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Motivações da emigração contemporânea de gaúchos do Rio Grande do Sul

Mapa 5 Regiões Funcionais de Planejamento e COREDEs Rio Grande do Sul (FEE)

6.1.2 Motivações da emigração contemporânea de gaúchos do Rio Grande do Sul

Através dos trabalhos de Souza (2001, 2004), Amorim (1996) e os levantamentos feitos na hemeroteca do Diário Oficial do Estado de Roraima, observou-se que a Região Metropolitana de Porto Alegre não constava como uma área fornecedora de imigrantes gaúchos. Ainda que essas fontes tenham suas especificidades, não podemos descartar que este seja um elemento novo na migração contemporânea de gaúchos para Roraima. Nas entrevistas e conversas informais com os gaúchos pioneiros, em nenhum momento foi citado algum gaúcho que teria vindo da capital e de seus arredores. Sem dúvida nossa amostra não é probabilística e assim não podemos afirmar categoricamente que a região metropolitana de Porto Alegre seja hoje um campo emigratório para Roraima, mas não se podem desconsiderar os indícios encontrados na nossa pesquisa.

A explicação para que haja uma quantidade importante de pessoas deixando a região metropolitana de Porto Alegre passa por questões levantadas por autores como Brito (2007), no sentido de que as regiões metropolitanas vêm reduzindo os seus atrativos em função de diversos problemas como violência, trânsito, falta de emprego, etc.

A região metropolitana de Porto Alegre (RMPA) é composta por 31 municípios e possui uma população total de aproximadamente 4,0 milhões de habitantes, o que lhe confere a quarta posição entre as maiores regiões metropolitanas (RMS) do país, atrás apenas de São Paulo (19,6 milhões), Rio de Janeiro (11,7 milhões) e Belo Horizonte (5,5 milhões). Suas cidades mais populosas são Porto Alegre (1,4 milhão), Canoas (324 mil), Gravataí (255,6

mil), Viamão (239,4 mil), Novo Hamburgo (238,8 mil) e São Leopoldo (214 mil), que somadas possuem uma população residente de 2, 67 milhões de habitantes. Possui uma dinâmica econômica bastante diversificada, caracterizada por uma pujante indústria, destacando-se os setores químico e petroquímico, de refino de petróleo, automobilístico, materiais elétricos e de transportes, metalúrgico, de hardwares e suprimentos de informática, automação industrial, robótica, alimentícios, coureiro-calçadista, dentre outros.

A exceção de Viamão, estas cidades podem ser consideradas o núcleo duro da RMPA, pois são sedes das principais empresas dos setores mencionados anteriormente. Em Canoas se encontra, por exemplo, a Refinaria de Petróleo Alberto Pasqualini, da Petrobrás, em Novo Hamburgo fica a empresa Basf e em Gravataí existe uma montadora de automóveis da General Motors do Brasil. Aliás, Gravataí conta com o distrito industrial que é um dos mais importantes do país.

Entretanto, as maiores virtudes destas cidades desapareceram diante da violência urbana, do desemprego, das dificuldades de acesso aos serviços públicos básicos, como transporte e saneamento e à moradia. As externalidades positivas das grandes cidades, particularmente das RMS foram superadas pelas externalidades negativas. O mercado de trabalho se tornou extremamente rígido, com uma cadeia de pré-requisitos educacionais e de treinamento extremamente excludentes (BRITO, 2007). Por outro lado, a ampliação da oferta de vagas no ensino superior e o crescimento dos cursos técnicos profissionalizantes tem aumentado significativamente o número de pessoas qualificadas para o mercado de trabalho, contribuindo para uma maior concorrência pelas vagas de emprego.

Tem ocorrido ainda, nos últimos anos, uma descentralização da atividade produtiva das RMS em direção aos municípios do interior, gerando um processo de desconcentração regional. No caso gaúcho, os eixos Caxias-Bento Gonçalves, na serra e Rio Grande – Pelotas, no sul do estado, vem experimentando uma forte expansão industrial. Está ocorrendo um processo denominado de “deseconomias de escala e de aglomeração” nas grandes cidades, advinda da falta de oportunidades laborais, da violência urbana, de maiores exigências para a inserção no mercado de trabalho, da poluição e da fragilidade das políticas públicas em diversos setores. Isto tem concorrido não só para a mudança na direção das migrações no país, como contribui para a emigração de residentes das RMS para outras áreas. É isto que revelam alguns depoimentos de nossos entrevistados:

Eu saí de Porto Alegre não foi por causa de falta de dinheiro, não foi pela questão financeira. Tenho a minha família, meu filho, minha mulher. Eu, eu quero tá mais perto e isso foi o que me fez sair de Porto Alegre. Eu tinha minha oficina em Porto Alegre, mas morava em Viamão. Pra eu morar em Porto Alegre, no bairro que eu

queria, que era a Cidade Baixa, onde ficava minha oficina, não dava. Lá só morando em apartamento e eu não ia sair da minha casa em Viamão pra morar num apartamento. A minha casa era muito boa, num lugar bom. Não queria trancar meu filho num apartamento. Eu queria tá próximo dele. Isso até poderia acontecer em Porto Alegre, mas as dificuldades são as distâncias. A dificuldade da distância acabou afastando a família. Eu cheguei a ficar dois dias sem ver meu filho. Preocupação com o meu filho. O que está ocorrendo aqui? A questão das drogas, da violência. Estudo a gente podia dar lá, mas os problemas eram esses (Sr. Matuzalém, 47 anos, mecânico, residente em Roraima desde 2010) (05/01/12).

Já o senhor Sepé Tiaraju, 40 anos, servidor público e residente em Roraima desde 2011 nos conta que:

Eu trabalhava na Caixa em Porto Alegre, mas morava em Viamão. Tava cansado daquela correria de Viamão, Porto Alegre, trânsito, buzina, violência. Eu queria continuar estudando, por causa da minha vida lá no sul eu parei uns 10 anos. Aí entrei na Caixa e consegui voltar a estudar, mas não conseguia avançar. O trabalho no banco me consumia muito, chegava cansado e não dava pra estudar mais. Podia ter permanecido na CEF lá no sul, o salário não era grande coisa, mas juntando com o dela (referindo-se a esposa) dava pra viver. Mas eu queria estudar mais e nem meu trabalho nem o ritmo da cidade me permitiam isso. Lá eu ficava mais de uma hora no trânsito pra ir trabalhar e mais uma hora e tanto pra voltar pra casa (11/12/11).

O senhor Falcão, 31 anos, morando pela segunda vez em Roraima desde 2011, empresário, relata que:

Um dos principais problemas que eu tinha em Porto Alegre e que me fizeram sair de lá foi a poluição. Eu tenho asma e lá em Porto Alegre eu sofro muito, velho. Eu gosto de correr e lá eu não podia fazer isso nunca. O clima e a poluição não permitiam. Eu vivia tomando remédio lá. Não tinha qualidade de vida. A violência também. Direto eu tinha amigos que eram assaltados. Porto Alegre não me oferecia mais nada, não tinha nada que me segurasse lá. Era uma cidade estressante, grande, violenta, não dava mais (08/11/12).

O senhor Oswaldo, 30 anos, residente em Roraima desde 2008, conta que:

Eu saí de lá porque precisava mudar de ares. Eu trabalhava em Esteio, mas minha família morava em Sapucaia. Meu trabalho lá já tava ficando estressante. Esse negócio de cidade grande tem uma hora que enche o saco. Eu não morava em Porto Alegre, mas ia muito pra lá a serviço. E pras festa também. Tu sabe, ali é tudo a mesma coisa, Porto Alegre, Canoas, Esteio. Às vezes tinha que pegar ônibus, trem, era um porre. Tava mesmo precisando mudar de ares (12/11/12).

Finalmente, o senhor Jânio, morando pela segunda vez em Boa Vista desde 2009, relata sobre sua primeira ida para Roraima, em 2006:

Lá no Rio Grande do Sul eu tava passando uma fase terrível lá, cara. Não tinha emprego, não tinha nada. Novo Hamburgo era complicadíssimo. Eu era funcionário do meu pai, eu não tinha um negócio meu. Eu queria sair daquela dependência (03/01/12).

Após viver em Boa Vista entre fevereiro e dezembro de 2006, o senhor Jânio volta para o Rio Grande do Sul (Novo Hamburgo), onde permanece até fevereiro de 2009, quando

retorna para Roraima. Assim descreve o depoente sobre sua permanência no retorno ao Rio Grande do Sul e os motivos da nova saída:

Aí voltei pra lá, ficamos uns 2 anos. E foi muito difícil, tive que voltar a trabalhar com o meu pai. Eu não cheguei a me profissionalizar em nada né, e lá cara, sem capacitação, sem qualificação tu não arranja emprego em canto nenhum. Até com estudo é difícil. Sem estudo lá, não rola nada nada nada (03/01/12).

Constatamos através dos depoimentos que fatores relacionados com os problemas dos grandes centros urbanos contribuem para saída de pessoas destas cidades. Um fato a destacar aqui se relaciona com a dinâmica da região metropolitana, onde as cidades do entorno do centro – no caso Porto Alegre – acabam por se tornar cidades dormitório, obrigando aos trabalhadores a realizarem diariamente movimentos pendulares entre os dois lugares.

A fotografia 5 mostra o estabelecimento comercial de um gaúcho contemporâneo em Roraima:

Fotografia 5: Churrascaria “Churrasco do Gaúcho”. Av. Santos Dumont. Bairro Canarinho. (Foto: Pedro M. Staevie, 2012)

Sem dúvida que uma gama de motivos leva ao deslocamento de populações. Ainda que possam ser divididos entre estruturais, conjunturais e subjetivos, distintas são as motivações que levam os indivíduos a se deslocarem no espaço. No quadro 4 mostramos os motivos que levaram os nossos entrevistados a deixarem o Rio Grande do Sul, usando as expressões utilizadas pelos depoentes ou palavras que expressem sucintamente tais motivações. O quadro mostra também o tipo de migração empreendida pelo migrante. Quando o último local de residência era o próprio Rio Grande do Sul, esta migração foi considerada como direta, mesmo que o migrante tenha empreendido retorno antes de se mudar definitivamente para Roraima. No caso de o último local de residência ser outro que não o estado gaúcho, a migração foi indireta, pois houve um lugar de moradia intermediário entre os dois estados.

Merece destaque o fato que a maioria (22) dos migrantes empreendeu migração direta entre o Rio Grande do Sul e Roraima, isto é, tinham como último local de residência o estado gaúcho. Isto significa que não fizeram uma parada intermediária entre os dois estados, ou, dito de outra foram, não moraram em nenhum outro estado no seu “caminho” entre o Rio Grande do Sul e Roraima.

Quadro 4 – Tipo de migração e motivos para a saída do Rio Grande do Sul

Número do entrevistado Tipo de migração Motivos para a saída do RS

1 Indireta Falta de perspectiva de ascensão profissional no RS 2 Direta Financeiro.

3 Direta Falta de qualidade de vida. Financeiro. 4 Direta Problemas da cidade grande. Independência dos pais 5 Direta Problemas da cidade grande. Falta de qualidade de vida. 6. Direta Instabilidade financeira.

7 Indireta Financeiro.

8 Direta Realização profissional e passional. 9 Direta Dificuldades no estudo. Estudo caro. 10 Direta Financeiro

11 Indireta Acompanhar a família 12 Direta Falta de emprego. Concorrência 13 Indireta Aventura.

14 Direta Financeiro. Independência dos pais. 15 Direta Acomodação. Falta de desafios. 16 Direta Acomodação. Falta de desafios. 17 Direta Financeiro. Falta de desafios. 18 Direta Falta de desafios. 19 Direta Financeiro

20 Direta Falta de perspectiva de ascensão profissional no RS 21 Indireta Aventura

22 Direta Obrigado. Transferência.

23 Direta Falta de perspectiva de ascensão profissional no RS 24 Direta Profissional

25 Direta Problemas de cidade grande. Falta de qualidade de vida. Falta de desafios.

26 Indireta Financeiro. Custo para manter o negócio 27 Direta Problemas de cidade grande. Acompanhar a namorada.

Independência dos pais.

28 Direta Problemas de cidade grande. Falta de qualidade de vida

Pelo menos cinco de nossos entrevistados relataram que um dos principais motivos para a saída do Rio Grande do Sul era relacionado ao problema da qualidade de vida nas cidades onde moravam. Todos que relataram este motivo eram procedentes da Região Metropolitana de Porto Alegre.

Outro ponto de destaque que constatamos como motivos para a saída do Rio Grande do Sul foi a falta de desafios que aquele estado proporcionava aos futuros migrantes. Como nos relataram alguns de nossos entrevistados, “no Rio Grande do Sul a gente se acomoda”. Para pelo menos cinco dos nossos entrevistados, o que os levou a deixar o Rio Grande do Sul foi por não terem mais desafios profissionais e pessoais em suas vidas. Alguns atribuíram isso a uma possível cultura gaúcha de migração. O senhor Elias Figueroa nos disse que:

Eu sou de família italiana. Meus parentes vieram da Itália pra cá sem nem saber pra onde estavam indo direito. Só sabiam que era do outro lado do oceano. E trabalharam muito. Eu achava muito pouco nascer e morrer no mesmo lugar. Tá no sangue, a gente precisa de desafios. Eu queria desbravar umas terras.

Chama a atenção ainda que na quase totalidade dos casos, mesmo quando relatado que o motivo da saída do Rio Grande do Sul foi financeiro, tais problemas não constituíam uma situação desesperadora, na qual a única saída seria migrar para outro lugar. Muitos relataram sim os problemas financeiros como motivadores da emigração, mas a sua maioria relatou que “a gente não tava mal, mal, não ia morrer de fome”, “apesar dos problemas a gente ia conseguir viver”, etc. A migração destes gaúchos, portanto, não foi uma migração por sobrevivência. Ainda mais se pensarmos que a maioria dos migrantes veio direto do Rio Grande do Sul para Roraima. Não foram “subindo” tentando a vida em outros lugares. O lugar primeiro depois do Rio grande do Sul foi justamente Roraima.

Mais um ponto de extrema importância que constatamos refere-se à necessidade de alguns entrevistados em ter uma independência em relação aos pais. Os três entrevistados que alegaram este motivo tinham 27, 28 e 35 anos nas suas saídas do Rio Grande do Sul. Estudos apontam que cada vez mais os filhos têm permanecido na casa dos pais ou dependido financeiramente deles por um período cada vez mais longo, o que tem se chamado de geração canguru. No nosso caso verificamos que havia certo constrangimento por parte destes filhos, havendo a necessidade de migrar para desatar estas amarras, visto que no Rio Grande do Sul isso não seria possível. Os entrevistados deixaram a entender, mesmo que possa não ter sido dito de forma explícita, que os pais ajudariam, que não se importavam com a situação. Entretanto, houve uma necessidade subjetiva para realizar a migração, se desvencilhar do incômodo de depender, de alguma forma, da ajuda dos pais. Penso ser este ponto um bom

elemento para estudos futuros. Não que seja uma novidade, pois as teorias que tratam da relação da migração com o ciclo de vida já abordam esta questão, mas focam principalmente em elementos como o casamento, o divórcio, o nascimento dos filhos, a entrada na vida adulta.

Outro elemento que se relaciona ao ciclo de vida e trajetória profissional diz respeito ao início da vida adulta, ou, mais especificamente, o início da vida laboral. Alguns de nossos entrevistados viviam esta situação. Eram recém-formados e necessitavam adentrar ao mercado de trabalho e, dadas as dificuldades que encontravam no Rio Grande do Sul, a migração se tornou a possibilidade de conseguir isso. Vemos no quadro 1 que o nível de escolaridade dos imigrantes estudados é relativamente alto. Os 28 imigrantes entrevistados, nas suas chegadas a Roraima, possuíam os seguintes graus de escolaridade (último grau): Doutorado (1); Mestrado (3); Especialização (2) Superior Completo (6); Superior incompleto (6); Ensino Médio Completo (4); Ensino Médio Técnico Completo (3) Ensino Médio Incompleto (2) e Ensino Fundamental Incompleto (1). Portanto, 12 possuíam o ensino superior completo e outros seis estavam cursando a faculdade quando chegaram ao estado. Eram, portanto, em boa parte, pessoas qualificadas ao mercado de trabalho.