• Nenhum resultado encontrado

De 1945 ao final dos anos 1960: da prosperidade à grande crise

3 A HISTÓRIA SOCIOECONÔMICA DA SOCIEDADE DE ORIGEM

3.4 A ECONOMIA E SOCIEDADE GAÚCHA NO SÉCULO XX E INÍCIO DO SÉCULO

3.4.3 De 1945 ao final dos anos 1960: da prosperidade à grande crise

A partir do primeiro semestre de 1945 as exportações gaúchas para o exterior esbarraram em dificuldades cambiais dos países importadores, da retomada da produção por parte daqueles afetados pela guerra, do protecionismo e da sobrevalorização da moeda nacional que elevava o preço do produto nacional. Contudo, tal conjuntura não chegou a afetar negativamente a economia gaúcha porque houve a reorientação dos embarques para o mercado nacional.

Mas o Rio Grande do Sul continuava com sérios problemas estruturais que impediam uma maior integração aos mercados nacionais. Transportes e energia eram os principais deles. Era crucial a solução destes gargalos para um incremento no dinamismo e desenvolvimento da economia rio-grandense.

Somente na década de 1960 é que o abastecimento de energia elétrica vai suprir a demanda do estado. Até então a energia era produzida por particulares, que somadas todas as fontes (geralmente geradores de pequeno porte movidos a óleo) possuíam uma capacidade maior do que as fornecidas pela Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) (MÜLLER, 1998).

O setor de transportes, ainda que tenha recebido algumas melhorias, não chegou a ver os seus problemas efetivamente resolvidos. Tanto o setor ferroviário quanto rodoviário receberam recursos significativos e receberam melhoras, mas ainda aquém da necessidade real do estado. Esta situação contribuiu para a estagnação econômica do Rio Grande do Sul a partir dos anos 1950. Juntamente com a geração de energia elétrica, o setor de transportes é crucial para a promoção do desenvolvimento industrial. Durante a década de 1940 até meados

dos anos 1950, os dois setores passaram por melhorias, mas não a ponto de suprir as necessidades de um estado que se industrializava e urbanizava a passos largos. A indústria passava por mudanças importantes, demandando uma maior quantidade de energia para continuar produzindo (Tabela 2).

Tabela 2 – Estrutura da produção industrial no Rio Grande do Sul (Em CRS 1.000 a preços de 1949)

1949 1959 1965

Valor % Valor % Valor %

Bens de capital 162 1,73 875 3,85 2.027 6,23 Bens intermediários 2.140 22,81 6.581 28, 97 8.555 26, 31 Bens de consumo duráveis 215 2,29 636 2, 80 1.111 3, 42 Bens de consumo não duráveis 6.893 73,17 14.627 64, 38 20.285 64, 04 TOTAL 9.380 100 22.719 100 32.518 100 Fonte: FEE (1987, p. 32).

A indústria sul-rio-grandense, mesmo passando por mudanças continuava amplamente ligada à produção primária. Mesmo as indústrias de bens intermediários e bens de capital possuíam forte ligação com o setor agropecuário que começara a entrar em crise ainda no início dos anos 1950, particularmente os produtos voltados ao mercado interno.

Com o Plano de Metas o governo Juscelino Kubitscheck privilegiou a industrialização na região mais rica do país. O Rio Grande do Sul ressentiu-se desta política, pois os investimentos federais no estado tiveram uma redução drástica, fazendo com que o Estado assumisse a conta dos investimentos em sua infraestrutura. A falta de investimentos no Rio Grande do Sul não permitiu que o estado acompanhasse São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, mantendo o Rio Grande ainda parcialmente integrado aos mercados mais importantes do país. Neste momento o Rio Grande do Sul chegou ao seu limite de desenvolvimento baseado nas exportações de produtos agropecuários e bens de consumo de origem primária para o resto do país. Os estados do sudeste tomam a dianteira destes mercados tradicionais da economia gaúcha. Estes estados passam a ser os grandes responsáveis pela agroindústria do país, posição ocupada pelo Rio Grande do Sul até então. Assim descreve Geraldo Müller (1993, p. 164) acerca da limitação do modelo de desenvolvimento gaúcho a partir dos anos 1950:

o período que vai de 1930 a 50, aproximadamente, pode ser entendido como uma fase na qual os constituintes do modelo histórico de acumulação e dominação gaúcha são explorados ao máximo e sempre a favor das classes agropecuárias e industriais dominantes [...] a partir dos anos 1950, os produtos dessa exploração intensiva passam do ativo para o passivo da conta de poder dessas classes que, para se manterem enquanto tais, deveriam dar prosseguimento à forma de industrialização das matérias-primas regionais sem mexer na estrutura fundiária.

A indústria de bens de consumo não duráveis, carro chefe da indústria rio-grandense entra em franca decadência na metade dos anos 1950. A concorrência de outros estados mergulha este setor da indústria gaúcha numa crise de grandes proporções. Assim descreve a Fundação Estadual de Economia e Estatística (FEE) sobre a crise da indústria gaúcha entre 1950 e 1965:

O período de 1950-65 (aproximadamente) foi bastante desfavorável à indústria gaúcha. Ao iniciar-se essa fase intensa de integração do mercado nacional, a indústria do Estado partiu de uma situação de desvantagem, tanto no que se refere à sua base tecnológica (baixa produtividade) como devido à deficiência crônica de sua infra-estrutura energética e de transportes. A perda mais palpável localizou-se nos chamados setores antigos [...] cujo peso na estrutura interna da indústria do Rio Grande do Sul tem sido proporcionalmente elevado. [...] esse conjunto de atividades industriais (principalmente os gêneros produtos alimentares, têxtil, vestuário, bebidas, fumo, couros e peles, madeira e extração de minerais) foi atingido pela combinação de duas forças que atuaram em sentido desfavorável à economia do Rio Grande do Sul. De um lado, na reestruturação das necessidades sociais (ou seja, na alteração do perfil da demanda) a nível da economia brasileira, esses setores perderam participação. O efeito sobre a economia regional foi evidentemente maior, devido à maior representatividade desses segmentos produtivos na estrutura da indústria local. De outro, a integração do mercado nacional atingiu de forma intensa a esses ramos de atividade, pelo simples fato de serem antigos, ou seja, de já existirem na maioria das regiões quando se intensifica aquele processo de unificação. Há varias indicações que os diferenciais de produtividade favoreceram, em regra ao segmento localizado em São Paulo, dando-lhe vantagens competitivas que sufocaram e até eliminaram parte de setores industriais situados nas demais regiões (FEE, 1983, p. 394).

Müller (1993) resume as barreiras ao desenvolvimento do estado à época da seguinte forma: a) dificuldades pela distância em relação ao grande mercado consumidor nacional do Sudeste; b) falta de uma indústria de base regional, muito em função do porte do mercado estadual para os produtos deste segmento (aço, cimento, derivados de petróleo, autopeças, etc.); c) graves deficiências nos setores de transporte, energia e comunicações; d) falta de escala de produção para concorrer com as indústrias do Sudeste e; f) escassez de capital para financiar os investimentos, pois o padrão de acumulação e as características da ocupação territorial do estado implicavam em baixas taxas de poupança, pulverização de pequenas unidades produtivas e índices elevados de imobilização.

Por fim, a situação das contas públicas estaduais começa a se deteriorar no início dos anos 1950. Até os anos 1930 o Rio Grande do Sul tinha uma tradição de austeridade na

administração de suas contas com poucos casos de déficit orçamentário. A partir da segunda metade dos anos 1930 a situação começa a mudar, os déficits tornam-se cada vez mais frequentes.

No que tange a estrutura fundiária do estado, a valorização das exportações, basicamente de produtos primários e/ou agroindustriais provocou a valorização do preço da terra.

Persiste, em marcha ascendente a valorização da propriedade rural imobiliária, no Estado. Já em relatório anterior, havíamos fixado as linhas gerais desta situação e o receio, hoje justificado, de que não se haviam encontrado ainda os limites dessa surpreendente majoração de valores [...] (BANCO DO RIO GRANDE DO SUL, 1957, p. 71) (grifo nosso).

O documento demonstrava que a valorização da terra baseava-se em expectativas, mais do que em avaliação real da terra como fator produtivo, sugerindo um processo de especulação imobiliária. Na região da Campanha a valorização era frequentemente superior a 300%.

No Alegrete, em sete anos, o valor mínimo da terra passara de Cr$ 9.000,00 para Cr$ 35.000,00, e em Uruguaiana, de Cr$ 16.000,00 para Cr$ 45.000,00. O preço mínimo dos campos de Vacaria passou de Cr$ 15.000,00 para Cr$ 70.000,00. As colônias de Antônio Prado tiveram suas cotações multiplicadas por quatro. Nas áreas de ocupação mais recente, o aumento foi ainda maior: de Cr$ 5.000,00 para Cr$ 50.000,00 no preço mínimo, em São Luiz Gonzaga (BANCO DO RIO GRANDE DO SUL, 1957, p. 71,).

De caráter especulativo, o valor das propriedades rurais no Rio Grande não condizia com seu real valor em termos de geração de riqueza. A terra passa a se tornar cada vez mais uma reserva de valor. Isto gera um impacto profundo nas áreas rurais do estado. O processo de fracionamento das propriedades, principalmente nas zonas coloniais, faz com que a busca por áreas para produzir passem a extrapolar os limites estaduais. Além do êxodo rural em direção aos centros urbanos do próprio estado, uma leva de agricultores sai em busca de terras nos estados vizinhos de Santa Catarina e Paraná. Este movimento se intensifica nos anos 1970. Nesta década o Rio Grande do Sul se torna cada vez mais um estado expulsor de população. O Paraná se torna a grande fronteira agrícola do país ainda nos anos 1950/60. O Rio Grande, 5a maior população do Brasil desde os anos 1920 perde esta posição para o Paraná.

No Rio Grande do Sul, assim como de resto o Brasil, a população urbana superou a rural durante a década de 1960, embora a urbanização fosse acelerada desde a década anterior. O processo ocorreu de forma bem distinta entre as regiões do estado. Na Campanha, o

crescimento das cidades se deu de forma bastante lenta. A maioria das cidades mais importantes desta região expandiu menos do que 50% em dez anos. Das 66 cidades com mais de 5 mil habitantes em 1960, as que menos cresceram foram desta região, a saber: Santana do Livramento (25,9%), Jaguarão (24,1%) e Rosário do Sul (27,1%). As cidades que mais cresceram situavam-se nas margens da BR-116, próximas a Porto Alegre, com destaque para Canoas, que obteve uma expansão demográfica de aproximadamente 380%. A capital passa a ter um freio no seu crescimento, com uma taxa total de 61,6% entre 1960 e 1970 (FEE, 1983, MÜLLER, 1998).

Ainda na década de 1950 a pressão demográfica nas áreas rurais da zona colonial se acentuou, com a população se expandindo nas pequenas propriedades com menos de 50 hectares. Isso se refletiu no processo de urbanização mencionado anteriormente, bem como na migração de gaúchos em direção a Santa Catarina e Paraná. Isto ocorreu em razão da estrutura fundiária dos municípios de origem dos migrantes, predominantemente formados por minifúndios.