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Dados que podem prever o futuro

Ao se consolidar como rede universal que concentrava “todos” os tipos de dados, a internet almejava cumprir o compromisso ao qual ela se prontificou: ser indiferente à natureza do conteúdo que transporta. Porém, tal neutralidade é abalada a partir do momento em que as empresas que pregavam a “abertura” da rede de informações começam a se tornar novos monopólios (WU, 2012). Em seu nascimento, o Google se propunha a ser a alternativa por um sistema aberto em contraposição às empresas de telefonia que dominavam o mercado informacional nos Estados Unidos. Com o tempo e crescimento, acabou se transformando em um império quase impermeável de poder, concentrando em si quase todo o mercado de buscas na internet. Do mesmo modo, o YouTube que filiado ao Google, dissolveu sua promessa de inovação e horizontalidade na construção de um monopólio tão duramente criticado por Felipe.

O YouTube surgiu em 2005, com o objetivo de eliminar barreiras técnicas para o compartilhamento de vídeos na internet e tinha como slogan: “Your digital video repository”79. Em 2006, a plataforma foi vendida para o Google – mudando seu slogan para “Broadcast yourself”80 – pelos seus criadores Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim. Algum tempo depois, os mesmos foram contratados como funcionários da plataforma que criaram, dando uma amostra de como as contradições que se apresentam entre os creators atualmente são um desdobramento das incoerências apresentadas pelo mercado informacional. Assim como o

Google ofereceu um valor para comprar os sonhos dos jovens visionários que criaram a tímida

plataforma de vídeos, a arte e o sonho de Felipe Neto também tiveram seu preço e até mesmo o empreendedor que ele diz ser parece que não é tão dono do próprio negócio como se imagina. Segundo Maia (2002), a engrenagem capitalista de grandes conglomerados transnacionais domina a maior parte da produção massiva de mercadorias, necessitando, para

79 Seu repositório de vídeos digital. 80 Transmita você mesmo.

isso, produzir um público consumidor através da propaganda e da disseminação da ideologia: uma para despertar os desejos de posse de seus consumidores e a outra para tornar inviável a oposição às condições desumanas criadas pelo capital globalizado. Junta-se a isso o fato de o investimento em distribuição de produtos crescer mais que a própria produção, o próprio

YouTube é um espaço que lucra apenas estocando e distribuindo conteúdo audiovisual e o Google contém em si o mesmo mecanismo, porém conduzindo pesquisas mais amplas em

outros formatos para além do vídeo.

Dessa maneira, os recursos de marketing ganham uma centralidade maior que a consistência estrutural das instalações de uma corporação. É necessário um investimento constante nas políticas internas das corporações, produzindo uma ratio que deve ser generalizada para todos os níveis da produção, se estendendo também para fora da empresa e interligando diferentes setores da sociedade (MAIA, 2002).

A intensificação das estratégias de marketing resulta em uma propaganda cada vez mais eficaz no quesito de capilarização de seu público e, embora tenha se tornado um processo ainda mais complexo com o advento das novas mídias, a propaganda dirigida é mais antiga do que os novos meios que a propagam. Segundo Maia (2002), a programação da Rede Globo é calculada segundo o horário e a faixa etária – a emissora diz dispor de dados precisos sobre o público –, daí se cria o tipo de atração que será mostrada.

No YouTube, as técnicas utilizadas para vender as marcas anunciantes não foram criadas agora, mas os avanços tecnológicos permitem uma sofisticação constante. Como na televisão, dentre os investimentos massivos nesta área, estão aqueles em publicidade e propaganda. A primeira pode ser definida como uma técnica de comunicação de massa, paga, que visa fornecer informações, desenvolver atitudes e provocar ações benéficas para os anunciantes que vendem produtos ou serviços. Já a segunda é o desenvolvimento de anúncios impressos ou eletrônicos, embalagens manuais, cartazes, folhetos e outros materiais, além do desenvolvimento de marcas, símbolos e logotipos para tornar-se um produto conhecido (SANT’ANNA; ROCHA JÚNIOR; GARCIA, 2010).

Segundo Cardoso (2014), no momento em que as pessoas se estabelecem massivamente em uma plataforma digital como o YouTube, ela ganha um protótipo comunitário. Os anunciantes, então, buscarão se inserir nesta comunidade, falar a mesma língua, tornar sua marca parte daquele cotidiano. Porém, na sequência, isso se tornará uma

tentativa de criar comunidade em torno da marca. Já não será mais a marca a se adaptar ao grupo, mas o grupo construirá sua identidade a partir daquela marca.

Assim como no rádio e televisão, o conteúdo acessado no YouTube é gratuito para qualquer usuário (com a exceção de uma assinatura denominada YouTube Premium, na qual se pode ter acesso aos vídeos sem exibição de anúncios) e a receita é gerada por meio das propagandas, porém há na plataforma virtual um sistema ainda mais totalitário na agressividade publicitária. Enquanto na televisão os telespectadores podem evitar os intervalos comerciais saindo da sala e fazendo coisas aleatórias – como ir ao banheiro, por exemplo, isso já não é possível no site que conta com 5 segundos obrigatórios de anúncios em vídeo – quando se trata de anúncios “puláveis” – antes que se inicie o que se deseja assistir, além daqueles anúncios não puláveis cuja exibição varia de 16 segundos a 4 minutos (CARDOSO, 2014). Estando diante de um dispositivo muito mais próximo de seu corpo que a televisão ou o rádio, sendo exposto a um tempo menor de propaganda em seus fragmentos e maior na quantidade de séries que pode apresentar, o espectador se vê mais obrigado a suportar o cerco publicitário incidido contra si no YouTube que em qualquer outro meio comunicativo de massa.

Em sua ideologia flexibilizadora, a empresa cativa o anunciante como seu colaborador tanto quanto o creator, deixando margem para um funcionamento administrativo cada vez mais confuso em seu modelo de negócios. Os anunciantes são instruídos de forma didática no blog do YouTube e podem adicionar o vídeo que será postado como anúncio – durante a exibição de outros – na própria plataforma, escolher quem será seu público-alvo, qual o orçamento e qual a região em que os anúncios serão exibidos através do Google Adsense81, programa que os segmentará para cada usuário programado para recebe-los.

É importante ressaltar a relação das questões relacionadas à propaganda dirigida com a passagem do modelo fordista de produção e marketing 1.0 – em que se priorizava a melhor técnica para todas as fases de fabricação do produto – para o marketing 2.0, um novo modelo que coloca os interesses práticos e afetivos do cliente no centro da fabricação e da propaganda, priorizando a relação do produto com as pessoas, resultado da concorrência cada vez mais alta nos empreendimentos (SILVA et al., 2017). O discurso ideológico que decorre das novas ações de marketing é o de que uma nuvem de dados coletados pelos internautas pode

81Recursos da publicidade em vídeo. Youtube Publicidade. Disponível em <https://www.youtube.com/intl/pt-

contar da totalidade da experiência que se passa no ambiente virtual, sanando a limitação dos recortes das pesquisas empíricas e tornando a noção de amostragem obsoleta, já que todos os dados que são depositados na web podem ser arquivados e analisados pelo sistema nomeado de

Big Data (ANTUNES; MAIA, 2018).

Os impactos desse nicho virtual acabam interferindo de maneira significativa na esfera econômica e impulsionando as mudanças na mesma esfera. Uma das consequências desse impacto é a perda de espaço das grandes agências de mídia, tendo seu faturamento advindo de multinacionais – “anunciantes” – comprometido por ter sido desviado para plataformas como o YouTube, que mostra ter uma capilaridade muito maior com o público.