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Módulo I: Abertura: apresentação do curso e das/os participantes; O contexto de ensino de português como língua de herança (POLH):

CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: DAS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS FAMILIARES À CIDADANIA PLURILÍNGUE

2.9 Estado atual da questão

No momento atual, o PLH já pode ser considerado um campo de estudo próprio e delineado, o qual, embora ainda esteja se consolidando, deve ser pensado de forma interdisciplinar. Assim, o PLH pode ser estudado desde diferentes perspectivas, inclusive no âmbito de outras grandes áreas diferentes das que escolhi: estudos de migração, de gênero, Psicolinguística ou um enfoque de cultura digital dentro das Ciências da Comunicação podem ajudar a gerar conhecimento sobre o campo.

Nele, além das relações entre língua e identidade ou língua e cultura, bastante exploradas na área de LH, começam a surgir indícios de que a afetividade deva também entrar na pauta dos estudos a serem realizados (ORTIZ ÁLVARES, 2016b), posição com a que coincido.

O entendimento da identidade dos falantes de PLH como algo fragmentado e heterogêneo, que dialoga com as representações de identidade brasileira e do país hospedeiro, aliado a um entendimento de alguns fatores que contribuem para o aprendizado da LH (quantidade de input, papel da família, presença de uma comunidade de falantes) merece ser complementado com reflexões sobre os vínculos afetivos que se estabelecem através da LH. Seriam, assim, três os aspectos que compõe o PLH como campo: proficiência linguística; processos de identificação; afetividade.

Além de ser tema de discussões principalmente de pesquisadores, lideranças e educadores que trabalham com PLH fora do Brasil – por motivos óbvios, já que é nesse deslocamento das emigrações que o PLH irá acontecer –, o tema começa a despertar interesse também no próprio Brasil, e as primeiras obras especializadas em PLH começam a ser publicadas no país (SOUZA, 2016a; ORTIZ ÁLVARES e GONÇALVES, 2016a).

Por outro lado, as redes de iniciativas que trabalham com o modelo de aulas permitem que, no momento atual, comecem a surgir discussões sobre como seria o ensino formal de PLH, ou seja: no espaço da sala de aula, com periodicidade regular, a partir de interações aluno-professor.

Centradas no espaço da sala de aula, destaco as pesquisas sobre desenvolvimento de currículo de Boruchowski (2015) e Destro (2015), a de didática para PLH de Gomes (GOMES, 2015; MORONI e GOMES, 2015) ou a preocupação com a capacitação de professores de PLH tanto do governo brasileiro como de instituições como a Brasil em Mente e o Elo Europeu de

Educadores de POLH. Pesquisadores portugueses (e de outras

nacionalidades) têm acompanhado as discussões sobre didática e feito uso do termo PLH, com contribuições relevantes, como em Melo-Pfeifer (2016).

Paralelamente, também é possível observar o surgimento dos primeiros materiais didáticos específicos para PLH publicados em formato de livro, como os métodos de alfabetização Ciranda Cirandinhas vamos todos ler e escrever (JENNINGS-WINTERLE, 2014; 2014a; 2014b) ou o Turminha animada de Lucy e Tuca (FALKOWSKI, 2013), do Movimento Educacionista dos EUA, além do Vamos falar português, com personagens de Maurício de Sousa (FLORISSI e RAMOS, 2014) e do Brasileirinho: Português para crianças e adolescentes (GONÇALVES, 2017). Cabe ainda destacar o trabalho do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), que, embora não esteja centrado exclusivamente no universo brasileiro, mas seja um espaço representativo das diferentes culturas lusófonas e suas variedades linguísticas, está desenvolvendo unidades didáticas para o ensino de português como língua estrangeira (PLE) e, dentro disso, especificamente para o ensino do “português como língua de herança e para crianças”, as quais foram disponibilizadas na internet no Portal do Professor de Português Língua

Estrangeira (PPPLE) (INSTITUTO INTERNACIONAL DA LÍNGUA

PORTUGUESA, 2016).

O foco de uma linha importante das discussões recentes parece estar, assim, nas propostas que formalizam o aprendizado de PLH em sala de aula, a partir de interações aluno-professor – um campo em que sem dúvida há muito trabalho a ser feito.

Tais discussões, no entanto, não podem dar as costas a todos os demais cenários e ambientes nos quais ocorrem os processos de aquisição do PLH, entre os quais destaco a família e a comunidade, objetos desta pesquisa centrada na APBC. Pensar algo como um “ensino de PLH mais eficaz” requer chamar para a conversa não só os professores, mas os familiares que tenham interesse em que suas crianças aprendam a LH e dotá-los de ferramentas e conhecimentos para que realizem de forma mais sólida e consistente um trabalho que pode estar ao seu alcance e fazer parte de seus desejos.

Nesse sentido, conhecer a realidade da APBC fornece subsídios para que a atuação não só de professores, mas dos familiares e de outros membros da sociedade civil se estruture dentro do cenário atual do PLH, que aponta para uma maior estruturação de grupos da sociedade civil, pesquisas acadêmicas em desenvolvimento e algumas políticas públicas do governo brasileiro voltadas para esses grupos específicos. O próximo capítulo apresenta o contexto específico da Catalunha, onde a APBC atua e no qual esta pesquisa se realizou, e uma breve trajetória da Associação.

CAPÍTULO 3 – O CONTEXTO DE PESQUISA: NOTAS SOBRE A CATALUNHA, BARCELONA E A APBC

Neste capítulo, será apresentado o contexto mais amplo da pesquisa: alguns dados sobre a Catalunha, a cidade de Barcelona e, posteriormente, o contexto específico da APBC. Para isso, serão estabelecidos paralelos entre fatos históricos e demográficos, língua e identidade que irão apoiar a análise de dados, já que ajudam a compreender as ideologias linguísticas ali vigentes. Exploram-se, assim, também aspectos das políticas linguísticas estatais e familiares relacionadas à Catalunha. Para esta pesquisa, conhecer esse contexto se faz importante no sentido em que compreender o PLH é também entender as especificidades do contexto em que ele se desenvolve e dar visibilidade a tudo que não há de brasileiro no repertório linguístico e cultural de seus falantes.

Primeiramente, é necessário situar as diferenças entre as fronteiras geográficas e linguísticas da Catalunha. Hoje a Catalunha político-geográfica é uma comunidade autônoma (CA), subdivisão administrativa do Estado espanhol, que goza de uma considerável autonomia em relação a temas que incluem o uso da língua e o sistema educativo, entre outros. Já a fronteira linguística do catalão é mais extensa: os països catalans, territórios cuja língua autóctone é essa, compreendem as CAs de Catalunha, Comunidade Valenciana e Ilhas Baleares, na Espanha, além da chamada franja de ponent [faixa do poente] na CA de Aragão; também o principado de Andorra, encravado entre os Pirineus, que limitam a Espanha da França; já na França, no extremo sudoeste, os Pirineus Orientals, departamento de número 66 do

Estado francês – que se autodenominam Catalunya Nord, a Catalunha do

Norte – e a cidade italiana de Alguer.

Como o próprio conceito de països catalans tenta explicar, o que se pode chamar de catalanidade ou identidade catalã vai além das fronteiras da Comunitat Autònoma de Catalunya. Nesse caso, a definição abarca uma fronteira linguística e uma identificação como coletividade cujo principal eixo é

marcadas: cada região vê a si própria como um país, com nacionalidades históricas bastante definidas e também diferenciadas entre si.

Figura 8 – Mapa dialetal do catalão (DIVERSICAT, 2015)

As áreas coloridas indicam a presença da língua, que não necessariamente coincide com a fronteira geográfica dos Països Catalans.

É na Catalunha desse contexto que o imigrante brasileiro – para

efeitos desta pesquisa, os pais, mães e professoras da APBC – deverá se

situar. Desse modo, terá que lidar não com uma, mas com duas línguas

estrangeiras – pois o castelhano continua sendo idioma oficial naquele

território. E não deixará de se surpreender uma, duas, três e incontáveis vezes, sempre que iniciar uma conversa trivial com algum transeunte, seja na fila do supermercado, do banco ou por um amigo em comum, que inclua a seguinte interrogação de praxe: “De onde você é?”. A ela, nosso imigrante responderá, sem titubear: “Sou do Brasil”, apenas para ouvir uma tréplica que o deixará

desconcertado: “Ah, então você fala brasileiro”. Brasileiro?, pensará ele ou ela, provavelmente emendando: “Não, falo português”, imaginando que talvez o interlocutor desconheça os costumes desses povos tão longínquos que vivem sob a bandeira verde e amarela, incapaz de ouvir o que realmente o catalão quis lhe dizer: “Eu reconheço as particularidades do seu povo e sei que vocês, brasileiros, em nada ou em muito pouco se identificam com Portugal hoje”.

A identificação com a ideia de catalanidade hoje está relacionada ao desenvolvimento do movimento nacionalista, pelo que se faz necessário compreendê-lo, ao menos em linhas gerais.