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O debate sobre a Guerra do Afeganistão no blogue “At War” do The New York Times

CAPÍTULO 3. MEDIA E DECISÃO POLÍTICA NORTE-AMERICANOS NA GUERRA DO AFEGANISTÃO – O EMBEDISTAN

3.2 A cobertura mediática da Guerra do Afeganistão

3.2.3 O debate sobre a Guerra do Afeganistão no blogue “At War” do The New York Times

O The New York Times é um dos jornais norte-americanos com maior presença em território afegão, em permanência desde 2001. A delegação em Cabul é composta por um núcleo duro de jornalistas e fotógrafos que se revezam ao longo do ano, tendo em permanência entre três e oito jornalistas estrangeiros no país. Para além disso, a delegação do jornal é composta ainda por três jornalistas afegãos e diversos colaboradores espalhados por todo o país. Na sua edição electrónica, o The NYT criou o blogue “At War”162, de reportagem do Afeganistão, Paquistão, Iraque e de outros conflitos na era pós-11 de Setembro (actualmente inclui reportagens também das revoltas árabes, sobretudo da Líbia e Síria), onde são publicadas não só reportagens sobre zonas de conflito, mas também análises e reflexões sobre as tendências da reportagem de guerra no mundo actual. Trata-se de um espaço interactivo, de contacto com os leitores que são convidados a colocar questões e onde, por vezes, os próprios jornalistas colocam dúvidas que surgem no campo de batalha163.

Sobre o Afeganistão, numa sessão de “Q&A” (perguntas e respostas”) promovida pelo blogue sobre a Operação em Marja, um dos leitores pergunta como é o nível de segurança no Afeganistão, e a resposta da jornalista Alissa J. Rubin reforça a visão de Michael Massing e de outros autores anteriormente referidos sobre o problema da insegurança fora da capital afegã:

“Cabul é muito mais segura que Bagdade para mim. Podemos jantar fora sem necessidade de todo aquele tipo de segurança que tínhamos em Bagdade. Dito isto, ir para

                                                                                                                         

161 No período entre o 11 de Setembro e o início do conflito, os taliban ordenaram a evacuação dos

estrangeiros no país, incluindo jornalistas. Porém, o jornalista da Al Jazeera Tayseer Allouni convenceu o regime argumentado que era residente no Afeganistão há mais de dois anos e que esse facto o distinguia dos restantes repórteres.

162

Vide http://atwar.blogs.nytimes.com/ 163

Um exemplo: no ano passado, em plena Guerra na Líbia, o jornalista C. J. Chivers questionava os leitores sobre um novo tipo de bomba cluster que havia encontrado e fotografado na Líbia, mas cujo o nome desconhecia. Seguiu-se um debate de diversas semanas no blogue sobre o engenho até se chegar a um consenso (vide http://atwar.blogs.nytimes.com/2012/02/01/can-you-name-this-cluster-bomb/?).

fora de Cabul é mais perigoso que viajar para fora de Bagdade. Os taliban são uma insurgência rural, portanto tanto embedded com as tropas norte-americanas como viajares

unembedded fora de Cabul estás potencialmente em perigo”164

(Rubin, 2010)

Desde 2010 que os jornalistas do The NYT animam o debate neste blogue sobre as Guerras no Afeganistão e no Iraque, apelidando-as de “embedistan”, dada a vasta adesão dos jornalistas a este tipo de reportagem. No primeiro texto sobre esta questão, o jornalista Stephen Farrell afirmava que “ainda antes de um jornalista de revista ter derrubado o Gen. Stanley A. McChrystal, já a prática institucionalizada dos jornalistas se movimentarem e viverem com unidades militares era um dos legados mais controversos das guerras dos EUA no século XXI”165 (Farrell, 2010). Para o jornalista do The NYT, estar embedded com um jornalista não constitui o maior problema. O cepticismo com este programa passa sobretudo pelo receio de que os repórteres se identifiquem demasiado com os militares e deixem de ser capazes de relatar uma má notícia, isto é, passem consciente ou inconscientemente a autocensurar o seu trabalho. Farrell (2010) integra no seu texto o depoimento do jornalista Seymour Hersh, um dos mais conhecidos jornalistas de investigação norte-americanos, que afirma que o embedding é a “pior coisa” que aconteceu ao jornalismo na última década e meia, desde a I Guerra do Golfo: “E é uma estratégia brilhante. É realmente controlada e magoa o jornalismo”166 (apud Farrell, 2010).

Um dos primeiros relatos no blogue é do jornalista C. J. Chivers (2010) sobre a sua experiência de embedding com tropas norte-americanas durante o assalto a Marjah. Chivers começa por explicar que os limites de espaço no jornal e a ausência de electricidade foram os únicos entraves para não ter publicado de imediato a informação recolhida no terreno. O jornalista integrou um batalhão constituído por soldados que faziam parte do grupo de 30 mil soldados que a Administração Obama havia enviado em 2010 para o Afeganistão, composto por jovens que, na sua maioria, nunca haviam experimentado situações de combate real e relata como foram irredutíveis na batalha,                                                                                                                          

164

“Kabul feels much safer than Baghdad to me. We can go out to dinner and do not need the kind of security we did in Baghdad. That said, going outside of Kabul’s borders feels more dangerous than it did to journey outside of Baghdad. The Taliban are a rural insurgency so when you embed with American troops or travel unembedded outside of Kabul, you are potentially in harm’s way” (Rubin, 2010)

165

“Even before a magazine journalist brought down Gen. Stanley A. McChrystal, the institutionalized practice of journalists moving and living with military units was one of the most controversial legacies of America’s 21st-century wars” (Farrell, 2010)

166

enfrentando a doença e a inexperiência de combate (conta, por exemplo, como era ofegante e sofrida a respiração dos soldados durante a noite, devido à inadaptação ao rigor climatérico da região). Em diversos comentários a esta publicação, os comentadores agradecem a cobertura da Kilo Company que os filhos integram, agradecendo ao jornalista por “manter a fé com as tropas”.

Num outro testemunho para o blogue, o jornalista da Time Richard A. Oppel (2011) considera que existem aspectos genuinamente positivos no embedding nomeadamente a possibilidade dos jornalistas assistirem à guerra numa perspectiva do soldado comum que ultrapassa a visão que o Pentágono ou as altas chefias militares pretendem passar. Dada a cobertura menos positiva dos jornalistas embedded nos últimos anos da Guerra do Afeganistão, Oppel (2010) tem dúvidas sobre a manutenção do programa, na medida em que os militares estão preocupados com a cobertura negativa dos embedded que conduz a uma diminuição do apoio da opinião pública à guerra. De acordo com o jornalista o plano poderá passar pela diminuição do número de embedding em zonas pashtun no Sul do Afeganistão, onde existe mais resistência, “distraindo” os jornalistas em lugares onde consideram ter mais sucesso militar.

Também o jornalista Anthony Shadid167 (2010) participou na discussão, partilhando a sua experiência enquanto repórter unembedded no Iraque e enumerando os constantes perigos que o jornalista independente enfrenta naquele conflito. A opinião do jornalista sobre o programa embedding revela cepticismo relativamente às intenções dos EUA, afirmando que não queria que “o Pentágono escrevesse esta história como um argumento, com recurso a argumentistas, e a tentação, irresistível em conflito, para manipular a realidade”168 (2010). Apesar de considerar um esforço meritório por parte dos EUA, Shadid defende que os leitores precisam de saber como é que os norte- americanos combatem neste conflito, mas tão importante como isso, onde é que as bombas caem.

De facto, a questão do embedding tem sido um dos temas centrais de reflexão no blogue, o que reflecte que os jornalistas norte-americanos estão conscientes das limitações do programa, mas também da importância do seu papel para aceder aos planos e operações militares norte-americanos em ambos os conflitos. Mais recentemente, as revoltas árabes em países como a Líbia ou a Síria vieram relançar o

                                                                                                                         

167 Jornalista do The New York Times que morreu recentemente a cobrir a revolta Síria.

168 “The Pentagon to write this story like a screenplay, with expert scene-setting, and the temptation, irresistible in conflict, to manipulate reality” (Shadid, 2010)

debate no blogue sobre o embedding, com Stephen Farrell (2012) a etiquetar os novos conflitos como uma era pós-embed, na qual os correspondentes se tentam adaptar aos novos riscos e desafios de reportagem, diferentes daqueles encontrados no Iraque ou Afeganistão que eram, até então, considerados uma nova era para os correspondentes de guerra.

3.2.4 Análise da cobertura da TIME na Guerra do Afeganistão: 10 anos de