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Das crianças portuguesas e nativas no Brasil quinhentista

CAPÍTULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.2 A Criança em Foco – Contexto Histórico

1.2.4 Das crianças portuguesas e nativas no Brasil quinhentista

Quando se pensa sobre o início da colonização do Brasil, logo vem à mente a imagem de homens com suas vestes reais, primeiro desbravando os mares e, passado o tempo, desvelando as matas e assustando um povo desconhecido e assustado, enraizado em seus costumes e valores. Raramente, nessas imagens se lembra da figura da criança, tanto das embarcações portuguesas, como das nativas indígenas. No entanto, essas crianças estavam lá, caladas, anônimas e também assustadas. As que conseguiam sobreviver das embarcações portuguesas, com um repertório que incluía sofrimento e humilhação e, as que se encontravam na colônia, uma espécie de papel em branco onde deveriam se imprimir a doutrina da Companhia de Jesus poucos anos mais tarde.

Nesse contexto, segundo Chambouleyron (Cf. 2015), no Brasil quinhentista, desembarcavam, na data de 29 de março de 1549, especificamente na Vila Velha quatro padres e dois irmãos da Companhia de Jesus, liderados pelo padre Manuel da Nóbrega. O irmão Vicente Rijo era o responsável pelo ensino das crianças, na doutrina e no aprendizado da leitura e da escrita. Rijo tinha como seguidor o irmão Diogo Jácome, na capitania de Ilhéus, onde segundo o padre Nóbrega ele conquistava muitos frutos ao ensinar a ler e escrever as crianças. O autor esclarece que apesar do propósito inicial da Companhia de Jesus ser essencialmente de ordem missionária, aos poucos se estabeleceu também como ordem docente, sempre preocupados com uma educação que valorizasse as virtudes e valores defendidos pela Companhia sempre numa perspectiva de educar, mas convertendo os gentios de suas práticas inaceitáveis, como a antropofagia, a nudez e a poligamia. Nesse sentido, a educação das crianças indígenas implicava numa transformação radical de suas vidas.

Ao pesquisar sobre o início das colônias percebe-se a presença das aulas de ler, escrever e contar com o único fim da catequese das crianças. Interessante destacar que, segundo Cagliari (Cf. 2007), historicamente a palavra cartilha advém da palavra carta, sendo este seu diminutivo. Nesse período era muito comum usar o método das cartas para alfabetizar catequisando. O termo cartilha surgiu, no Brasil, mais recentemente. As cartinhas como método de alfabetização auxiliavam as crianças a conhecerem o catecismo e decorarem o que ali se apresentava como conhecimento, pois, nesse período a alfabetização não era uma questão de escolaridade, o que ocorrerá mais adiante. O surgimento das cartilhas como material didático se deu primeiro em Portugal e era muito usado nas colônias da Coroa. Ainda, segundo este autor, a primeira cartinha mais famosa que chegou ao Brasil foi a de João de Barros na primeira metade do século XVI.

No período em que a Companhia de Jesus chegou ao Brasil, na Europa o olhar para a infância estava passando por transformações, como já ressaltado anteriormente. A criança começa a sair do anonimato em que vivia e passa a uma nova concepção do sentimento da infância, na qual a Igreja e o Estado tiveram papel preponderante. No Brasil, nesse mesmo período esse movimento, segundo Gélis (Cf. 1991) contribuiu para que a Companhia de Jesus escolhesse as crianças indígenas como o papel branco em que se desejava escrever e inscrever- se, compreendendo que se as crianças fossem ensinadas a ler e a rezar, assim se constituiria uma nova cristandade, bem doutrinada.

Para Chambouleyron (Cf. 2015), a segunda metade do século XVI assistiu ao lento, e às vezes problemático, estabelecimento da Companhia de Jesus no Brasil. Em razão de sua vivência apostólica e da própria descoberta da infância, os padres entenderam que era sobre as crianças, essa “cera branda”, que deviam imprimir-se os caracteres da fé e virtude cristãs. Para isso elaboraram estratégias e projetos, que se transformavam à medida que se consolidava a própria conquista portuguesa na América, e que seguiam os ventos que traziam e enviavam suas cartas ao Velho Mundo. Segundo o autor, não é descabida a imagem do padre Serafim Leite, ao afirmar que a política de instrução dos padres consistia em abrir sempre uma escola, onde quer que erigissem uma igreja, obviamente com a finalidade do aprendizado da doutrina.

Nesse ínterim, foi organizada uma estrutura que viabilizasse o aprendizado e a catequese das crianças indígenas, mestiças e também dos filhos dos portugueses. Essa estrutura, basicamente, se dividia em escolas espalhadas pelas aldeias onde residiam os padres. Nessas escolas das aldeias, as crianças dedicavam de três a quatro horas de seu dia, depois de pescar para sua família e subsistência. Após as aulas voltavam para as casas de seus pais.

Também existiam escolas de ler e escrever das casas da companhia espalhadas pelas diversas capitanias. Chambouleyron (Cf. 2015) afirma que na Carta Ânua de 1583, o provincial da Companhia de Jesus, padre Anchieta, relatava os inúmeros progressos que se faziam com os meninos índios em várias casas, notadamente a de São Paulo de Piratininga e a do Espírito Santo, onde as crianças davam excelentes mostras de virtudes, bons costumes e aprendizado das letras, e ainda, muitos dos estudantes mais antigos ajudavam os padres e muitos davam-se a ofícios, pois além da formação cristã e educação das crianças da terra, com o objetivo de constituir um povo cristão, a organização de um clero nativo, a partir dos meninos mais habilidosos, mobilizou a Companhia de Jesus no século XVI.

Em 1585, segundo o autor, o padre Anchieta, relata que existiam quatro casas - Porto Seguro, Espírito Santo, São Vicente e São Paulo de Piratininga e - três colégios, o de Pernambuco, com quarenta estudantes de ler e escrever, filhos de portugueses, o da Bahia, com

setenta no total, e o do Rio de Janeiro, com trinta. A rotina desses colégios, bem como, o que se ensinava com relação aos conteúdos, se diferenciava das escolas das aldeias. Nos colégios se estudava latim, gramática, artes e humanidades e nas aldeias não. No entanto, em ambos os espaços o foco seria a doutrinação.