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RESPONSABILIDADE CIVIL FRENTE AOS DANOS À IMAGEM

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INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE DIREITO – VDI

Rafaela da Silva Guina Fachina

RESPONSABILIDADE CIVIL FRENTE AOS DANOS À IMAGEM

Volta Redonda – RJ 2018

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Rafaela da Silva Guina Fachina

RESPONSABILIDADE CIVIL FRENTE AOS DANOS À IMAGEM.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. DALMIR JOSÉ LOPES JR.

Volta Redonda – RJ 2017

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Rafaela da Silva Guina Fachina

RESPONSABILIDADE CIVIL FRENTE AOS DANOS À IMAGEM.

Monografia aprovada pela Banca Examinadora do Curso de Direito da Universidade Federal Fluminense - UFF

Volta Redonda, _____ de ___________________ de ________.

BANCA EXAMINADORA:

________________________________

Prof. Dr. Dalmir José Lopes Júnior – Orientador – UFF

________________________________ Prof. Dr. Marco Aurélio Lagreca Casamasso – UFF

________________________________ Prof. Me. Marco Antônio Rodrigues Jorge – UFF

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, primeiramente, por jamais me desemparar diante dos obstáculos ao longo do trajeto.

Agradeço aos meus pais e amigos, sem os quais não seria possível a realização deste momento.

Agradeço também ao meu Orientador, Prof. Dr. Dalmir José Lopes Jr., por seus ensinamentos e paciência dedicados para a concretização deste trabalho.

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RESUMO:

O direito à imagem encontra-se inserido no rol de direitos personalíssimos, ou seja, é espécie da qual estes se classificam como gênero. Os direitos da personalidade são assegurados pela Constituição Federal como direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. A imagem, especificamente, está tutelada pelo ordenamento jurídico no artigo 20, do Código Civil, bem como no artigo 5º, X, da CF, expressamente declarada direito e garantia individual. Diante do estreitamento das relações sociais, a exemplo do avanço das mídias sociais, a imagem dos indivíduos é constantemente atacada, causando o titulado dano à imagem. Por conseguinte, o presente trabalho foi elaborado com a finalidade de perquirir a problemática da violação do direito à imagem, averiguando a responsabilidade civil do autor do dano, por meio de uma análise da posição doutrinária e jurisprudencial pátria.

Palavras-chave: Direitos da personalidade. Dano à Imagem. Direitos Fundamentais. Responsabilidade Civil.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1. A IMAGEM E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE ... 9

1.1. O conceito de imagem ... 9

1.2. A imagem e seus institutos... 12

1.3. Aspectos evolutivos dos direitos da personalidade ... 15

1.4. Natureza jurídica do direito à imagem ... 21

2. A IMAGEM E A PERSPECTIVA CIVIL-CONSTITUCIONAL ... 24

2.1. A imagem como direito fundamental ... 24

2.2. Princípio da dignidade da pessoa humana ... 28

2.3. A constitucionalização do Direito e o direito à imagem ... 33

3. DANO À IMAGEM E SUA REPARAÇÃO ... 36

3.1. Dano à imagem ... 37

3.2. Exigibilidade e obrigação de reparação ... 42

3.3. Tutela jurídica da imagem e seus limites ... 50

CONCLUSÃO ... 54

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INTRODUÇÃO

Ao longo dos séculos, o Brasil passou por transformações significantes em sua estrutura política, econômica e, principalmente, social, de modo que os seus ideais se adequassem aos modernos padrões de comportamento, relacionamento e pensamento. O eminente avanço tecnológico fez despontar relações sociais das mais diversas formas e pelos mais diversos meios.

Neste aspecto, a propagação de conteúdos foi amplamente facilitada. Dessa exposição exacerbada podem advir, em dadas circunstâncias, danos irreparáveis à imagem do indivíduo, sendo, então, lesado um direito personalíssimo. Assim, objetiva-se com o presente trabalho analisar a responsabilidade civil decorrente da violação a um direito absoluto, real e personalíssimo, que é o direito à imagem, espécie do gênero direito da personalidade.

Os direitos da personalidade estão tutelados em nosso ordenamento jurídico, conforme se observa da leitura da Constituição Federal, artigo 5°, incisos V, X e XXVIII, alínea a, bem como o artigo 1°, inciso III, que trata da dignidade da pessoa humana. Ainda, no Código Civil são tratados diretamente no capítulo II do Livro I, dos artigos 11 ao 21.

No primeiro capítulo será abordada a conceituação de imagem, bem como a discriminação de seus institutos e sua natureza jurídica. Passando, brevemente, pelos aspectos evolutivos dos direitos da personalidade, ressaltando os marcos históricos que contribuíram para a consagração do direito à imagem como um direito autônomo.

Em seguida, trataremos da imagem sob a perspectiva civil-constitucional, através da análise da vinculação da imagem aos pressupostos constitucionais da dignidade da pessoa humana, que passou ao status de cerne do ordenamento jurídico, ocasionando o fenômeno da constitucionalização do direito privado.

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Por fim, entraremos no prisma da responsabilidade civil, a qual tem como escopo obrigar o agente causador do dano a repará-lo, analisando quais indivíduos estarão obrigados à reparação do dano causado e quais serão legítimos à pleiteá-la, por quais mecanismos de defesa poderão fazê-lo e, ainda, quais serão os limites à tutela do direito à imagem.

(9)

1. A IMAGEM E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

A imagem se insere dentro dos direitos da personalidade, pois, embora seu direito esteja ligado a uma base de natureza patrimonial, apresenta dimensão maior e mais expressiva como direito extrapatrimonial, eis que está relacionada a aspectos intrínsecos da personalidade.

A personalidade de um indivíduo projeta-se, principalmente, por meio de sua imagem, tornando-a atributo fundamental dos direitos de personalidade, uma vez que seu uso impróprio gera prejuízos e constrangimentos às pessoas lesionadas.

Em sucinta definição, a imagem identifica-se, em um primeiro momento, como sendo aquilo que nós projetamos ou queremos que seja projetado de nós mesmos para o mundo exterior. Abaixo, então, especificaremos o que são os direitos da personalidade e como a imagem encontra-se inserida neles, iniciando pelo seu conceito.

1.1. O conceito de imagem

Há poucas décadas não havia tutela ao direito à imagem, ou seja, juridicamente, a imagem nada representava, senão mero mecanismo de violação a outros direitos da personalidade, como a honra ou a privacidade. No tempo atual, ainda incide em tal equívoco o Código Civil, conforme se verifica em seu artigo 20, in verbis:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e

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sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815) (grifo nosso)

A fria interpretação do dispositivo gera controvérsias e nos leva a crer que, para que se caracterize a violação da imagem, é necessário que a divulgação não autorizada da imagem atinja a honra, a boa fama ou a respeitabilidade da pessoa.

Não obstante, ao contrário do que sugere a redação do aludido artigo, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito à imagem consagrou-se direito autônomo. Houve por parte do legislador constituinte originário a conscientização da importância da imagem, dotando-a de proteção legal, independentemente de ofensa ou lesão a outros direitos da personalidade.

Atualmente, portanto, o direito à imagem é fundamentado juridicamente pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos V, X e XXVIII, alínea ‘a’1, estando inserido no rol dos direitos e garantias fundamentais. Encontra respaldo, ainda, no artigo 20, do Código Civil.

Neste prisma, a imagem é um bem jurídico essencial do homem, dotado de certas peculiaridades, é inalienável, intransferível e irrenunciável. Entretanto, não é indisponível, pois ainda que não possa o titular privar-se da sua própria imagem, dela pode dispor para tirar proveito econômico. Em vista disso, a pessoa pode explorar a sua própria imagem. A doutrina a classifica em dois institutos, dos quais trataremos mais adiante: retrato e imagem-atributo.

Sergio Cavalieri Filho define a imagem como

1

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas.

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[...] um bem personalíssimo, emanação de uma pessoa, através da qual projeta-se, identifica-se e individualiza-se no meio social. É o sinal sensível da sua personalidade, destacável do corpo e suscetível de representação através de múltiplos processos, tais como pinturas, esculturas, desenhos, cartazes, fotografias, filmes2.

Por conseguinte, devemos considerar que a exposição da imagem abrange também determinados atributos construídos nas relações sociais, isto é, a esfera de proteção estabelecida pelo direito à imagem se estende para além do aspecto físico e sua correspondente reprodução, integrando também elementos intangíveis.

Por se tratar de direito personalíssimo, portanto, o consentimento de sua reprodução compete exclusivamente ao titular do direito de imagem, ou seja, a pessoa a que pertence, sob pena de ocasionar o dever de indenizar que, no caso, surge com a sua utilização indevida.

Todavia, há limitações impostas que restringem o exercício do direito à própria imagem, logo, o direito à imagem não se apresenta como um direito absoluto. Tais restrições são baseadas na prevalência do interesse social, também de ordem constitucional, especialmente a liberdade de informação e de expressão. Admitem-se, nessas situações, a divulgação não autorizada da imagem alheia, porquanto direitos coletivos sobrepõem-se aos direitos individuais.

Salvo em aproveitamento de cunho comercial, nos casos em que o retratado possuir notoriedade, é livre a utilização de sua imagem para fins informativos, desde que respeitada a sua vida privada.

Anderson Schreiber faz alguns esclarecimentos quanto a tais limitações:

Além disso, há casos em que, embora não se tenha o consentimento expresso do retratado, uma autorização tácita pode ser identificada. O político que discursa em um comício ou a atriz que posa para fotos na saída de um espetáculo consentem, por meio do seu comportamento, com a divulgação daquela imagem, sem que se possa vislumbrar violação pela mera ausência de autorização escrita. É certo, contudo, que, por maior que seja a frequência de tais situações, em uma sociedade caracterizada pela presença constante da mídia e pelo anseio de exposição pública, a necessidade de consentimento

2

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 10ª ed., revista e ampliada, São Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 116

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inequívoco do retratado deve continuar a ser vista como regra, nunca como exceção3.

Com as respectivas ressalvas, ao permanecer em lugar público, o indivíduo, implicitamente, autoriza a veiculação de sua imagem, desde que possua caráter meramente informativo. Quando retratada durante acontecimentos sociais ou em cenários públicos, somente nos casos da utilização da imagem ser de cunho comercial a pessoa poderá alegar ofensa a seu direito à própria imagem.

Observa-se que há diversos conceitos, tanto para a imagem quanto para o direito à imagem, uns autores levam em conta uma maior subjetividade, enquanto outros consideram somente critérios objetivos.

Cumpre ressaltar que o entendimento majoritário é de que o direito à imagem é um bem jurídico autônomo, que implica diretamente na personalidade da pessoa humana. Destarte, a imagem pode ser conceituada como o conjunto de particularidades do indivíduo, de natureza personalíssima, que o torna único na coletividade por meio da exteriorização da sua personalidade, sendo delimitada em dois institutos que veremos a seguir.

1.2. A imagem e seus institutos

Conforme visto no capítulo anterior, toda expressão formal e sensível da personalidade de um indivíduo é a imagem para o Direito. A imagem deve ser analisada com o máximo de amplitude possível, por tal motivo grande parte da doutrina faz a sua distinção em dois

3

SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade, 2. ed., revista e atualizada, São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 116

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institutos, que são igualmente tutelados pelo ordenamento jurídico, assim, Maria Helena Diniz ensina:

A imagem-retrato é a representação física da pessoa, como um todo ou em partes separadas do corpo (nariz, olhos, sorriso etc.) desde que identificáveis, implicando o reconhecimento de seu titular, por meio de fotografia, escultura, desenho, pintura, interpretação dramática, cinematografia, televisão, sites etc., que requer autorização do retratado (CF, art. 5º, X). A imagem-atributo é o conjunto de caracteres ou qualidades cultivados pela pessoa, reconhecidos socialmente (CF, art. 5º, V), como habilidade, competência, lealdade, pontualidade etc. A imagem abrange também a reprodução, romanceada em livro, filme, ou novela, da vida de pessoa de notoriedade4.

Para Carlos Alberto Bittar, da mesma forma, levando em consideração a imagem-atributo, o direito à imagem é aquele direito que o ser humano tem sobre sua forma “plástica” e seus respectivos componentes distintos – tais como o rosto, os olhos, o busto, entre outros – que o individualiza em meio à coletividade. Ou seja, é o vínculo de união entre a pessoa e sua expressão externa, consideradas no todo ou em suas partes5.

Podemos dizer que a concepção de imagem-retrato liga-se à visão mais tradicional da imagem, é referente à expressão física da pessoa, seus traços físicos, expandindo-se às partes do corpo identificáveis, ou seja, é a reprodução de suas características físicas, é a imagem de que trata o artigo 5°, inciso X, da Constituição Federal. Vejamos o seguinte julgado do STF:

CONSTITUCIONAL. DANO MORAL: FOTOGRAFIA: PUBLICAÇÃO NÃO CONSENTIDA: INDENIZAÇÃO: CUMULAÇÃO COM O DANO MATERIAL: POSSIBILIDADE. Constituição Federal, art. 5º, X. I. Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5º, X. II. – R.E. conhecido e provido.

(STF - RE: 215984 RJ, Relator: CARLOS VELLOSO, Data de

Julgamento: 04/06/2002, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 28-06-2002 PP-00143 EMENT VOL-02075-05 PP-00870 RTJ VOL-00183-03 PP 01096)

4

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Teoria Geral do Direito Civil, vol. 1., 29. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 146

5

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O caso aconteceu com a atriz Cássia Kiss, um clássico exemplo de violação à imagem-retrato. A atriz ingressou com ação em desfavor de uma editora pela publicação não autorizada de sua fotografia em duas capas de revista. Não se tratava de uma foto constrangedora, mas, conforme entendeu o STF, a mera publicação da fotografia desautorizada gera desconforto para o titular da imagem. Motivo pelo qual, além do dano material devido pelo uso da imagem da autora, a editora foi condenada também ao pagamento de dano moral.

Em contrapartida, a imagem-atributo, prevista no artigo 5°, inciso V, identifica-se por traços próprios, desenvolvidos por seu titular ou com o seu consentimento, pode ser entendida como a figura pública que o indivíduo assume na sociedade, figura esta que se compõe através de um conjunto de características apresentadas socialmente pela pessoa.

Em suma, é a forma como a pessoa é vista pela sociedade, isto é, as qualidades pela quais o indivíduo fica conhecido socialmente. A sua violação implica, também, na violação da dignidade de seu titular.

RECURSOS ESPECIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO À HONRA E À IMAGEM. PUBLICAÇÃO DE LIVRO COM A FOTO NÃO

AUTORIZADA DO DIRETOR-PRESIDENTE DA COMPANHIA

SIDERÚRGICA NACIONAL. UTILIZAÇÃO DE ADJETIVOS

OFENSIVOS EM RELAÇÃO À PESSOA DO DEMANDANTE. EXTRAVASO DO DIREITO DE CRÍTICA OU INFORMAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE OPINIÕES CRÍTICAS EM RELAÇÃO AOS FATOS RELATADOS, ENVEREDANDO-SE PARA OFENSAS PESSOAIS AO EMPRESÁRIO. 1. Demanda indenizatória movida pelo Diretor-Presidente da CompanhiaSiderúrgica Nacional contra a editora e o autor de obra, alegando-se o extravaso deseu intuito informativo ou jornalístico por ter enveredado para a imputação deadjetivos ofensivos à pessoa do demandante, seja no texto do livro, seja na própriacapa, na qual, ainda, foi estampada a sua foto. 2. Desserve para os fins do recurso especial a alegação de ofensa a dispositivo da Constituição Federal. 3. Não se conhece de recurso especial fulcrado, quanto ao propalado ato ilícito, apenas em dispositivos da lei de imprensa, estatuto normativo não recepcionada pela Constituição de 1988, na esteira do entendimento firmado pelo STF (ADPF 130). 4. Reconhecimento pelas instâncias de origem de excesso no exercício da liberdade de informação e do direito de crítica, mediante ofensas à honra e à imagem dodemandante, caracterizando a ocorrência de abuso de direito (art. 187, CC). 5. Manifesta a mácula à imagem e à honra do demandante, ensejando o nascimento da obrigação de indenizar os danos causados. 6. Não

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se revelando exorbitante o valor arbitrado a título de indenização pelos danos morais, especialmente pelo espectro de alcance das ofensas perpetradas, incide o óbice da súmula 7/STJ. 7. RECURSOS ESPECIAIS DESPROVIDOS.

(STJ - REsp: 1637880 SP 2016/0022628-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 03/10/2017, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de publicação: DJe 19/10/2017)

A jurisprudência acima, recentemente julgada, é exemplo da violação da imagem em seus dois aspectos, tanto retrato, quanto atributo. Isto porque diz respeito ao Diretor-Presidente da CSN, que ajuizou ação contra o jornalista e editora, responsáveis pela publicação de um livro que estampava sua fotografia na capa, além de trazer ofensas ao autor em seu conteúdo. O STF entendeu que o livro, intitulado “A Usina da Injustiça - Como um só homem está destruindo uma cidade", ultrapassou o objetivo informativo alegado pelos réus, causando grave prejuízo à honra e ao bom nome da vítima. Assim, foram desprovidos os recursos e mantida a sentença que condenou os ofensores ao pagamento de R$ 124.000,00 a titulo de indenização.

Deste modo, a imagem deve ser visualizada em sua amplitude, como sendo a expressão dos traços físicos e projeção do semblante, bem como a forma como a sociedade enxerga o indivíduo.

Tal fato influencia diretamente na natureza jurídica desse direito, pois, como veremos adiante, o direito à imagem esteve muito relacionado a outros direitos ao longo da história, motivo pelo qual teve a sua individualização dificultada.

1.3. Aspectos evolutivos dos direitos da personalidade

Na esfera dos direitos da personalidade, o direito à imagem alcançou posição significativa graças ao notável progresso das comunicações e à importância que a imagem

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adquiriu no contexto publicitário. Tais progressos trouxeram consigo violações aos direitos da personalidade, em seu aspecto físico, moral ou intelectual, exigindo, pois, recursos de defesa adequados no âmbito jurídico, visando à proteção da dignidade humana.

Como vimos, o direito de imagem atualmente é considerado um direito fundamental do indivíduo, com previsão no art. 5º, inciso X, da Constituição, que assegura que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Ocorre que a autonomia do direito à imagem, no entanto, consagrou-se somente no decorrer de longos anos. Para melhor compreender como o mesmo foi inserido no rol dos direitos da personalidade passaremos a uma breve análise dos aspectos evolutivos destes no ordenamento jurídico brasileiro, iniciando pelos ensinamentos de Maria Helena Diniz, segundo os quais:

O reconhecimento dos direitos da personalidade como categoria de direito subjetivo é relativamente recente, porém sua tutela jurídica já existia na Antiguidade, punindo ofensas físicas e morais à pessoa, através da actio injuriarum, em Roma, ou da dike kakegorias, na Grécia. Com o advendo do Cristianismo houve um despertar para o reconhecimento daqueles direitos, tendo por parâmetro a ideia de fraternidade universal. Na era medieval entendeu-se, embora implicitamente, que o homem constituía o fim do direito, pois a Carta Magna (séc. XIII), na Inglaterra, passou a admitir direitos próprios do ser humano. Mas foi a Declaração dos Direitos de 1789 que impulsionou a defesa dos direitos individuais e a valorização da pessoa humana e da liberdade do cidadão. Após a Segunda Guerra Mundial, diante das agressões causadas pelos governos totalitários à dignidade humana, tomou-se consciência da importância dos direitos da personalidade para o mundo jurídico, resguardando-os na Assembleia Geral da ONU de 1948, na Convenção Europeia de 1950 e no Pacto Internacional das Nações Unidas. Apesar disso, no âmbito do direito privado seu avanço tem sido muito lento, embora contemplados constitucionalmente. O Código Civil francês de 1804 os tutelou em rápidas pinceladas, sem defini-los. Não os contemplaram o Código Civil português de 1866 e o italiano de 1865. O Código Civil italiano de 1942 os prevê no art. 5º a 10; o atual Código Civil português, nos arts. 70 a 81, e o novo Código Civil brasileiro, nos art. 11 a 21. Sua disciplina, no Brasil, tem sido dada por leis extravagantes e pela Constituição Federal de 1988, que com maior amplitude deles se ocupou, no art. 5º em vários incisos e ao dar-lhes, no inc. XLI, uma tutela genérica ao prescrever que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais6.

6

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Em resumo, ao tratar da construção da teoria dos direitos da personalidade, devemos dar importância a três fatos históricos que trouxeram ideais significativos à categoria jurídica, o primeiro diz respeito à ideia da dignidade do indivíduo implementada pelo Cristianismo; em segundo lugar tem-se a noção de direitos inerentes ao homem e preexistentes ao reconhecimento do Estado, fixada pela Escola do Direito Natural; e, por fim, a valorização do indivíduo frente ao Estado, ideia difundida no Iluminismo7.

No que diz respeito à existência, conceituação, natureza e área de incidência dos direitos da personalidade, conforme dito acima, não há uniformidade na doutrina, vez que estamos diante de uma construção teórica recentemente introduzida no ordenamento jurídico, fruto de evoluções históricas e culturais. Tais direitos são inatos, atributos intrínsecos à condição da pessoa humana, tais como a vida, a intimidade, a honra, a privacidade, a imagem, etc. Seu intento está na necessidade de uma normatização, através da qual será disciplinado o reconhecimento e a proteção jurídica que o direito e a política vêm reconhecendo à pessoa.

Logo, há certa divergência entre a doutrina jusnaturalista e a positivista. Os primeiros entendem que os direitos inerentes à personalidade sempre existiram, sendo anteriores à sociedade, e que a função do Estado não é criá-los, mas sim reconhecê-los8. Enquanto os positivistas, influenciados por Hans Kelsen, buscam vincular todo o direito a uma lei, apenas admitindo a existência dos direitos da personalidade a partir do momento que são expressos em norma jurídica pelo Estado, ou seja, não existiriam caso não fossem tutelados expressamente por normas públicas, para essa corrente tal conceito deve estar positivado e também ter assegurada sua sanção nos casos de violação.

Nestes moldes, ocorreu o desmembramento dos direitos de personalidade em público e privado. Os primeiros, tidos também como direitos fundamentais, seriam aqueles declarados nas constituições pátrias e nas declarações universais, intentando a proteção do indivíduo

7

Cf. BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit. p. 19

8

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contra o Estado e a proteção da coletividade em geral contra ações de grupos privados. Em contrapartida, os direitos de personalidade privados se equiparavam aos públicos, visando, porém, as relações entre particulares, sendo tipificados nos código civis e leis especiais.

Quanto à origem e evolução dos direitos de personalidade no Brasil, tem-se em vista que, ao longo dos séculos, sua expansão fora estimulada em concordância com a evolução da sociedade, pois, ao passo que evolui a sociedade assim também evolui o direito.

Até a instituição do Código Civil de 1916, a tutela da personalidade se dava através de uma cláusula geral oriunda do direito romano, a chamada actio injuriarum. Isto porque o direito vigente no Brasil naquela época era o das Ordenações Reais, advindo de Portugal, que traziam as compilações de Justiniano e as Glosas de Acúrsio e Bártolo.

Na Roma antiga, a actio injuriarum foi criada como mecanismo de proteção à honra da pessoa humana nos casos de injúrias e ofensas contra a vida e integridade física, no geral. Assim, nos dizeres de Tepedino, “o Direito Romano não tratou dos direitos da personalidade aos moldes hoje conhecidos. Concebeu apenas a actio injuriarium, a ação contra a injuria que, no espirito pratico dos romanos, abrangia qualquer atentado à pessoa física ou moral do cidadão”9.

Porém, insta salientar que o direito romano carecia de uma sistematização geral dos direitos da personalidade, vez que tal proteção era apenas aplicada a pessoas e casos específicos. Para o povo romano, para ser considerado sujeito de personalidade, se fazia necessário possuir três status: a liberdade, a civilidade e a família. Por outro lado, aquele que não fosse detentor destes status era considerado escravo, equiparando-se a mero objeto de propriedade.

Ante o exposto, o Código Civil Alemão (BGB) adotou a ideia de fragmentação e positivismo dos direitos de personalidade, apresentando um direito multifacetado e deixando

9

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de tutelar diversas manifestações da personalidade humana, sendo esta posição espalhada também aos demais países Europeus.

Em vista disso, surgiram inúmeras convenções internacionais que buscavam, a priori, uma maior proteção para a tutela dos direitos de personalidade da pessoa humana. Por meio de tais convenções, propagou-se a busca pela preservação ao direito à intimidade, à vida, à liberdade, à criança, à nacionalidade, ao nascimento, e tantos outros que ratificam e perfazem o princípio da dignidade da pessoa humana, vislumbrando e enaltecendo um direito inerente e fundamental à pessoa.

A partir das guerras mundiais, durante o século XX, houve um enfraquecimento tanto da economia quanto do sistema jurídico, porquanto as necessidades que a sociedade possuía não mais eram acompanhadas pelo positivado no Direito Civil. Neste contexto marcado por grandes transformações, a ascensão do sistema liberal e o desenvolvimento e crise do socialismo, os direitos da personalidade começaram a ser tutelados. O direito passou a exercer um papel de mediador nas diversas áreas, no sentido de combater o problema da desigualdade social.

O desenvolvimento dos direitos personalíssimos não poderia mais se valer de um sistema que privilegiava unicamente a propriedade privada. Houve, então, o afastamento do Direito Civil como ordem jurídica proeminente, dando lugar à Constituição, de modo que esta passou a proporcionar a normatização a ser seguida, a título de regras e princípios, no tocante às relações sociais, concedendo tutela especial à dignidade humana e à proteção da personalidade.

Findas as guerras, devido aos fatores supramencionados, o ser humano foi colocado como o primeiro e principal objeto da ordem jurídica, tornando-se o ponto essencial para a edificação dos primeiros valores. O direito passou a ter no seu centro a pessoa humana,

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momento em que surgiu o vínculo entre o indivíduo e o direito, estabelecendo os primeiros valores nos princípios fundamentais, respeitando a dignidade do ser humano.

Não mais cabia que os direitos da personalidade fossem considerados e tipificados apenas individualmente, era necessário observar o todo, pois aquela visão fracionária deixava muitas lacunas jurídicas. Todo e qualquer ato que viesse a violar a dignidade da pessoa humana estaria infringindo direito fundamental. Deste modo, o ser humano, como destinatário final da ordem jurídica, passou a ter protegida sua dignidade e desenvolvimento de personalidade.

Devido às declarações de direitos, convenções, legislações alienígenas, doutrina e jurisprudência nacional, os direitos da personalidade começaram a entranhar-se em nosso ordenamento jurídico. A partir de tais acontecimentos históricos, os direitos do indivíduo ganharam força frente ao poder público. Foi a promulgação da Constituição Federal de 1988 o grande marco para essa categoria jurídica.

No âmbito do Direito Privado, o Código Civil de 2002 regulamentou as garantias já dadas pela Constituição, dedicando seu Título I à pessoa natural, dentro do qual se insere um capítulo relativo aos direitos da personalidade, mais especificamente os artigos 11 ao 21, sendo um grande progresso para a tutela desses direitos.

Quanto à imagem, no Brasil, a preocupação com a mesma de forma mais clara, tardou a aparecer. Foi, portanto, com o advento da CF/1988 que a sua proteção atingiu notória evolução. O constituinte cuidou de proteger a imagem de forma expressa e efetiva, distinguindo-a da intimidade, honra e vida privada, garantindo a autonomia necessária aos dias de hoje. Além dos dispositivos já citados anteriormente, o artigo 1º, III, combinado com o § 2º do art. 5º, ambos da Constituição, têm protegido o direito à imagem de brasileiros e estrangeiros, residentes ou não no Brasil.

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Esta autonomia se deve, principalmente, ao progresso das novas tecnologias. Devido às mídias impressas e, especialmente, virtuais, a captação e divulgação da imagem na sociedade contemporânea tem alcance cada vez maior. A exposição da imagem de pessoas comuns e de pessoas públicas tem hoje um alcance de difícil estimativa em decorrência do uso das redes sociais.

Diante dos aspectos históricos expostos, nota-se a constante evolução desta categoria jurídica, sendo esta uma construção teórica recente, motivo pelo qual ainda suscita divergências doutrinárias, sobretudo quanto à sua natureza jurídica, da qual passaremos ao estudo.

1.4. Natureza jurídica do direito à imagem

A natureza jurídica de um instituto se expressa por sua classificação, portanto, trataremos brevemente dos direitos da personalidade, dentro dos quais se insere o direito à imagem. Não existe, ainda hoje, um conceito completo e preciso do que sejam os direitos da personalidade.

Apesar disso, prospera atualmente o reconhecimento concreto dos direitos da personalidade pelo entendimento doutrinário dominante, segundo o qual pertencem à categoria dos direitos subjetivos. Tal imprecisão decorre dos seguintes elementos:

[...] das divergências entre os doutrinadores com respeito à sua própria existência, à sua natureza, à sua extensão e à sua especificação; do caráter relativamente novo de sua construção teórica; da ausência de uma conceituação global e definitiva; de seu enfoque, sob ângulos diferentes, pelo direito positivo (público, de um lado, como liberdades públicas; privado, de outro, como direitos da personalidade), o que lhe imprime feições e disciplinações distintas10.

10

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Fundamenta-se, portanto, o direito da personalidade como um direito subjetivo de categoria especial de proteção ao ser humano. Bittar compreende tais direitos como próprios (ou originários) da pessoa em si, existentes desde o nascimento, sendo referentes às projeções da pessoa humana para o mundo exterior.

De Cupis, autor italiano de um dos mais renomados trabalhos acerca do tema, também pertence à doutrina dominante, considerando, porém, que os direitos da personalidade, devido à razão de integrarem a medula da personalidade, constituem uma categoria autônoma no sistema dos direitos subjetivos, que deriva do caráter de essencialidade que lhes é próprio, isto porque nos dizeres do autor:

[...] existem certos direitos sem os quais a personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo – o que equivale a dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal. São esses os chamados “direitos essenciais”, com os quais se identificam precisamente os direitos da personalidade11.

A corrente que apresenta objeção aos direitos da personalidade destaca que seria impossível distinguir o sujeito do objeto, vez que a mesma pessoa seria tanto o seu sujeito, quanto o seu objeto. Neste diapasão, não poderia, pois, existir um ius in se ipsum (direito sobre a própria pessoa), vez que se justificaria o suicídio12.

Segundo De Cupis, o objeto dos direitos da personalidade não é exterior ao sujeito, contrariamente aos demais bens existentes. Porém, esta não exterioridade não significa dizer que a pessoa e os bens da personalidade são idênticos, pois o modo de ser da pessoa não é a mesma coisa da pessoa, não representando, assim, um direito sobre a própria pessoa. Um dos autores que se opuseram à existência dos direitos da personalidade foi Carnelutti, que

11

DE CUPIS, Adriano. Os Direitos da Personalidade, 2ª ed., São Paulo: Editora Quorum, 2008, p. 24

12

(23)

sustentava que o simples modo de ser de uma pessoa não poderia ser considerado bem jurídico13.

Em vista disso, por pertencer à categoria dos direitos de personalidade, podemos incluir o direito à imagem no rol dos direitos subjetivos, conforme entendimento majoritário consolidado atualmente.

Os direitos da personalidade são classificados sob os aspectos da integridade física, moral e intelectual. O direito à imagem se enquadra em dois gêneros nessa escala de classificação. Embora a imagem se classifique como bem físico, espécie do gênero integridade física, a dimensão de seu conceito na atualidade permite classificá-la, também, como bem espécie do gênero integridade moral.

Há, neste sentido, quem sustente que o direito à imagem tem dupla natureza, patrimonial (material) e extrapatrimonial (moral), inclusive já houve o enaltecimento deste duplo conteúdo por parte do STJ em alguns julgados, conforme veremos mais adiante.

O direito à imagem constitui um direito de personalidade, de caráter autônomo, personalíssimo e extrapatrimonial, resultando no direito que o seu titular tem de opor-se à divulgação da sua própria imagem quando concernente à sua vida privada. Ao passo que na esfera patrimonial, o titular pode dispor de sua imagem onerosamente, valendo-se do direito à imagem para proteger seu interesse material na exploração econômica, sendo, neste caso, regido pelos princípios aplicáveis aos demais direitos patrimoniais.

Por fim, no presente capítulo traçamos uma visão geral da imagem e os institutos a ela relacionados, revelando seu conceito, sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro e a sua natureza jurídica. Trataremos, no capítulo que segue, mais profundamente acerca do seu fundamento jurídico através de preceitos constitucionais e de um dos dispositivos da legislação infraconstitucional, o Código Civil vigente.

13

(24)

2. A IMAGEM E A PERSPECTIVA CIVIL-CONSTITUCIONAL

O direito à imagem tem um fundamento constitucional. Embora a imagem seja uma característica de ordem privada, ela se liga a um direito de órbita maior, ou seja, seu fundamento está na Constituição Federal, art. 5º, incisos V, X e XXVIII, alínea ‘a’. Portanto, se vincula aos pressupostos constitucionais da dignidade da pessoa humana.

Como visto no capítulo anterior, ao passo em que a sociedade progride, a visão centrada no patrimônio é abandonada, passando-se a focar na pessoa humana. É a transição de um "direito do ter" para um "direito do ser". É o que se denomina constitucionalização do direito privado. Diante desta recente conjuntura, a pessoa humana encontra-se em evidência, fomentando o dever dos juristas de considerá-la como cerne axiológico do ordenamento jurídico. Adiante iremos pormenorizar tais questões.

2.1. A imagem como direito fundamental

Desde o surgimento do Estado Moderno o indivíduo tornou-se o âmago do Direito. Neste cenário, portanto, emergiram os direitos fundamentais. Com previsão no art. 5º da Constituição Federal, os direitos fundamentais do indivíduo, indubitavelmente, têm uma das funções mais importantes dentro da Carta Magna, vez que o constituinte de 1988 idealizou cada inciso do aludido artigo de modo a garantir máxima proteção ao cidadão contra possíveis

(25)

intervenções estatais aos direitos do indivíduo, e, concomitantemente, a assegurar a possibilidade do cidadão impor seus interesses frente ao poder público.

Tal fato se deve, sobretudo, ao período histórico antecedente à sua promulgação: 21 anos de ditadura militar. Durante este tempo, marcado pelo autoritarismo, as liberdades fundamentais foram suprimidas. A Constituição de 1988 surge, portanto, como uma reação do Constituinte e das forças sociais e políticas14.

Traçando-se um paralelo entre a Constituição de 1988 e o direito constitucional positivo anterior, constata-se, já numa primeira leitura, a existência de algumas inovações de significativa importância na seara dos direitos fundamentais. De certo modo, é possível afirmar-se que, pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com a merecida relevância. Além disso, inédita a outorga aos direitos fundamentais, pelo direito constitucional positivo vigente, do status jurídico que lhes é devido e que não obteve o merecido reconhecimento ao longo da evolução constitucional15.

Em decorrência das inúmeras expressões utilizadas para designar os direitos fundamentais, tais como: direito naturais, direitos individuais, direitos do homem, direitos humanos, etc.; os mesmos têm sua conceituação dificultada. Destarte, no tocante à terminologia adotada, Sarlet defende que a preferência pela expressão “direitos fundamentais” se dá pelo fato de que é esta a que se encontra positivada na Constituição Federal, em seu Título II, possuindo um cunho genérico que abarca as demais espécies ou categorias de direitos fundamentais; e, ainda, pela tendência majoritária na doutrina moderna constitucional em afastar as demais expressões, vez que se tornaram obsoletas e insuficientes para englobar a diversidade do assunto16.

José Afonso da Silva, citando Pérez Luño, expõe a conceituação dos direitos fundamentais “como conjunto de faculdades e instituciones que, em cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humanas, lãs cuales deben

14

Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 11ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 52

15

Ibid. p. 46

16

(26)

ser reconocidas positivamente por los ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional17”.

Além de tutelar o indivíduo contra ingerências de particulares, os direitos fundamentais têm, ainda, nas palavras de Canotilho:

[...] a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)18. Pode-se dizer que tais direitos estão divididos em dois extensos grupos no nosso ordenamento jurídico:

(a) direitos expressamente positivados, seja na constituição, seja em outros diplomas jurídico-normativos de natureza constitucional; (b) direitos implicitamente positivados, no sentido de direitos fundamentais decorrentes do regime e dos princípios constitucionais ou direitos subentendidos nas normas de direitos fundamentais expressamente positivadas, em suma, direitos que não encontram respaldo textual direto, podendo também ser designados de direitos não escritos19.

A primeira classe é na qual se encontram os direitos com previsão expressa no Título II da CF. Surge, no entanto, o questionamento sobre a possibilidade da existência de direitos fundamentais positivados em legislação infraconstitucional. Para alguns doutrinadores, tal positivação infraconstitucional representa uma “explicitação, mediante ato legislativo, de direitos implícitos ou mesmo decorrentes do regime e dos princípios, desde logo originariamente fundados na Constituição20”, inserindo-se, neste contexto, os direitos da personalidade convencionados no Código Civil, com respaldo no princípio da dignidade da pessoa humana.

17

Tradução livre do texto do autor: como conjunto de faculdades e institutos, que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e a igualdade humana, as quais devem ser positivadas nos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional. PEREZ, Luño apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 25ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 178.

18

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional, 6ª ed., Coimbra: Almedina, 1993, p. 541.

19

MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 273.

20

(27)

Bittar defende a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, segundo a qual os direitos fundamentais também devem ser garantidos nas relações entre particulares, como é o caso do direito à imagem, não havendo óbice, portanto, para que os direitos da personalidade sejam considerados, em sua totalidade, fundamentais21.

No tocante à aplicação dos direitos fundamentais, instalou-se forte debate em doutrina e jurisprudência, vislumbrando-se duas correntes principais, conforme ensina Barroso:

a) a da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais, mediante atuação do legislador infraconstitucional e atribuição de sentido às cláusulas abertas; b) a da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais, mediante um critério de ponderação entre os princípios constitucionais da livre iniciativa privada e da autonomia da vontade, de um lado, e o direito fundamental em jogo, do outro lado22.

A segunda corrente é a majoritária, sendo a aplicabilidade direta e imediata mais adequada à realidade brasileira, partindo do pressuposto que não necessita de qualquer positivação infraconstitucional. A orientação mais sensata, portanto, é a tutela fundada nos princípios e valores constantes no ordenamento, buscando a simetria entre a Constituição e os dispositivos do Código Civil.

Com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana, o constituinte de 1988 tutelou o direito à imagem no artigo 5º incisos V e X, como já visto no capítulo anterior. Logo, a imagem recebe proteção autônoma do direito, bastando meramente a sua exposição sem consentimento para que seja ocasionado o dano, tendo o indivíduo lesado assegurado o direito à reparação ou, ainda, que o mesmo faça uso da tutela preventiva a fim de evitar a exposição indevida de sua imagem. Ao integrar o rol dos direitos fundamentais do indivíduo, a imagem eleva-se à categoria de cláusula pétrea, conforme previsão do artigo 60, § 4º, inciso IV, da CF/88.

21

Cf. Op. cit. p. 18.

22

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo, São Paulo: Saraiva, 2009. p. 371.

(28)

Por conseguinte, ao reconhecer expressamente em seu art. 1º, inciso III23, a dignidade humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal ratifica que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário. Isto é, o Estado é o instrumento de garantia e ascensão da dignidade das pessoas, individual e coletivamente consideradas. Neste sentido, passaremos ao estudo do princípio da dignidade da pessoa humana.

2.2. Princípio da dignidade da pessoa humana

Desde meados do século XX, após o fim da 2ª Guerra Mundial, a humanidade vivencia um complexo processo de transformação e de intensificação das relações internacionais, marcado por desdobramentos econômicos, políticos e culturais. Dentre as diversas transformações às quais se sujeitou o Direito nas últimas décadas, está a valorização do ser humano em sua plenitude, com a preservação dos direitos que são intrínsecos à sua personalidade, incluindo-se, neste rol, o direito à imagem.

Ao elencar em seu artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais da República, a Constituição Federal de 1988 consagrou a prevalência da tutela da pessoa humana como máxima a ser seguida pelo ordenamento jurídico, garantindo, portanto, o respeito absoluto ao indivíduo, de modo a lhe propiciar existência plenamente digna e protegida de qualquer espécie de ofensa ou abuso. A respeito de tal opção axiológica adotada pelo constituinte, ensina Tepedino:

23

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(29)

Ao eleger a dignidade humana como valor máximo do sistema normativo, o Constituinte exclui a existência de redutos particulares que, como expressão de liberdades fundamentais inatas, desconsiderem a realização plena da pessoa. Vale dizer, família, propriedade, empresa, sindicato, universidade, bem como quaisquer microcosmos contratuais devem permitir a realização existencial isonômica, segundo a óptica da solidariedade constitucional. Sendo assim, não configuram espaços insuscetíveis ao controle social, como queria o voluntarismo, justamente porque integram uma ordem constitucional que é a mesma tanto nas relações de direito público quanto nas de direito privado. Não se poderia admitir a democracia nas ruas e a intolerância na vida privada.24

Primordialmente, cumpre-nos remeter a uma breve reflexão acerca da ideia e conceituação que abarca a nomenclatura “pessoa humana”, revelando-se um necessário ponto de partida tal estudo para a compreensão dos axiomas antropológico-culturais que integram o Estado brasileiro na ordem constitucional em vigor.

Na contemporaneidade, o termo “pessoa” é instantaneamente associado ao ser humano, tanto que, à primeira vista, chega a soar pleonástica a expressão “pessoa humana”. Não obstante, a presumida redundância tem emprego plausível, vez que o termo “pessoa” abrange significados que nem sempre se reportam diretamente ao ser humano em si, em sua humanidade pura e simples.

Realizando-se um breve retrospecto etimológico, o conceito mais difundido da palavra pessoa surge do termo latim persona, utilizado na antiguidade para designar uma máscara usada pelos atores na representação teatral, ao encenarem personagens em suas apresentações. A máscara seria a representação da concepção que o indivíduo forma de si mesmo, sua individualidade revela-se, neste contexto, um papel, uma máscara viva no palco do mundo e não mais do que isto.

A ruptura com o saber mitológico da tradição e a evolução das ideias básicas que possibilitaram a concepção moderna da pessoa humana é atribuída ao período axial (século VIII a.C. ao século II a.C.), no qual as tradicionais explanações mitológicas acerca da

24

TEPEDINO, Gustavo. Os 15 anos da Constituição e o direito civil. In: Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 14, 2003.

(30)

realidade foram pospostas e sucedidas pelo saber lógico da razão, com a contribuição de importantes doutrinadores25.

Surge, portanto, a primeira fase das cinco existentes para a consolidação do conceito de pessoa, ainda no entendimento de Comparato, onde há a concepção do indivíduo na qualidade de um ser que exerce a sua faculdade de julgar racionalmente a realidade, constituindo as bases do critério supremo das ações humanas, qual seja o próprio homem, através de fundamentos que viabilizaram o entendimento da pessoa humana, dotada de direitos tidos como universais.

A segunda fase deu-se no início do século VI com Boécio, cujos escritos influenciaram o pensamento medieval, período no qual se iniciou a elaboração do princípio da igualdade, elemento decisivo de formação do núcleo do conceito de Direitos Humanos.

Na terceira fase, tem-se a contribuição fundamental para a ideia da pessoa enquanto sujeito de direitos, advinda da filosofia de Kant, na qual “o princípio primeiro de toda a ética é o de que o ser humano e, de modo geral, todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio do qual esta ou aquela vontade possa servir-se a seu talante”26. Assim, destaca-se a dignidade e singularidade da pessoa humana como valor absoluto, em detrimento das coisas que possuem valor relativo.

A quarta fase resulta do pensamento baseado na liberdade do agir de cada indivíduo de acordo com suas preferências valorativas, isto é, a compreensão de que a pessoa é o único ser vivo capaz de dirigir sua vida em função de tais preferências, fazendo surgir a ética como referência.

A quinta e última fase tem seu início no século XX, com suas bases fixadas a partir do pensamento existencialista. Destacando a personalidade individual como elemento único,

25

Cf. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 7ª ed., revista e atualizada, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 30.

26

(31)

cada indivíduo possui uma identidade inconfundível com a de qualquer outro. Nesse período, ressalta-se a constante mutação da pessoa humana em função de seu processo evolutivo, culminando na Declaração dos Direitos Humanos, em 1948.

Destarte, ainda que os ideais para concepção moderna da pessoa humana tenham ocorrido no período axial, só mais de vinte séculos depois é que, através da ONU, consagrou-se o direito de todo homem de consagrou-ser reconhecido como pessoa.

Depreende-se, assim, que o termo “pessoa” nem sempre foi empregado para designar o ser humano e, mesmo após passar a se referir ao homem, foi durante um longo período adotado de modo que não o contemplasse em sua totalidade material e espiritual, bem como não alcançasse todo e qualquer ser humano pelo simples fato de sua humanidade inerente, como já visto no capítulo antecedente.

O constitucionalista Gilmar Mendes entende ser adequado analisar a dignidade humana sob a concepção metafísica do ser humano, defendida por Miguel Reale, o qual afirmava

[...] que toda pessoa é única e que nela já habita o todo universal, o que faz dela um todo inserido no todo da existência humana; que, por isso, ela deve ser vista antes como centelha que condiciona a chama e a mantém viva, e na chama a todo instante crepita, renovando-se criadoramente, sem reduzir uma à outra; e que, afinal, embora precária a imagem, o que importa é tornar claro que dizer pessoa é dizer singularidade, intencionalidade, liberdade, inovação e transcendência.27

A imagem, como direito intrínseco à personalidade, vincula-se aos aspectos físico e moral da pessoa humana. Físico quando tratar da imagem objetiva, a imagem-retrato a qual exploramos no primeiro capítulo, obtida por meio de sua representação através de fotografias, pinturas, filmagens, televisão, etc.; e moral quando tratar da imagem subjetiva (imagem-atributo), a qual se refere ao conjunto de qualidades ou atribuições vinculado à pessoa, que permite seu reconhecimento social.

27

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 4ª ed., revista e atualizada, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 172

(32)

Conforme salienta Tepedino, a tutela da personalidade humana se dá a partir do princípio da dignidade da pessoa humana conjugado com outros28. Deste princípio emanam todos os direitos fundamentais inerentes ao ser humano, concebendo a relação público-privada, de modo a abranger pessoas naturais e jurídicas. O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser compreendido como o cerne da ordem política da sociedade brasileira, trata-se do “reconhecimento do valor do indivíduo como limite e fundamento do domínio público da República29”.

Nas palavras de Uadi Lammêgo Bulos:

Quando o Texto Maior proclama a dignidade da pessoa humana, está consagrando um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo. Por isso, o primado consubstancia o espaço de integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social. [...] A dignidade humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio do homem. Seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais do direito à vida, dos direitos pessoais tradicionais, dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), dos direitos econômicos, dos direitos educacionais, dos direitos culturais etc. Abarca uma variedade de bens, sem os quais o homem não subsistiria30.

O princípio da dignidade da pessoa humana se apresenta, portanto, como superação da intolerância e da não-aceitação do outro em suas diferentes maneiras de ser e pensar, vinculando-se aos direitos fundamentais e envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Isto implica no fato de que o conceito da dignidade da pessoa humana comporta um conjunto de valores não restritos, meramente, à defesa dos direitos individuais, englobando todo um conjunto de direitos, liberdades e garantias que dizem respeito à vida humana em geral.

Neste prisma, os princípios constitucionais passam a nortear as relações privadas e orientar a relação público-privada (Estado-particular), de forma que ocorra a conciliação

28

Cf. Op. cit. 1994.

29

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 219

30

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional, 8ª ed., revista e atualizada, São Paulo: Saraiva, 2014, p. 512

(33)

desses princípios com as regras de relação interpessoal. Surge, por conseguinte, a constitucionalização do Direito Civil, da qual trataremos a seguir.

2.3. A constitucionalização do Direito e o direito à imagem

A constitucionalização do Direito Civil representa um fenômeno ocorrido no âmbito do Direito Privado, tornando retrógrada a visão que se tinha do Código Civil como a “constituição do direito privado”. Tal evento fez com que a Constituição assumisse a função de eixo central e harmonizador do sistema jurídico brasileiro, o que levou a um processo de despatrimonialização e repersonalização do direito privado, de modo que o Código Civil passasse a ter como centro as pessoas e os direitos à elas inerentes, e não mais questões meramente patrimoniais.

Deve-se ter em vista, portanto, que, embora a noção de autonomia faça parte do núcleo do Direito Privado, seu perfil foi transformado e delineado ao longo do tempo. Deste modo, o Direito Civil não mais dispõe de autonomia plena e deve ser interpretado à luz da Constituição Federal, não sendo mais possível sopesar o espaço da vontade na ordem civilista sob a mesma ótica liberal própria do século XIX.

Foi imposta ao intérprete da lei a necessidade de proceder à conexão axiológica entre o privado e o público, o Código Civil e a Carta Magna, a fim de proporcionar sentido uniforme às cláusulas gerais alicerçadas nos princípios constitucionais. Logo, os fundamentos de validade jurídica do Direito Civil devem ser extraídos da Constituição. Tepedino assim preconiza:

Não há dúvidas que as normas constitucionais incidem sobre o legislador ordinário, exigindo produção legislativa compatível com o programa constitucional, e se constituindo em limite para a reserva legal. Por outro

(34)

lado, produzem efeitos no plano interpretativo, reclamando uma leitura da lei civil conforme o texto constitucional, postulando cada vez mais acatado entre os constitucionalistas. [...] o Texto Constitucional, sem sufocar a vida privada e suas relações civis, dá maior eficácia aos institutos codificados, revitalizando-os, mediante nova tábua axiológica31.

Nos ensinamento de Luís Roberto Barroso32, é possível identificar três fases distintas no processo de aproximação entre o Direito Civil e o Direito Constitucional, que tampouco se integravam ou comunicavam entre si na antiguidade. A primeira fase diz respeito, justamente, à distância existente entre tais institutos. Com o advento do constitucionalismo moderno, a Constituição era destituída de força normativa própria, figurava como mecanismo de regulação ao direito público, visando à organização do Estado, em contrapartida, o Código Civil, herdeiro da tradição do direito romano e sob forte influência do Código Napoleônico, regulava as transações privadas, resguardando a proteção da propriedade e da liberdade de contratar; Após as guerras mundiais ocorridas no século XX, a liberdade e a autonomia da vontade passam a conviver em simetria com o Estado social, cujo intuito era suprimir as desigualdades e promover melhores condições de vida aos cidadãos, inaugurando a segunda fase, a qual figura a publicização do direito privado, em que o Estado começa a interceder nas relações particulares; Tal fato culminou na inserção da Constituição no centro do ordenamento jurídico, promovendo uma transformação hierárquica e valorativa, simbolizando a terceira e última fase, a constitucionalização do Direito Civil.

A Constituição contém regras e princípios específicos que atingem institutos clássicos, tais como os princípios da isonomia, da solidariedade social e da dignidade humana, acarretando inúmeras transformações. Barroso, no entanto, destaca dois desenvolvimentos doutrinários:

O primeiro deles diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana na nova dogmática jurídica. Ao término da Segunda Guerra Mundial, tem início a reconstrução dos direitos humanos, que se irradiam a partir da dignidade da

31

TEPEDINO, Gustavo. op cit. p. 41-42

32

(35)

pessoa humana, referência que passou a constar dos documentos internacionais e das Constituições democráticas, tendo figurado na Carta brasileira de 1988 como um dos fundamentos da República (art. 1°, III). A dignidade humana impõe limites a atuações positivas ao Estado, no atendimento das necessidades vitais básicas, expressando-se em diferentes dimensões. No tema específico aqui versado, o princípio promove uma despatrimonialização e uma repersonalização do direito civil, com ênfase em valores existenciais e do espírito, bem como no reconhecimento e desenvolvimento dos direitos da personalidade, tanto em sua dimensão física, como psíquica.

O segundo desenvolvimento doutrinário que comporta uma nota especial é a aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas. O debate remonta à decisão do caso Lüth (v. supra), que superou a rigidez da dualidade público/privado ao admitir a aplicação da Constituição às relações particulares, inicialmente regidas pelo Código Civil33.

Em vista disso, certo é que as relações civis detém forte cunho patrimonial, tendo como evidência o fato de que seus principais institutos são a propriedade e o contrato. Não obstante, a primazia do patrimônio, como valor individual a ser tutelado nos códigos, deu lugar à pessoa humana, que passou a figurar como núcleo da relação jurídica. Neste aspecto afirma Lôbo:

A patrimonialização das relações civis, que persiste nos códigos, é incompatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana, adotado pelas constituições modernas, inclusive pela brasileira (artigo 1º, III). A repersonalização reencontra a trajetória da longa história da emancipação humana, no sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, passando o patrimônio ao papel de coadjuvante, nem sempre necessário.34

O fenômeno da constitucionalização do Direito Civil resultou, portanto, em importantes transformações no âmbito jurídico, dentre elas o fato de elevar os direitos fundamentais da pessoa, passando a dignidade da pessoa humana a ocupar um primeiro plano. Tepedino confirma:

Trata-se, em uma palavra, de estabelecer novos parâmetros para a definição de ordem pública, relendo o Direito Civil à luz da Constituição, de maneira a privilegiar, insista-se ainda uma vez, os valores não-patrimoniais e, em particular, a dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, os direitos sociais e a justiça distributiva, para cujo

33

BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 369-370.

34

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil, in: Revista de Informação Legislativa, vol. 36, 1999.

(36)

atendimento deve se voltar a iniciativa econômica privada e as situações jurídicas patrimoniais.35

Diante do exposto, é possível compreender que a proteção do direito à imagem é uma necessidade atual da sociedade brasileira e o fenômeno da constitucionalização do Direito fez com que as relações patrimoniais fossem diretamente influenciadas pelo princípio da dignidade da pessoa humana, dentre outros princípios constitucionais, e pelos valores sociais, buscando a conservação da higidez constitucional, através da tutela aos direitos personalíssimos.

Neste diapasão, de fato, o Código Civil perdeu a posição central que desfrutava no ordenamento jurídico, de modo que a noção de proteção da vida individual deu lugar à noção de integração do homem à sociedade, ratificando a tendência a uma justiça social. É na conjuntura de um Direito Civil constitucionalizado, preocupado em assegurar ampla tutela à pessoa humana, que se pretende a releitura dos institutos da responsabilidade civil, sobre a qual discorreremos no capítulo subsequente.

3. DANO À IMAGEM E SUA REPARAÇÃO

Como consequência da mudança de paradigmas ocasionada ao longo do século XX, no que concerne à responsabilidade civil, ao jurista incumbe o dever de garantir a ampla tutela da pessoa humana, assegurando a consequente reparação ao dano causado. O bem jurídico a ser tutelado pela reparação ao dano à imagem é, como o próprio termo sugere, a imagem, a reputação, isto é, o juízo que a sociedade faz do lesado.

35

(37)

Devido ao seu caráter patrimonial, a imagem vem sendo explorada como produto e, muitas vezes, de maneira inconsequente e às margens da lei. É sabido que a mera utilização indevida da imagem alheia é passível de gerar reparação, independentemente de haver ou não lesão a outro direito.

Deste modo, conforme já demonstrado, a reprodução da imagem somente pode ser autorizada pelo seu titular, ressalvadas as hipóteses expressas no art. 20, do Código Civil. Isto posto, se faz necessária a análise da responsabilidade civil frente aos danos à imagem, que faremos a seguir.

3.1. Dano à imagem

O dano à imagem será configurado quando esta for utilizada contra a vontade do indivíduo, nos casos não autorizados em lei, acentuando-se a lesão quando houver exploração dolosa, culposa e/ou pecuniária, e ainda causar desonra para o seu titular. Assim, “o titular da imagem tem o direito de aparecer se, quando e como quiser, dando, para tanto, seu consentimento, e também tem o direito de impedir a reprodução, exposição e divulgação de sua imagem e, ainda, o de receber indenização por tal ato desautorizado36”.

Do dano causado advém, consequentemente, a responsabilidade civil, partindo do pressuposto de que ao violar um dever jurídico através de um ato lícito ou ilícito, surge para o agente o dever de reparar. Todo e qualquer indivíduo possui o dever jurídico originário de não

36

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7., 21. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p.174

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