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Segunda Guerra Mundial: a institucionalização da censura

CAPÍTULO 2. CONFLITOS MEDIATIZADOS: A RELAÇÃO ENTRE OS MEDIA E A ADMINISTRAÇÃO NORTE-AMERICANA EM SITUAÇÕES DE

2.1. Do surgimento do repórter de guerra na Crimeia à experiência do Vietname

2.1.3. Segunda Guerra Mundial: a institucionalização da censura

A propaganda na Segunda Guerra Mundial profissionalizou-se. No início da Segunda Guerra Mundial, para os aliados, o sistema de controlo dos correspondentes de guerra deveria ser exactamente o mesmo que em 1914-18, ou seja, deveria existir um oficial, conhecido como “testemunha ocular”, que escoltava um número limitado de correspondentes que seriam tolerados na sede de campanha, de forma a corroborar a informação. Além do controlo de movimentos, os oficiais poderiam censurar cuidadosamente os despachos sobre temas que pudessem afectar a moral na frente de batalha. Em resumo, os correspondentes de guerra seriam considerados parte integrante do esforço de guerra para moldar uma percepção positiva no público.

A Alemanha aprendeu com a forma como a Inglaterra geriu as notícias da Primeira Guerra Mundial. O Ministério da Propaganda, sob controlo de Goebbels, supervisionou as movimentações dos correspondentes de países neutros através do Departamento da Imprensa Estrangeira. Concedia-lhes regalias tais como rações extra, um subsídio de combustível e uma taxa especial de câmbio para a sua moeda (Knithley, 2004). Goebbels montou assim uma máquina de propaganda sem precedentes, que incluía não só jornalistas mas também outros profissionais dos media (fotógrafos, realizadores, escritores...) numa brigada chamada Propaganda Kompanien (PK) que estaria igualmente preparada para lutar. “Tornaram-se uma parte vital do esforço de guerra alemão, uma combinação de correspondentes de guerra, publicitários e mestres daquilo a que os britânicos iriam mais tarde apelidar de propaganda negra”27 (Knightley, 2004: 241).

Nos EUA a propaganda e a censura da Primeira Guerra Mundial tornaram-se um legado difícil de suportar. Ferrari e Tobin (2003) consideram que o isolacionismo dos EUA entre as duas Grandes Guerras na Europa foi, em parte, uma resposta da população norte-americana que sentiu que lhe haviam mentido sobre os acontecimentos da Grande Guerra, o que teve repercussões futuras. Durante a Segunda Guerra Mundial, a cobertura norte-americana tornou-se “mais sofisticada, mais imediata, e mais fidedigna” (Ferrari e Tobin, 2003: 12). Vários factores contribuíram para a melhoria da                                                                                                                          

27 “They became a vital part of the German war effort, a combination of straight war correspondent,

informação, nomeadamente o interesse crescente de um conjunto de leitores informados sobre a nova crise mundial; a afirmação da influência de determinados jornais norte- americanos como o The New York Times ou o New York Herald Tribune; e ainda a emergência e aperfeiçoamento de novas formas de comunicação. É o caso da rádio que, neste conflito, assumiu um papel importante, na medida em que originou novos desafios aos mecanismos de controlo militar da comunicação. A rádio trouxe a reportagem em directo – dos bombardeamentos britânicos, às mensagens de Roosevelt e à rendição alemã – e, portanto, uma nova forma de cobertura mediática mais difícil de controlar porque a imediatez da mensagem não permite acesso ao texto antes da sua difusão.

No que diz respeito à postura da Administração norte-americana, em substituição do CPR, criado na Primeira Guerra Mundial, Roosevelt manteve dois escritórios distintos durante o decorrer do conflito: o Office of Facts and Figures que mais tarde viria a chamar-se Office of War Information com orçamento aprovado de 40 milhões de dólares e que servia de gabinete de ligação entre o Governo e a imprensa, e o Office of Censorship que supervisionava todos os órgãos de comunicação social, lendo cartas pessoais, interceptando telefonemas, verificando telegramas e assegurando que os jornais e rádios seguiam o Código de Práticas em Tempo de Guerra28. Neste conflito, considerado “a guerra justa”, em que os jornalistas estavam claramente do lado dos aliados, não foi necessário criar propaganda directa. Em vez disso, foi criado este código que se tornaria um manual importante para os correspondentes norte-americanos que, como os repórteres compatriotas na Primeira Guerra Mundial, procuravam seguir as regras e proteger as tropas norte-americanas. E, tal como na Guerra Mundial precedente, quando enfrentavam uma situação ambígua no terreno, muitas vezes optavam pelo lado da censura em vez de aproveitar a oportunidade para revelar detalhes importantes, embora por vezes comprometedores, do esforço dos aliados (Knightley, 2004; Willis, 2007).

A marinha e o exército norte-americanos praticavam “censura na fonte”, impedindo a passagem de informação que não fosse conveniente. Residia nesta guerra uma dupla perversidade: os correspondentes não podiam aceder aos teatros de guerra, a não ser que tivessem creditação, e uma das condições para obter creditação era assinar um acordo para submeter todas as suas reportagens à censura naval e militar. De facto, as intenções de ambas as partes eram dramaticamente opostas: “Os correspondentes                                                                                                                          

28 O documento, cujo título original é Code of Wartime Practices, pode ser consultado em http://www.archives.ncdcr.gov/exhibits/dmedia/assets/pdf/1942-censorshipcode.pdf

procuravam contar o mais possível, o mais cedo possível; os militares procuravam contar o menos possível, o mais tarde possível”29 (Knightley, 2004: 300).

A leitura dos diversos testemunhos de jornalistas que estiveram na Segunda Guerra Mundial, reunidos no livro Reporting America at War (Ferrari e Tobin, 2003), permite-nos afirmar que a censura praticada ao longo do conflito variava consoante o teatro de guerra, o contingente ou até mesmo o censor. Porém existiam assuntos que eram sempre objecto de censura, particularmente o número de baixas militares. O famoso jornalista norte-americano Walter Cronkite30 explica-o da seguinte forma:

“Existiam determinadas coisas que sabíamos que não iriam passar. Tentávamos conviver com eles [militares] porque estávamos a tentar relatar tudo o que conseguíamos. Mas as baixas, por exemplo – eles não estavam dispostos a deixar que o inimigo soubesse quão bem sucedido teria sido em determinada acção, quantas vidas poderia reclamar, quanto material teria destruído...”31

(Cronkite, 2003: 22)

Ambas as Grandes Guerras Mundiais ilustram bem a difícil tarefa do trabalho dos jornalistas em situações de conflito, demonstrando também a evolução e aperfeiçoamento da máquina censória e propagandista militar. Se na Primeira Grande Guerra a censura foi considerada uma parte legítima do esforço de guerra, na Segunda Guerra Mundial tornou-se institucional com a criação de gabinetes de ligação entre militares e correspondentes e o surgimento da figura de relações públicas militar. Para Rozell (2003: 321), as técnicas de propaganda utilizadas nas duas Guerras Mundiais ajudaram a criar a convicção de que a opinião pública pode ser manipulada pelos media.

                                                                                                                         

29 “Correspondents seek to tell as much as possible as soon as possible; the military seeks to tell as little

as possible as late as possible” (Knightley, 2004: 300).

30 Walter Cronkite esteve em cenários de conflito tão diversificados como a Segunda Guerra Mundial

(nomeadamente no desembarque em Normandia) e o Vietname. No início da Guerra Fria tornou-se chefe do escritório da United Press em Moscovo. Nos anos 50, nos primórdios da televisão, juntou-se à CBS e, em 1962, tornou-se apresentador do noticiário Evening News da CBS – o mesmo espaço onde anunciou o assassinato de John F. Kennedy. Uma sondagem realizada na década de 60 revelava que Cronkite era a pessoa em quem mais o público norte-americano confiava.

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“There were certain things we knew weren’t going to pass. We tried to get by with them because we were trying to report everything we could. But casualties, for instance – there weren’t anxious to let the enemy know how successful they had been in any given action, how many lives they’d claimed, how much matériel they’d destroyed...” (Cronkite, 2003: 22)