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de inclusão e participação dos movimentos sociais e

Essa é uma das razões, talvez, a maior razão, que nos une neste encontro. Como pesquisadores e militantes podemos fazer juntos, reflexões sobre as práticas e sobre o conhecimento que funda essas práticas.

Para isso, convido todos a uma conversa, a partir de uma análise, ainda que parcial e provisória, sobre o que os movimentos sociais e sindicais têm produzido pedagogicamente, na luta por uma Educação do Campo, e, explico que assumo uma postura em relação a este encontro, para mim, neste espaço não há lugar para convencimentos sobre teorias ou métodos, mas o nosso objetivo é a construção de uma compreensão mútua da realidade camponesa a partir da Educação do Campo, a partir dos diferentes sentidos, teorias, contextos, projetos e utopias.

Essa compreensão exige um modo de pensar muito mais relacional do que dual entre sujeito/objeto; natureza/cultura; homem/mulher; campo/cidade; rural/ur- bano; conhecimento acadêmico/conhecimento não acadêmico, entre outros.

A compreensão mútua também exige, um exercício crítico às formas de racio- nalidade que fundam as práticas sociais dos movimentos, incluindo nelas a nossa participação na construção dessas práticas, como também, um exercício crítico sobre a nossa postura e sobre o conhecimento que produzimos.

Neste sentido, e em função do tempo que tenho para iniciar uma conversa sobre as muitas racionalidades existentes na produção pedagógica dos movimen- tos sociais e sindicais, elegi aquela que está presente diretamente no princípio da luta por uma Educação do Campo: a universalização do direito.

Essa educação tem na sua origem a necessidade de reinventar as práticas sociais, contra um processo perverso de uma forma hegemônica de globalização econômica, política e cultural que impõe aos diferentes países periféricos e semi- periféricos, a reorganização das formas de poder, de produção do conhecimento, e de desenvolvimento econômico e social, que aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades, em especial, entre o povo brasileiro que vive no campo ou é, excluído dele. Portanto, trata aqui de analisar as práticas pedagógicas que trazem na sua origem a vinculação com um Projeto de Nação, da construção de um projeto de futuro, mais próspero e solidário, em que a cultura camponesa, seja o elo fundamental para a construção da justiça social, de novos modelos de desenvolvimento de base solidária, de soberania e de democracia ampliada.

Para tanto, o princípio da universalização que funda as lutas dos movimentos sociais, como também funda muitas das nossas utopias, resgata da racionalidade do pensamento liberal, a idéia de que a sociedade possui não só deveres, direi- tos, e, a partir deste princípio, os movimentos sociais produzem a sua existência política pelos ideários da igualdade, da participação e dos métodos de organização. A compreensão desses ideários e da materialização na luta e no fortalecimento da

Educação do Campo e pesquisa: questões para reflexão

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por uma inter-relação é possível identificar as formas de reorganização e produ- ção de conhecimento, de poder e de direito em cada um deles.

Ainda que eu faça uma exposição muito superficial, ressalto alguns aspectos que estão fortemente imbricados na forma de produção dos conhecimentos, de poder e de direito dos movimentos sociais.

Em relação aos conhecimentos, os movimentos partem da idéia de que é direito de todos e todas, tanto a apreensão do que tem sido historicamente pro- duzido pela ciência, quanto o reconhecimento do que os próprios movimentos produzem nos diferentes contextos.

No que diz respeito às formas de organização política e social, os movimentos aspiram a uma sociedade em que os interesses individuais se voltem para os inte- resses coletivos como condição de emancipação de uma coletividade, respeitando as diferenças e a diversidade das idéias. O poder partilhado é um dos objetivos desse processo de organização.

A coletividade somente pode emancipar-se, se houver uma pluralidade de projetos políticos. Não é possível pensar uma sociedade igualitária e justa, se um movimento, ou partido, ou um grupo exercer o poder hegemônico sobre os demais, ainda que nem todos tenham consciência desse aspecto, na realidade, os movimentos, muitas vezes não conseguem se entender, pela pluralidade dos pro- jetos, mas reconhecem que se não fosse essa pluralidade não haveria oxigenação da política como um todo.

Essas formas de produção do conhecimento, de poder e de direito, estão di- retamente relacionadas à construção dos paradigmas da Educação do Campo. É a partir dessa relação que procedo uma análise da produção pedagógica dos mo- vimentos sociais e sindicais na Educação do Campo. Essas formas se relacionam com o: reconhecimento dos conhecimentos e saberes produzidos pelos sujeitos do cam-

po e a sua reatualização com outros conhecimentos, incluindo os técnicos e científicos. O segundo com a organização do trabalho pedagógico, e, o terceiro com a pluralidade

de projetos educacionais.

Reconhecimento dos conhecimentos e saberes produzidos pelos sujeitos do campo e a sua reatualização com outros conhecimentos, bem como a compreensão de outras formas de produção do conhecimento científico.

Os programas educativos oficiais, não podem continuar contribuindo para a descaracterização da cultura camponesa, principalmente, o modo de organiza- ção social e as suas formas de resistência no campo. Essa discussão nos remete à igualdade como um princípio a ser defendido, quando o sistema capitalista e latifundista do campo, utiliza-se deste, para incluir os camponeses, de forma inferiorizada e subordinada à lógica do capital sob o argumento niilista, de que para eles, não há saídas, a não ser pela sua incorporação a um único modelo de

desenvolvimento. Essa lógica se fortalece também, pela visão determinista do fim do campesinato na sociedade contemporânea.

Para essa lógica, não faz sentido construir escolas no campo, pensar em me- todologias específicas, alterar as relações de poder. Nas práticas educativas essas lógicas se conflituam, porque a compreensão iluminista e racionalista dos proces- sos formativos e de construção do conhecimento, não conseguem dar conta da dinâmica social que é o campo brasileiro, primeiro, porque não reconhece o campo com esses sujeitos, segundo porque, quando os identifica, trata-os como fragmen- tos/objetos de um campo ao qual só cabe as grandes relações econômicas, terceiro, porque ignora os desejos, os direitos, as histórias e, em nome do desenvolvimento economicamente produtivo ao capital, para aqueles que conseguem chegar à escola, cabe a ênfase a um desenvolvimento técnico-instrumental na sua formação.

Esta lógica instrumental se dissemina em detrimento da construção do co- nhecimento em que o fazer não pode estar dissociado, do construir e do avaliar. Para os camponeses(as) esta relação do saber-fazer-saber, pode contribuir para restituir as possibilidades dos sujeitos produzirem e avaliarem os seus saberes, conhecimentos e práticas sociais de modo intencional, não ingênuo e crítico. A relação saber-fazer-saber dos(as) camponeses(as), exige uma reflexão profunda

sobre o modo de produção do conhecimento, das epistemologias ou inteligibi- lidades em curso no campo. Há necessidades práticas da vida cotidiana como a soberania alimentar, os problemas da falta de água, dos solos, das sociabilidades, da organização do trabalho de jovens e mulheres, da assistência técnica, entre outros, que necessitam de uma avaliação constante do que está disponível na sociedade e do que deve ser recriado, ou ressignificado.

A ressignificação do conhecimento não pode ser uma linha de mão única, mas, deve acontecer, em função do contexto onde se produz e esse contexto comporta, tanto o que é produzido cientificamente, quanto o que é produzido pelos saberes não-acadêmicos, por vias e por situações diferentes.

Um dos fundamentos das práticas pedagógicas dos movimentos está na meto- dologia e nos seus processos. As metodologias interdisciplinares estão subsidiando os movimentos a ampliar a compreensão a partir dos diversos campos do saber. Sem negar as especificidades dos campos científicos, não reduz toda explicação a eles. Compreende-se que o processo de apreensão e produção do conhecimento não pode ser atomizado, homogeneizado e particularizado.

A recuperação da temporalidade da produção econômica, por exemplo, tam- bém exige formas de organização do trabalho, métodos, tecnologias, recuperação dos saberes, reconhecimento das diferenças de geração e gênero, entre outros. A recuperação das temporalidades dos sujeitos é fundamental para o enfrenta-

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Por sua vez, os(as) camponeses(as) têm feito uma leitura crítica da utilização das técnicas e tecnologias, principalmente, uma preocupação com a criação ou socialização das novas matrizes tecnológicas que contribuam para um desenvol- vimento socialmente justo e ecologicamente sustentável no campo. Analisar os seus usos e conseqüências ambientais, políticas, sociais, tem sido fundamental para a construção desse modelo.

Os movimentos entendem que o território possui uma complexidade, porque a sua essência está imbricada em um tecido de problemas inseparáveis e, as técni- cas e tecnologias, seus usos e funções e sua relação com a organização do trabalho, a inclusão social e o meio ambiente devem estar em comunicação e sendo motivo de reflexão crítica durante todo o processo de formação.

No entanto, os movimentos têm sentido muitas dificuldades para uma refle- xão crítica e para a produção de alternativas ao modelo capitalista. Essas dificul- dades residem, na falta de inteligibilidade das seguintes questões:

Compreensão das diferentes formas de produção do conhecimento por parte das práticas sociais entre os próprios movimentos sociais do campo. Essa inteligibi- lidade é fundamental para a unidade dos projetos políticos);

a existência de lógicas diferenciadas na produção e apreensão do conhecimento é algo, que necessita ser trabalhado. Isto também vale para as universidades. Ne- nhum conhecimento pode ser entendido como superior ao outro;

dificuldades para superar as relações de poder que os excluem como sujeitos capazes de produzir conhecimentos por lógicas diferenciadas. Neste caso há ne- cessidade de refletir sobre quem controla a produção do conhecimento, quem produz? Em que condições produz? Quem financia a produção? Quem disponi- biliza? Quem tem o poder de legitimá-los?

Qual o papel da pesquisa, das agências de fomento e dos