadimplência voluntária, pois a involuntária já estaria garantida.

Por fim, Ray avalia a presença da inadimplência nos casos em que o emprestador não assegura continuidade de empréstimos (racionamento) para um mesmo tomador em função dos juros praticados. Estaticamente, a análise mais simples permite concluir que se um tomador comum deseja capital (L) para aplicar na produção, a função da produção mínima ideal para o tomador é tida como f(L) –

L( 1 + i ) maior ou igual ao lucro (A), sendo L(1+i) o custo do capital e o parâmetro

restritivo para o emprestador, que não pode exagerar na taxa de juros (i). E qual a melhor taxa de juros então para não restringir o acesso do crédito ao tomador? Certamente é aquela em que f´(L) for igual a 1 + i, pois o emprestador busca o maior lucro possível.

Todavia, na dinâmica da economia precisa se pensar além de um dado momento. O emprestador deve sempre pensar que o tomador pode recorrer a outro credor e que pode potencializar ganhos com o mesmo, em condição de adimplência. Assim, mesmo na inadimplência, o tomador terá produção f(L) e lucros (A). Pensando assim, o lucro total de N datas pra frente será da f(L) + (N-1)A. Obviamente, para que não ocorra inadimplência, N{f(L) – L(1-i)} tem que ser maior ou igual a f(L) + (N-1)A. Logo a função de produção dinâmica é expressa por f(L) – N/N-1, vezes L(1+i), maior ou igual ao lucro (A). Esta análise dinâmica aumenta a expectativa de custos, evidentemente de menores lucros do tomador sob a ótica do emprestador, que trabalhará com taxas de juros mais realistas, porém mais factíveis para o tomador, que certamente ficará ávido por mais crédito, ainda que racionado na posição ótima pelo emprestador.

A possibilidade de superação do problema da inadimplência para viabilizar o crédito informal esteve até aqui quase sempre condicionada à questão da melhor medida dada aos juros. Portanto, não seria diferente em relação à questão da pesada subjetividade relacionada à prática do crédito para o setor informal. É a controvertida assimetria de informações, muitas não observáveis (ocultas), que desafia os emprestadores na hora da análise do empréstimo. Ray então faz uma afirmação por demais apropriada de que a taxa de juros também estimula uma atração por um perfil de tomador, o que associada à percepção mais observável para muitos emprestadores, de que tomadores que não encontram muitas opções

de crédito costumam ser mais pontuais, podem levar a uma maior exposição à inadimplência, dependendo dos juros praticados.

Evidentemente, como o emprestador sempre deseja praticar os juros mais altos possíveis, Ray constata que a probabilidade de sucesso (p) dos investimentos, fruto dos recursos tomados, não pode ser maior que a certeza dos retornos(R) esperados. Não se pode trabalhar em cima de probalidades, com tomadores “de risco”, e sim com tomadores conscientes e de percepção do horizonte, ou seja: p < R/2R´- R. É uma situação muito comum no mercado de credito informal e a não experiência de inadimplência, com certeza, passa pelo permanente conhecimento do negócio pelas partes. Do perfeito entendimento do negócio pelo tomador para ele maximizar seus retornos possíveis, a fim de construir um histórico de confiança com o emprestador em suas futuras demandas por créditos. Contar com as atuais ferramentas de proteção do crédito, como as fontes centrais de informações restritivas do tipo Serasa é importante, mas para Ray, sendo o setor informal limitado de informações, a análise de novos créditos exige constante investigação do tomador e do prejulgamento de serem sempre de alto risco.