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3. DANO À IMAGEM E SUA REPARAÇÃO

3.1. Dano à imagem

O dano à imagem será configurado quando esta for utilizada contra a vontade do indivíduo, nos casos não autorizados em lei, acentuando-se a lesão quando houver exploração dolosa, culposa e/ou pecuniária, e ainda causar desonra para o seu titular. Assim, “o titular da imagem tem o direito de aparecer se, quando e como quiser, dando, para tanto, seu consentimento, e também tem o direito de impedir a reprodução, exposição e divulgação de sua imagem e, ainda, o de receber indenização por tal ato desautorizado36”.

Do dano causado advém, consequentemente, a responsabilidade civil, partindo do pressuposto de que ao violar um dever jurídico através de um ato lícito ou ilícito, surge para o agente o dever de reparar. Todo e qualquer indivíduo possui o dever jurídico originário de não

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7., 21. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p.174

causar danos a outrem, ao violá-lo nasce o dever jurídico sucessivo, o de reparar o dano causado37.

Conforme preceitua Cavalieri, o dano pode ser definido da seguinte maneira:

[...] subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral38.

Dessa forma, o uso indevido da imagem alheia ocasionará dano patrimonial sempre que ocorrer sua exploração comercial sem a autorização ou participação econômica de seu titular, vez que a ninguém é lícito enriquecer à custa de terceiros, ou, ainda, quando acarretar-lhe algum prejuízo econômico. O dano moral, por sua vez, será causado nos casos em que a utilização da imagem ocorrer de forma atentatória à dignidade de seu titular, afetando sua honra e imagem, acarretando, assim, dor, vergonha e sofrimento.

O ato de retratar um indivíduo sem o seu conhecimento ou contra a sua vontade é ilícito e danoso ao direito à própria imagem. É imprescindível que haja o consentimento do retratado, em razão do seu direito de impedir que sua imagem seja usada ao arbítrio de terceiros39.

Assim, a reprodução da imagem sem autorização de seu titular suscita a violação de um direito personalíssimo, e o consequente dano, surgindo o dever de indenizar, à luz do artigo 20, caput, do Código Civil.

Verifica-se que a Constituição Federal foi explícita em assegurar ao lesado o direito à indenização por dano decorrente da violação da sua imagem, tutelando-a tanto contra danos morais, quanto materiais, conforme se extrai da leitura do seu artigo 5º, inciso X40.

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Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. cit. p. 2.

38

Ibid. p. 77

39

Cf. DINIZ, Maria Helena. op. cit. 2007. p. 174.

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ART. 5º: [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Quando um indivíduo tiver sua imagem exposta, sem a sua devida autorização, e dessa exposição provir um dano patrimonial, haverá o dever do agente causador do dano de indenizá-lo materialmente. Isso porque o direito à imagem, ao contrário dos demais direitos personalíssimos, possui caráter também patrimonial, como já reputado, o que possibilita ao seu titular sua exploração econômica. Acerca da matéria, vejamos:

DIREITO A IMAGEM. DIREITO DE ARENA. JOGADOR DE FUTEBOL. ALBUM DEFIGURINHAS. O DIREITO DE ARENA QUE A LEI ATRIBUI AS ENTIDADES ESPORTIVASLIMITA-SE A FIXAÇÃO,

TRANSMISSÃO E RETRANSMISSÃO DO ESPETACULO

DESPORTIVO PÚBLICO, MAS NÃO COMPREENDE O USO DA IMAGEM DOS JOGADORES FORA DA SITUAÇÃO ESPECIFICA DO ESPETACULO, COMO NA REPRODUÇÃO DE FOTOGRAFIAS PARA COMPOR "ALBUM DE FIGURINHAS". LEI 5989/73, ARTIGO100; LEI 8672/93.

(STJ – Resp: 46420 SP 1994/0009355-1, Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar, data de julgamento: 12/09/1994, T4 – Quarta Turma, data de publicação: DJ 05/12/1994 p. 33565)

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MATERIAL. USO INDEVIDO DE IMAGEM PARA FINS COMERCIAIS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. I - É cabível a indenização pelo dano material advindo do uso gratuito da imagem do apelante para fins comerciais. Hipótese no qual não restou comprovado nos autos que o demandante autorizou expressamente a utilização de sua imagem em anúncios de publicidade veiculados em todas as filiais da ré. Ônus da prova que competia ao réu. Exegese do art. 20 do CC . Precedentes jurisprudenciais. II - Indenização a título de dano material arbitrada em R$ 3.620,00 tendo em vista o caráter didático da reprimenda, bem como a devida remuneração pelo uso da imagem do apelante. APELAÇÃO PROVIDA.

(Apelação Cível Nº 70057773319, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 24/04/2014)

O primeiro caso diz respeito a alguns jogadores de futebol da seleção brasileira de 1970 que ajuizaram ação judicial em face da CBF e da Editora Abril, em decorrência do lançamento de um álbum de figurinhas intitulado “Heróis do Tri”, o qual fazia uso da imagem dos autores sem a devida autorização dos mesmos. O STJ assistiu razão aos jogadores e negou provimento ao recurso, partindo do entendimento que se deve atribuir caráter de direito autônomo ao direito à imagem. Ou seja, sua disponibilidade é irrestritamente de seu titular, consubstanciando violação o seu simples uso não consentido ou autorizado, salvo exceções já mencionadas.

No segundo julgado, o TJ-RS, partindo do mesmo pressuposto, deu provimento ao recurso do apelante, modificando a sentença do juízo a quo que reconheceu o uso indevido da imagem, mas não considerou que tal fato implicasse em dano. Neste sentido, entendeu o Tribunal que a autorização do autor foi para o uso de sua imagem em somente uma filial da cidade em que residia, e não para a utilização em propaganda por toda a rede de lojas, uma vez que não havia provas de sua autorização, deferindo indenização pelo uso gratuito da imagem do autor para fins comerciais.

Em contrapartida, quando do uso indevido da imagem decorrer um dano que não produza qualquer efeito patrimonial, isto é, que não atinja nenhum bem material ou conteúdo econômico, referindo-se, especificamente, à lesão de direitos personalíssimos, intrínsecos à personalidade ou dignidade da vítima, estaremos diante de um dano à imagem exclusivamente moral, que pode ser definido como:

[...] o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí porque aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável41.

A exemplo deste tipo de dano, vejamos o caso da atriz Glória Pires, do marido, Orlando Morais, e de sua filha, Cléo Pires, que em 2000 foram vítimas de um lastimável rumor. Inúmeros meios de comunicação veicularam a falsa notícia da separação do casal, em virtude da filha da atriz, à época com apenas dezesseis anos, estar tendo um caso com Orlando Morais. A calúnia se alastrou rapidamente, causando significativo constrangimento para a família. As vítimas ingressaram com ação judicial contra os meios de comunicação que veicularam a notícia.

O TJ-RJ reconheceu a grande repercussão que teve a falsa notícia, em âmbito nacional, refletindo diretamente sobre a família dos autores, em questão que dizia respeito tão somente à vida privada dos mesmos, sendo inviolável, ainda que fosse verídica a notícia. O

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Tribunal condenou a empresa Ré ao pagamento de R$ 600.000,00, a titulo de indenização por danos morais. A seguir a ementa:

Responsabilidade civil. Notícia veiculada através de programa radiofônico de grande audiência, levado ao ar por Emissora sediada na Cidade de São Paulo, envolvendo os nomes dos Autores, sendo ele renomado cantor e compositor e ela talentosa e conhecidíssima atriz de televisão, cinema e teatro. Prova Inequívoca nos autos da divulgação, pela empresa Ré, de notícia falsa envolvendo os nomes dos Autores, havendo alusão a possível relacionamento íntimo entre o 2º Autor e a 3ª Autora, sendo esta menor impúbere, filha da 1ª Autora. Inaplicável a hipótese a Lei de Imprensa, no entendimento tranquilo da doutrina e jurisprudência dominantes.

(TJ-RJ - APL: 00463992219998190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL 26 VARA CIVEL, Relator: GILBERTOFERNANDES, Data de Julgamento: 19/03/2003, DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL)

Ainda, em decorrência de um mesmo ato pode o agente causar tanto dano moral quanto material à imagem alheia, resultando em prejuízo econômico e ofensa moral. Foi o caso da apresentadora Xuxa, que teve fotos nuas antigas, feitas originalmente para publicação em revista masculina, exibidas em programa da TV Bandeirantes. O TJ-RJ fixou o valor de R$ 1 milhão por danos materiais e R$ 100 mil por danos morais, reformando parcialmente a decisão do juízo de primeiro grau42.

Por fim, entra-se na questão do quantum indenizatório. Quanto ao dano material, a indenização arbitrada pelo uso indevido da imagem não deve ser correspondente ao valor que deveria ser pago, caso houvesse a autorização do titular, haja vista o caráter didático da condenação. Assim ensina Cavalieri:

Doutrina e jurisprudência sustentam, uniformemente, que o valor da indenização pela indevida utilização da imagem não deve ser o mesmo que normalmente se obteria pela utilização autorizada [...] Se assim não for, a ilicitude passará a ser um estímulo e ninguém mais respeitará a imagem de ninguém. Com ou sem o consentimento do titular, a sua imagem será utilizada e as consequências serão as mesmas. O efeito do ato vedado não pode ser o mesmo do ato permitido, sobretudo quando há implicações de ordem moral43.

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STJ - AgRg no AREsp: 301020 RJ 2013/0029668-3, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 02/05/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/05/2013

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O autor, portanto, citando Carlos Alberto Bittar, defende que o montante indenizatório fixado deve ser superior ao valor do mercado para a contratação regular, isto em decorrência da teoria da responsabilidade civil ser revestida de caráter sancionatório, do contrário seria estimulada a dispensa da anuência do titular da imagem e da discussão da quantia a ser paga.

Em relação ao dano moral, por sua vez, não há conformidade quanto aos parâmetros utilizados para definição do quantum indenizatório. A fixação do valor da indenização fica ao livre arbítrio do julgador, devendo este ter cautela para não desvalorizar o sofrimento/constrangimento do lesado ou onerar excessivamente o agente causador do dano.

Para tanto, pode-se delimitar alguns critérios, baseados na análise das peculiaridades de cada caso concreto, dentre os quais estão os danos sofridos pela vítima, o grau de culpa do agente, o desestímulo da reincidência do ato danoso e a situação financeira do ofensor e da vítima.

Destarte, o uso não autorizado ou indevido da imagem de um indivíduo configura-se violação e consequente dano a este atributo da personalidade, devendo ser responsabilizados civilmente todos que colaboraram para o evento danoso, indenizando os prejuízos patrimoniais e morais advindos de tal conduta.

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