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Os assentados: trabalho, renda e condições de vida

Assentamentos rurais e perspectivas da reforma

1. Iniciativas dos trabalhadores e formação de áreas de concentração de assentamentos

1.2. Os assentados: trabalho, renda e condições de vida

A análise do perfil da população estudada reforça o argumento anterior de que os assentamentos vêm possibilitando o acesso à propriedade da ter- ra para uma população historicamente excluída. Grande parte da popula- ção assentada vivia na zona rural da própria região: mais de 80% das famí- lias entrevistadas vieram do próprio município ou de municípios vizinhos de onde está localizado o assentamento e 94% delas já tiveram alguma expe- riência de trabalho na agricultura ao longo da vida. Os responsáveis pelos lo- tes têm baixa escolaridade (87% dos entrevistados cursaram, quando mui- to, até a 4ª série do ensino fundamental, sendo que 32% nunca foram à escola).

No momento imediatamente anterior ao assentamento, 75% dos assentados estavam ocupados em atividades agrícolas, como assalariados rurais permanentes ou temporários, posseiros, parceiros, arrendatários ou trabalhavam com os pais ou outros parentes na agricultura.

Em cenários de elevados índices de desemprego e relativo fechamento do mercado de trabalho para os segmentos menos escolarizados da população, as- sociado à crise de importantes setores da grande agricultura e de dificuldades para os filhos dos agricultores familiares se estabelecerem como produtores, os assentamentos representaram nas regiões estudadas uma importante alternativa de trabalho e inserção social.

A criação dos assentamentos tornou possível a essa população centrar suas estratégias de reprodução familiar e de sustento econômico no próprio lote, com- plementarmente lançando mão de outras fontes de trabalho e de renda fora dele, muitas delas também relacionadas com a existência do assentamento. Do total da população maior de 14 anos nos projetos pesquisados, 79% trabalhavam somente no lote, 11% no lote e também fora dele, 1% somente fora e 9% declararam não tra- balhar. Ou seja, 90% dos assentados maiores de 14 anos trabalhavam ou ajudavam no lote, numa média de três pessoas por lote. O trabalho fora do lote nas áreas estudadas aparece como complementar: daqueles 12% do total da população que faziam algum trabalho fora do lote (somando os que trabalham somente fora ou

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também no lote), 44% o faziam em caráter eventual, 24% em caráter temporário e apenas 31% de modo permanente.

A presença dos assentamentos acaba atuando também como fator gerador de postos de trabalho não agrícolas: mais da metade dos que trabalhavam fora do lote exerciam atividades dentro do próprio assentamento, incluindo trabalhos não agrícolas gerados pela nova situação (construção de casas, estradas, escolas, obras de infra-estrutura, professores, merendeiros, agentes de saúde, trabalhos coletivos, beneficiamento de produtos, transporte alternativo etc.).

Embora os recursos oriundos do lote, por meio da comercialização da pro- dução, não sejam a única fonte de rendimentos familiares, eles representam 69% desses rendimentos, enquanto as atividades de trabalho externo representam 14%, e os benefícios previdenciários, 17%, sempre com algumas diferenças regionais.

Além do número de empregos gerados, as famílias assentadas acabam ser- vindo como amparo social a outros parentes, atuando também, em alguns casos, como mecanismo de recomposição de famílias. Em 24% dos lotes vivem, além da família nuclear (pai, mãe e filhos), outros parentes, como pais/sogros, genros/ noras, irmãos/cunhados, netos, etc., muitos dos quais não viviam anteriormente com a família assentada.

O acesso à terra permitiu, pois, às famílias entrevistadas uma maior estabili- dade e rearranjos nas estratégias de reprodução familiar que resultaram, de modo geral, em uma melhoria dos rendimentos e das condições de vida, especialmente quando se considera a situação de pobreza e exclusão social que caracterizava muitas destas famílias antes do seu ingresso nos projetos de assentamento. Houve um aumento na sua capacidade de consumo, não só de gêneros alimentícios, como também de bens de eletrodomésticos, insumos e implementos agrícolas. Isso se revela no fato de que 66% dos entrevistados apontaram uma melhora na alimen- tação e 62% consideram que seu poder de compra aumentou. Cresceu o número de famílias que possuem fogões a gás, geladeiras, televisão, antenas parabólicas, máquinas de lavar e transporte próprio (especialmente bicicletas e animais). As melhorias no padrão de consumo, de habitação e na posse de bens duráveis fazem com que os assentamentos acabem atuando como dinamizadores do comércio local, fato que se acentua nos casos de elevada concentração de assentados.

1.3. Produção

É grande a diversidade de produtos originários dos assentamentos, com variações que, de alguma forma, acompanham o perfil tradicional da agricultura nas regi- ões mas, em alguns casos, também introduzem mudanças. O mais recorrente é a presença de produtos ao mesmo tempo facilmente comercializáveis mas cruciais na alimentação da família, como milho, mandioca e feijão e, em menor escala,

inhame, banana, arroz. Aparecem ainda culturas eminentemente comerciais como algodão, cana-de-açúcar, cacau, abacaxi e fumo, entre outras.

Também a pauta de criação animal é diversificada. Assim como no caso dos produtos agrícolas, os animais são utilizados simultaneamente para consumo e venda, com destaque para gado de corte e principalmente leite, criação de aves (para carne e ovos) e porcos. Aparecem ainda produtos extrativos, em alguns casos com peso comercial, como a piaçava no Sul da Bahia, a erva-mate no Oeste Catarinense e a madeira em estacas no Sudeste do Pará.

Assim, uma das principais mudanças trazidas pelos assentamentos nas re- giões refere-se à diversificação da oferta de produtos no mercado local, o que foi verificado através da comparação entre a produção dos assentamentos e dos municípios estudados. Os assentamentos vêm contribuindo para diversificar as pautas de produtos agropecuários, introduzindo novos cultivos e incrementando significativamente a produção de alguns produtos secundários na pauta regional, e chegando a se destacar em relação a alguns produtos tradicionais nos municípios. Em alguns casos, os assentamentos vêm significando uma espécie de reconversão produtiva, provocando uma reorganização do sistema de uso dos solos, especial- mente nas áreas monocultoras ou de pecuária extensiva onde a agricultura pa- tronal encontrava-se em crise. A diversificação da pauta de produtos tem efeitos também sobre os próprios assentados, com a coexistência de produtos destina- dos à subsistência e produtos destinados ao mercado, resguardando as famílias de possíveis problemas na comercialização, além de significarem uma melhoria quantitativa e qualitativa da alimentação.

A condição de assentado possibilitou a essa população, pela primeira vez, o acesso ao crédito para produção, ainda que essa integração ao mercado financeiro esteja marcada por um conjunto significativo de dificuldades: 93% das famílias entrevistadas nunca tinham tido acesso ao crédito antes. Além disso, o volume de crédito que circula em função dos assentamentos impulsiona um conjunto de atividades, trazendo também impactos no comércio local e regional.

Com relação à comercialização da produção, a pesquisa revelou um quadro heterogêneo. A presença dos assentamentos provocou, em vários municípios analisados, o crescimento da oferta local, a diversificação e o rebaixamento dos preços de produtos alimentícios, com repercussões especialmente nas feiras livres. Em geral o peso dos atravessadores é significativo, reproduzindo situações locais preexistentes, mas se constatou casos onde, mesmo mantendo os canais tradicio- nais, os assentamentos introduzem mudanças, com o surgimento de atravessa- dores para novos produtos ou mesmo trazendo um aumento na produção local que permite o alcance de novos mercados consumidores. Há também casos em que mudanças nas formas de comercialização são introduzidas, em especial nas áreas onde é mais forte a presença do MST, com inovações no beneficiamento

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e o surgimento de formas cooperativas e associativas que levam à criação de pon- tos de venda próprios, implantação de pequenas agroindústrias, constituição de marcas próprias que identificam a origem do produto como sendo “da reforma agrária”. Neste último caso, para além do seu significado econômico, a comercia- lização se transforma num momento de afirmação social e política da identidade dos assentados e dá visibilidade aos assentamentos.