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Módulo I: Abertura: apresentação do curso e das/os participantes; O contexto de ensino de português como língua de herança (POLH):

CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: DAS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS FAMILIARES À CIDADANIA PLURILÍNGUE

3.5 Os usos linguísticos na Catalunha hoje

3.5.1 De longe: um contexto macro

Depois de entender em linhas gerais os processos históricos que fazem com que os catalães se identifiquem com certos aspectos que os distinguem, por exemplo, dos espanhóis, e de conhecer os fluxos migratórios mais recentes, é possível olhar para os usos linguísticos atuais na Catalunha com mais propriedade dentro de um marco sociolinguístico. Para tanto, devemos lembrar ainda que, durante a transição democrática, uma das conquistas importantes foi o direito de que a escolarização fosse em catalão, o que, a efeitos práticos, tem proporcionado que os filhos dos imigrantes de

imigrantes que adquiriram a cidadania espanhola ou de outro país da UE, o que não seria o melhor indicativo para rastrear movimentos migratórios. No caso das estatísticas sobre nacionalidade, esta pode incluir também os filhos de estrangeiros nascidos na Catalunha ou Espanha que não adquiriram a nacionalidade espanhola.

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Também segundo a prefeitura, em 1996, 150.805 dos 1.508.805 habitantes de Barcelona haviam nascido no exterior.

língua não catalã aprendam esse idioma. Esse fato, no entanto, está longe de resultar num cenário de usos linguísticos homogêneos, muito pelo contrário.

A esse respeito, Vila i Moreno e Sorolla Vidal (2013) realizaram uma análise dos usos e conhecimentos da população dos territórios de língua catalã a partir de uma série de dados declarados, o que ajuda a ter uma visão geral de suas características linguísticas. Com as limitações típicas das pesquisas quantitativas, essa abordagem não revela qual a qualidade desses conhecimentos (fluência no idioma catalão) ou a frequência desses usos (se são constantes ou esporádicos nas situações investigadas, como ambiente familiar, laboral, escolar, em bancos, hospitais etc.). Ainda assim, é válida, pois, além de elucidar algumas tendências gerais, permite situar a Catalunha em relação aos demais territórios de língua catalã. A tabela a seguir sintetiza parte dessa análise:

Entende Sabe falar Sabe

escrever

Não entende Não sabe

falar População total (≥2 anos) Catalunha 7.075 96,8% 6.155 84,2% 5.000 68,4% 235 3,2% 1.155 15,8% 7.310 País Valenciano 4.273 86,1% 2.895 58,4% 1.626 32,8% 687 13.9% 2.065 41,6% 4.960 Ilhas Baleares 1.012 93,2% 777 71,5% 596 54,9% 74 6,8% 309 28,5% 1.086 Catalunha Norte 257 62,5% 142 34,5% 40 9,73% 154 37,5% 269 65,5% 411 Andorra 74 96,10% 61 79,2% 49 63,6% 3 3,9% 15 20,8% 77 La Franja 46 97.8% 42 89,3% 16 34% 1 2,2% 5 10,7% 47 Alguer 36 90% 24 60% 5 12,5% 4 10% 17 40% 40 TLC 12.773 91,7% 10.096 72,5% 7.332 52,6% 1.1158 8,3% 3.835 27,5% 100%

Tabela 3 – Pessoas que sabem catalão, por território e habilidade, em milhares e porcentagens (adaptado de Vila i Moreno e Sorolla e Vidal (2013, p. 186))

A Catalunha se destaca como o território com maior população e maior número absoluto de conhecedores da língua catalã, estando à frente também na porcentagem de pessoas que entendem, falam e escrevem em catalão, apenas ligeiramente abaixo da Franja de Ponent nas duas primeiras competências. Mesmo assim, cerca de 15% da população da Catalunha não sabe falar essa língua, um número bastante acima do 6,1% da população espanhola que não fala castelhano.

No entanto, devido às ondas migratórias mencionadas, se estima que os falantes de catalão como língua inicial sejam apenas 4,4 milhões nos territórios catalães (VILA I MORENO e SOROLLA VIDAL, 2013), ou 34% de

seus habitantes. Por outro lado, 5,7 milhões não são falantes iniciais, mas aprenderam o idioma, o que o caracteriza como uma língua com alto poder de atração: a proporção entre falantes iniciais e novos falantes é de 1:2,3, o que a situa um pouco abaixo da mesma proporção no inglês (1:2,8) ou francês (1:2,5), mas consideravelmente acima da do russo (1:1,6) e do castelhano (1:1,3), ou como a sétima língua mais aprendida como língua não inicial na União Europeia (VILA I MORENO e SOROLLA VIDAL, 2013).

Embora parte da explicação para essas proporções esteja nos fluxos migratórios recebidos, outro fator demográfico a ser levado em consideração é o fato de que a taxa de natalidade entre a população autóctone se reduz desde os anos 1970, sendo menor que a dos migrantes e imigrantes. Consequentemente, o número de famílias que têm o catalão como língua inicial vem diminuindo, dando lugar a famílias mistas nas quais os cônjuges falam catalão e castelhano, apenas castelhano ou outras combinações de idiomas. É nesse contexto, daqueles que não têm o catalão como idioma inicial, que se encontram os novos falantes de catalão: estes 5,7 milhões são, vale dizer, certamente bi ou multilíngues e, embora façam uso da língua catalã, dividem seus usos linguísticos com ao menos mais um idioma.

De fato, outro estudo comprova a percepção de que, na Catalunha, falar apenas uma língua é praticamente uma anomalia:

Os catalães de 15 anos ou mais sabem falar em média 2,5 idiomas, de modo que somente 12,9% são monolíngues. Cerca de 88% sabem falar pelo menos duas línguas. Concretamente, 45,8% sabe falar duas e 27,7%, três. Como se pode observar, aqueles que sabem falar quatro ou mais línguas são tão numerosos como os que falam apenas uma. (CATALUNHA, 2015a).

Se os dados de Vila i Moreno e Sorolla Vidal (2013) não indicam se os falantes iniciais de catalão sabem outras línguas ou não, pode-se afirmar que sim: se não bastasse o castelhano ser parte do ensino obrigatório, estes e outros autores mencionam a tendência de os falantes iniciais de catalão usarem o castelhano em determinadas situações, notadamente no contato com não catalães (MELCHOR e BRANCHADELL, 2002; MCROBERTS, 2001). Essa pauta de uso linguístico pode ser atribuída aos anos de repressão franquistas (CATALUNHA, 2015a).

A maioria dos falantes [de catalão] compartilham uma série de pautas de conduta, como a tendência a passar à língua estatal [o castelhano] para funções formais ou para falar com pessoas que parecem ser alóctones; o consumo importantíssimo de produtos culturais na língua estatal ou a frequente insegurança na hora de se expressar por escrito em catalão. (VILA I MORENO e SOROLLA VIDAL, 2013, p. 188)

Outro indicativo de que os falantes de catalão são proficientes em

outra língua, segundo dados da Generalitat, é o fato de que “o castelhano é a

língua em que a grande maioria dos catalães tem um nível alto em todas as

habilidades32 (88,1%)” (CATALUNHA, 2015a). Em suma: o bi (ou

pluri)linguismo é parte da realidade da língua catalã hoje, tanto se for considerado o contexto dos novos falantes como o dos que a têm como língua inicial.

Entender que a maioria dos falantes de catalão são bilíngues, que a proporção de falantes iniciais é menor que a de novos falantes, que as habilidades declaradas não são homogêneas, mas estão distribuídas num continuum que pode ir de “muito proficiente” a “pouco proficiente” aponta para um cenário linguisticamente complexo, superdiverso, em que é difícil definir apenas um padrão de usos linguísticos.

Entre as complexidades possíveis, Vila i Moreno e Sorolla Vidal (2013) destacam o fato de que as pautas de conduta dos falantes de catalão com aqueles que parecem ser de fora, fazendo a mudança para o castelhano, não ajudam a que os nouvinguts utilizem o catalão, o que evidencia usos da língua muito diferentes entre falantes iniciais e novos falantes. De fato, o estudo da Generalitat revela algumas dessas nuances: embora 94,3% da população da Catalunha declare entender o catalão em algum grau, os que entendem perfeitamente são 64,1%, havendo 18,8% de pessoas de 15 anos ou mais que entendem pouco, razoavelmente ou não entendem. A porcentagem dos que são capazes de falar se reduz a 80,4%, sendo que um pouco menos da metade, 48,7%, declara saber falar perfeitamente. Em outras palavras, um de cada cinco adultos não fala catalão, embora muitos sejam capazes de entendê-lo (CATALUNHA, 2015a).

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As habilidades autodeclaradas avaliadas na pesquisa são: entender, saber falar, saber ler e saber escrever.

Para acompanhar a evolução dos usos do catalão, uma das metodologias utilizadas é um índice que determina a média de uso global da língua, calculada a partir de: a) número absoluto e relativo de pessoas que declaram usá-la num contexto ou função; e b) nível de uso da língua, a partir da média expressada pelos entrevistados. A evolução desse índice entre 1997 e 2013 revela um decréscimo: 1997 2003 2008 2013 Média global de uso do catalão 50,1% 48,5% 42,6% 41%

Tabela 4 – Média global de uso do catalão a partir de Vila i Moreno e Sorolla Vidal (2013) e Catalunha (2015a)

Assim, entender melhor as diferentes nuances do bilinguismo ou o que determina a escolha do idioma a ser usado e transmitido aos filhos por famílias bi ou plurilíngues são tópicos que têm merecido atenção nas pesquisas sociolinguísticas relacionadas ao catalão (BOIX-FUSTER e TORRENS GUERINI, 2011; BOIX-FUSTER, 2009a; COMELLAS, JUNYENT, et al., 2016; FUKUDA, 2011). Para conhecer melhor estes fenômenos, faz-se necessário

não só pesquisas quantitativas, mas também dispor de dados qualitativos –

que permitiriam aprofundar-se no universo dos falantes e conhecer suas motivações e representações, o que ajudaria a entender a origem desses comportamentos. E, uma vez que se possa tomar consciência desses fatores, seria possível pensar de modo crítico sobre tais condutas e em como alterá-las, caso seja de interesse dos falantes ou das autoridades responsáveis pelos planejamentos e políticas linguísticas.