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Mapa 1 Distribuição de gaúchos vivendo em outros estados da federação

4 FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA E A EXPANSÃO DA OCUPAÇÃO TERRITORIAL DE RORAIMA

4.1 DO PERÍODO COLONIAL AO INÍCIO DOS ANOS

Os portugueses somente fincaram o pé na região amazônica no ano de 1616, com Francisco Caldeira Castelo Branco, quando fundaram o Forte do Presépio, origem da cidade de Belém do Grão-Pará. Porém, somente em 1637 é que Pedro Teixeira delimita o território da Amazônia aos portugueses, a partir do lugar da antiga povoação de Franciscana, no alto rio Solimões. Um dos afluentes da margem esquerda do Rio Negro foi denominado de Rio Branco, devido à tonalidade de suas águas. Quando da chegada dos europeus à região, esta era ocupada por populações indígenas. No caso de Roraima a maioria das etnias era oriunda do Caribe.

O conhecimento do rio Branco ocorreu somente após primeira viagem portuguesa de exploração ao rio Negro, realizado por Pedro Teixeira em 1637, como relata Nadia Farage em seu livro Muralha dos Sertões, mostrando a necessidade de ocupar a área:

Nesse quadro, a ocupação efetiva do Rio Branco tornou-se uma questão central para os portugueses: já que a tropa de guerra enviada ao Brasil para combater os espanhóis levava não só a ordem de expulsá-los, mas também de iniciar a construção de uma fortaleza e o aldeamento de índios na região. (FARAGE, 1991, p. 123) Em 1752 os portugueses iniciam a construção da Fortaleza de São Joaquim num local estratégico:

à margem direita do Tacutu, no ponto de junção deste rio com o Uraricoera para formar o rio Branco, posição esta recomendada pelos estrategistas portugueses por permitir o controle da passagem de ambos os rios ao Branco. Impedido assim para o futuro quaisquer tentativas de invasão ao rio Negro por parte dos vizinhos espanhóis e holandeses (FARAGE, 1991, p. 123).

Num primeiro momento existiam outros motivos para a ocupação da região do Rio Branco, na época: “sua importância para o mercado interno colonial como zona de suprimento de escravos índios e sua posição estratégica” (FARAGE, 1991, p. 55). Com a passagem da região do Rio Branco para o mercado interno colonial, o apresamento de índios passa a não ser mais um empreendimento da Coroa Portuguesa. Este negócio passa a ser realizado por pequenos traficantes, tais como Francisco Ferreira, isso com o apoio sistemático do Estado. Já nas últimas décadas do século XVIII o objetivo não era somente militarizar a região do Rio Branco, mas também povoá-la com civis. A região contava àquela época com poucos civis,

alguns missionários, que eram também responsáveis pelos aldeamentos e militares. É somente em 1790 que “os civis tornaram-se residentes do rio Branco, por ordem do Governador da Capitania do Rio Negro, Lobo D’Almada, que substituiu os diretores militares dos aldeamentos indígenas por civis” (RODRIGUES, 1996, p. 22).

No entanto, a chegada de civis à região ocorreu muito timidamente e foi logo interrompida pela Guerra Civil Portuguesa de 1830, onde a militarização ficou desestabilizada, além da dissolução da guarda nacional 1873.

Apesar de o Decreto Imperial nº 662 de 22/12/1849 determinar a instalação de colônias militares, e a Portaria de 26/05/1850 que o regulamenta, fixar o alto do Rio Branco como local prioritário, não havia recursos nem contingente para concretizar essas medidas segundo informavam seguidamente a presidentes da província do Amazonas à corte (SANTILLI, 1997, p. 18).

A partir desses acontecimentos a região do rio Branco deixou de ser uma colonização militar. Somente nas ultimas décadas do século XIX é que se reinicia o povoamento, através da introdução da pecuária na região.

Em 1787, Manoel Lobo D’Almada, então governador da Capitania do Rio Negro, introduziu as primeiras cabeças de gado na região do rio Branco. Em consequência disso foram criadas as Fazendas Reais que posteriormente receberam o nome de Fazendas Nacionais. “O objetivo da instalação das mesmas era assegurar a posse lusa nestas áreas periféricas da bacia do rio Amazonas” e também como medida complementar de proteção das fronteiras ao norte da Amazônia para o Império Colonial Português. “Além disso as fazendas deveriam se vincular – oferecendo gado vivo – às áreas do rio Negro e do rio Amazonas” (BARROS, 1995, p. 47). Dessa forma, “com a expansão da atividade de coleta da borracha nos vales dos rios amazônicos, surgiu um mercado consumidor regional no Maranhão que proporcionou a pecuária o inicio de seu processo de ascensão” (RODRIGUES, 1996, p.87). A pecuária foi a atividade de maior importância na região no período de 1870 a 1910, no entanto, esta ocupação pecuária juntamente com a coleta vegetal ao longo do rio Branco não colocaria a área no mercado internacional. Isso porque o gado da região do rio Branco abastecia apenas a região do rio Negro, especificamente Manaus. O que realmente levava as pessoas para o rio Branco era o interesse na coleta vegetal, mesmo não sendo em grande escala como era no Amazonas e rio Negro.

A primeira grande decaída da atividade pecuária ocorreu paralelamente à queda da borracha. Com o declínio da exploração vegetal houve um êxodo dos coletores que foi determinante para crise na criação de gado. Outro fator foi o surgimento da atividade garimpeira, que acabou absorvendo o restante da mão de obra.

Pessoas desmobilizadas da coleta da borracha, gente sem alternativas de ganho, foram atraídas pela possibilidade de mineração de ouro e diamantes nas áreas montanhosas das fronteiras entre Brasil (Roraima) e a Venezuela, e nas fronteiras entre Roraima e Guyana. (BARROS, 1995, p. 56).

Em 1909 os Monges beneditinos se estabelecem na Vila de Boa Vista. Os Monges tinham como projeto a instalação de uma usina de beneficiamento de carne enlatada evitando que o gado fosse levado para os abatedouros em Manaus. Isto geraria empregos para os moradores da cidade. A carne enlatada substituiria a carne seca e poderia ser exportada, gerando mais divisas de que o comércio com gado vivo (BARBOSA, 1993a).

A usina de carne foi à falência devido à população se voltar contra os Monges Beneditinos. Um americano que tinha como projeto a construção de uma estrada de rodagem e uma ferrovia ligando Manaus a Boa Vista gerou descontentamento por parte dos monges, que acabou gerando a desistência do projeto por este empresário. O americano incitou a população contra os Monges, alegando serem estes contrários ao progresso e consequentemente a geração de empregos. Nesse período também foi equipada pela primeira vez em Boa Vista uma usina de gelo (BARBOSA, 1993a).

A vila de Boa Vista tinha em 1920 uma população de pouco mais de mil habitantes e no vale do rio Branco aproximadamente 200.000 cabeças de gado. Outro fator que desestimulou a criação de gado foi “a abundância de proteína animal obtida pela caça e pesca, [...] e a distância do rio Branco até o rio Negro” (BARROS, 1995, p.49). Não há indícios que na época do início da pecuária na região do Rio Branco tivesse havido um intenso movimento migratório. O crescimento da população se deu de forma lenta e gradual. As atividades econômicas gravitavam em torno da criação de gado.

Na década de 30 do século XX, o garimpo toma impulso e atrai um contingente considerável de imigrantes para a região serrana. São pessoas vindas tanto de áreas do rio Branco como de outras regiões do país. Comerciantes e investidores começam a chegar, e fazendeiros tratam de investir na mineração. O rebanho bovino que na década de 1920 contabilizava 300.000 cabeças caiu para um pouco mais de 120.000 em 1940. Isso ocorreu porque parte do gado foi dizimado pelo abandono e parte vendida a criadores da Venezuela (BARBOSA, 1993a). Os garimpeiros chegaram de diversos Estados do Brasil, principalmente do Nordeste, e Boa Vista passou a ser o ponto de apoio para os imigrantes.

Contudo, o atual estado de Roraima foi criado como unidade federativa no governo do então presidente Getúlio Vargas em 1943. Naquele momento, no âmbito de uma política de ocupação do território nacional, nasceu o Território Federal do Rio Branco. A atividade pecuária no ano da criação do Território já tinha entrado em franca decadência. O auge da

atividade se deu no período do boom da borracha no Amazonas. Em 1943, aproximadamente 60% do valor da produção registrada em Roraima (ainda Território Federal do Rio Branco) correspondia à produção de ouro e diamante - atividade já presente antes da década de 1920 - e apenas 27% referia-se à pecuária, que contava com um rebanho de 120.000 cabeças, muito abaixo dos 300.000 observados em 1920. Em função da derrocada da economia gomífera, a população que chegara a 10.000 habitantes no vale do rio Branco em 1900, não ultrapassava naquele ano, mais do que 7.424 indivíduos.

Boa Vista (capital de Roraima) foi criada no ano de 1890 originada do município de Moura, no Estado do Amazonas. Foi criado no dia 09 de julho com o nome de Boa Vista do Rio Branco pelo então governador do Amazonas, Augusto Ximeno de Villeroy. Sua história mais antiga remete ao ano de 1830 quando foi fundada a primeira fazenda particular do vale do Rio Branco, a fazenda Boa Vista. Em 1858 foi criada a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo do Rio Branco, onde se encontra atualmente a cidade de Boa Vista. Esta freguesia foi alçada à condição de município em 1890, administrativamente vinculada ao estado do Amazonas, contando com uma população aproximada de 1.000 habitantes. Segundo dados de Miranda (2003, p. 28), em 1917 Boa Vista e suas cercanias somavam uma população não indígena estimada em aproximadamente 5.000 indivíduos, “e mais três ou quatro mil espalhados pelas fazendas e postos de coleta ao longo do Rio Branco”. O rio Branco foi a via utilizada pelos padres para estabelecerem aldeamentos indígenas durante os séculos 17 e 18, pelos apresadores dos nativos (índios) e pelas tropas portuguesas que estabeleceram a fronteira colonial nos limites da sua bacia no fim do século 18 e estabeleceram as primeiras fazendas (Fazendas Reais ou do Governo). Foi ainda utilizado por pecuaristas que fundaram fazendas nos campos do rio Branco em meados do século 19 até a segunda década do século 20 para fornecer gado vivo ao vale amazônico então no auge da borracha, fato que criou a funcionalmente articulada “idade de ouro da pecuária nos campos do rio Branco” (HEMMING, 1990, p.8). Foi também a via de chegada dos garimpeiros a partir da década de 1930; dos colonos agrícolas nos anos de 1940, 1950 e 1960 e da massa em geral dos imigrantes vindos para as obras federais em Boa Vista a partir de 1943, quando fora criado o Território Federal do Rio Branco. Dada a sua importância na dinâmica socioeconômica e na mobilidade populacional “[...] o rio Branco é então por isto um elemento emblemático e central na paisagem da Roraima pré- rodoviária” (BARROS, 1996, p.4).

Com a criação do Território Federal surge a necessidade de implementação de infraestrutura urbana na cidade de Boa Vista, que passa a ser a capital do novo Território. Esta necessidade se materializa com a implantação de um novo plano urbano (1946) onde foram

assentadas as novas construções do centro administrativo. A criação do Território, juntamente com a intensa mineração provocou o crescimento demográfico e a concentração da população e das funções urbanas em Boa Vista ao longo das décadas de 1940 e 1950. Boa Vista consolida assim seu papel como centro político-administrativo e também econômico. Nesta direção, Barros (1996, p.14) conclui que Boa Vista que em 1943 teria 2.000 habitantes

tornou-se uma fronteira burocrática cuja importância se prolongará até os dias atuais. É também no âmbito da atuação federal, e simultaneamente, que várias colônias de pequenos produtores foram implantadas pelo governo, no entorno de Boa Vista (distâncias não maiores que 60 quilômetros desta cidade). O povoamento resultante, efeito dos processos mencionados (pecuária, mineração, fronteira burocrática e primeiros projetos de colonização), ocupou mais consistentemente apenas o sudeste de Roraima e rarefeitamente as áreas ribeirinhas do rio Branco.

Com a criação do Território Federal do Rio Branco e a consequente transformação de Boa Vista em capital inicia-se um novo ciclo migratório em direção à região, inicialmente para as obras de infraestrutura básica da nova capital. Quando da criação do Território, sua população total era de 12.130 habitantes, o que representava uma densidade demográfica de 0,05 habitantes por quilômetro quadrado (BARBOSA, 1993a). O município de Boa Vista11 possuía um contingente populacional de 10.509 indivíduos, 86,7% deles residindo na área rural, restando menos de 1.500 na cidade12 (BARBOSA, 1993a). Essa medida visava promover a ocupação humana do espaço, com auxílio direto da União, mediante o povoamento, a exploração e o aproveitamento de seus recursos naturais. Administrativamente, o novo território compreendia os municípios de Boa Vista e Catrimani, pertencentes anteriormente ao estado do Amazonas. Catrimani nunca chegou a ser efetivamente. Após a institucionalização do Território Federal ocorre o primeiro projeto colonizador, quando foram criadas três colônias agrícolas voltadas para o abastecimento de gêneros alimentícios para a capital. Entre os anos de 1951 e 1952 se inicia importante programa de colonização, no qual a União viabilizava o traslado dos colonos migrantes e cedia a cada um deles lote de 25 hectares. O período compreendido entre os anos 1951 e 1953 representou importante efetivação no processo de colonização agrícola no novo Território. A Colônia Fernando Costa, instalada ainda em 1945 a cerca de 55 km ao sul da capital, sofreu uma reestruturação que levou a esta região um contingente de 150 famílias, ou 640 pessoas (BARBOSA, 1993a). Esta localidade deu origem à cidade de Mucajaí, sede do atual município homônimo.

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Boa Vista é alçada a condição de município através do Decreto n.49 do Governo do Amazonas em 09/07/1890. Este decreto elevou a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo à categoria de município, recebendo o nome de Boa Vista do Rio Branco.

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Ainda na década de 1950 outras tentativas de colonização foram arroladas pelo governo federal. As colônias Brás de Aguiar e Coronel Mota foram criadas na região do Médio/Alto Rio Branco e a colônia agrícola Santa Maria do Boiaçú na região do Baixo rio Branco, rapidamente inviabilizada devido a sua total falta de infraestrutura e inaptidão agrícola. A Coronel Mota (atual Taiano) foi uma tentativa de assentamento de imigrantes japoneses nos moldes de Tomé-Açú, no estado do Pará, por iniciativa conjunta dos governos brasileiro e japonês.

Estas primeiras tentativas de colonização redundaram em grandes fracassos econômicos em função da precariedade de suas instalações, além do cometimento de surtos de malária que resultaram na desistência e até a morte de alguns colonos. Apenas alguns anos após suas instalações é que algumas delas vão lograr algum êxito produtivo (BARBOSA, 1993a). Entretanto, em termos demográficos, as colônias parecem ter representado um incremento importante ao contingente populacional do Território. A população total que era de 12.130 em 1940, passa para 18.116 habitantes em 1950 e alcança 28.304 indivíduos em 1960 (IBGE). Estes números resultam numa taxa de crescimento demográfico anual entre 1940 e 1950 de 5,49% e de 4,65% no decênio seguinte. Conforme aponta Barbosa (1993a) estes valores superam em 139,7% e 39,2% os índices observados nos mesmos períodos para toda a Região Norte do país. Nesta linha, o referido autor afirma que

A pressão fundiária no Nordeste e a facilidade de obtenção de terras incentivada pelo governo local já eram responsáveis por um significativo número de migrantes deslocando-se nesta região. O incremento no tráfego fluvial e os primeiros deslocamentos aéreos nesta região também permitiram que o vale do rio Branco começasse a sair gradualmente do seu isolamento diante do restante do país (BARBOSA, 1993a, p.141).

Encerra-se assim, no início dos anos 1960, a primeira etapa de ocupação oficial no então Território Federal do Rio Branco, marcado por iniciativas e participações da Coroa Portuguesa, dos Missionários Carmelitas, da política Pombalina, do Governo Republicano de Getúlio Vargas e suas colônias agrícolas. Ao final do período, ainda que se verificasse uma importante expansão populacional, a região permanecia isolada do resto do país, ainda debilmente ocupada (em termos de densidade demográfica). A região, anteriormente ocupada por populações indígenas, caboclas e ribeirinhas começa a receber um contingente de pessoas oriundas de outras partes do país. Ainda assim, a população absoluta e a densidade demográfica de Roraima permaneciam diminutas.

4.2 DOS ANOS 1960 AO INÍCIO DA DÉCADA 1990: O BOOM NA MIGRAÇÃO EM