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Discrepância de Informação entre Líderes e Público durante Conflito Militar

(Baum e Potter, 2008: 42)

Tradicionalmente, como constatámos anteriormente, o interesse do público por temas relacionados com a política externa é relativamente baixo, nomeadamente em situações primárias de conflito, como podemos verificar no Esquema 2, em que existe uma larga margem de discrepância entre a informação que circula entre líderes e a informação disponível para o público em geral.

Porém, à medida que o conflito avança, diversos factores contribuem para direccionar o interesse do público, nomeadamente o aumento de baixas militares, as opiniões divergentes entre a elite política e provas de que a informação disponibilizada pelos líderes não é credível ou verdadeira. Neste contexto, aumenta a procura do público por informação veiculada pelos media que têm a possibilidade de diminuir o hiato que existe entre líderes e público como demonstra o Esquema 2. Baum e Potter (2008) destacam o papel central que os media podem desempenhar em determinados momentos:

“Os media assumem um papel crucial porque produzem este dinamismo. Se não existisse este terceiro actor para controlar o fluxo de informação, ou se fosse meramente um actor passivo que servisse de correia de transporte, os líderes teriam menos incentivos para responder às mudanças da procura de informação por parte do público (excepto talvez em tempo de eleições)”14

(Baum e Potter, 2008: 43)                                                                                                                          

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“The media play a crucial role because they produce this dynamism. If there were no third actor controlling the flow of information, or if such an actor were merely a passive conveyor belt, leaders would have less incentive to respond to changes in the public’s demand for information (except perhaps near an election)” (Baum e Potter, 2008: 43)

a) O efeito “rally round the flag”

Nesta formulação da política externa existe uma espécie de equilíbrio entre a oferta e a procura tal como nas leis de mercado. A título de exemplo, quando a administração norte-americana intervém militarmente num país ou região, o público tendencialmente é favorável à decisão, num fenómeno comummente designado de “rally round the flag”. Isto significa que num primeiro momento – de curto prazo – o público responde positivamente ao envolvimento militar do país além fronteiras, numa reacção quase patriótica de apoio às decisões presidenciais.

Este fenómeno deve-se ao facto de, num primeiro estágio de intervenção, a informação que circula nos media ser predominantemente escassa e, muitas vezes, unilateral, na medida em que são amplamente citadas fontes oficiais relacionadas com a administração. Dada esta desvantagem do público face à informação, as posições das elites são tidas em conta e assimiladas, de forma geral, pela opinião pública. “O rally effect resulta do equilíbrio de mercado caracterizado por um grupo de líderes bem informado e um público com uma clara desvantagem de informação” (Baum e Potter, 2008: 46).

Para Jentelson (2007), o “rally ‘round the flag” pode ser muito positivo na medida em que ajuda a criar consenso e solidariedade nacional quando o Estado enfrenta sérias ameaças. E “pode ser politicamente útil para os presidentes cuja popularidade é impulsionada pelo ‘rallying effect’” (Jentelson, 2007: 54).

b) As baixas militares e a diminuição do apoio popular

Em contraste com a formulação do “rally round the flag”, diversos estudos sobre a relação entre estes três actores num conflito a longo prazo demonstram que à medida que os acontecimentos se vão sucedendo nos media, o conhecimento da opinião pública aumenta e diminui o hiato de informação disponível entre líderes e público. É neste contexto que notícias negativas, por exemplo, de decisões erradas de estratégia, baixas militares ou civis, entre outros temas, provocam uma reacção negativa junto da opinião pública que é necessário gerir a nível político (Baum e Potter, 2008).

Os governos perdem popularidade proporcionalmente ao aumento dos custos da guerra em sangue e dinheiro. Em democracia, a questão das baixas – militares ou civis – é central nas explicações institucionais da paz democrática. De acordo com Koch e Gartner (2005), os líderes democráticos preocupam-se com a forma como as baixas

afectam o desenrolar de um conflito, a eficácia militar durante o conflito e ainda os resultados militares e as consequências políticas internas durante e no pós-conflito.

Reconhecendo esta relação causa/efeito, os decisores políticos de regimes democráticos tendem a evitar conflitos com altas taxas de baixas civis ou militares e, consequentemente, altas taxas de custos políticos (Koch e Gartner, 2005: 876-7).

Esta “sensibilidade” para a questão das baixas militares surge entre o público norte-americano na década de 70, relativamente a duas guerras que se revelaram extremamente impopulares nos EUA – as guerras na Coreia e no Vietname.

Segundo Boettcher e Cobb (2006), esta percepção foi consolidada ao longo dos 20 anos posteriores, em que o declínio do apoio popular ditou a rápida saída da presença norte-americana em conflitos como o Líbano e a Somália, uma estratégia diferente na primeira guerra do Iraque, no Haiti e Kosovo (com limitações na cobertura mediática, como teremos oportunidade de ver no Capítulo 2) e intervenções muito restritas em cenários como a Bósnia (num período inicial) e o Ruanda. Esta nova tendência levou a que, na década de 90, as grandes potências mundiais democráticas tivessem fobia a baixas, o que as levou à inacção e ao consequente incumprimento do seu papel como gestoras do sistema internacional (Luttwak, 1994, apud Boettcher e Cobb, 2006).

O 11 de Setembro de 2001 provoca um ponto de viragem nesta relação. O número significativo de baixas civis em território norte-americano, pela primeira vez desde 1812, provoca uma mudança na forma com a opinião pública apoia e percepciona a intervenção militar dos EUA no exterior (Boettcher e Cobb, 2006), podendo afirmar- se que a intervenção no Afeganistão beneficiou do efeito “rally round the flag” como veremos mais adiante. Para Jentelson (2007), o consenso nacional no pós-11 de Setembro foi “mais amplo e forte que qualquer outro momento desde a Guerra Fria” (Jentelson, 2007: 301).

Apesar do apoio inicial às guerras do Afeganistão e Iraque, e do baixo número de baixas militares norte-americanas em ambos os conflitos num período inicial, o aumento de informação sobre os conflitos ao longo da década – desde erros estratégicos a número de baixas civis e militares – começam a desencadear alguma contestação entre a opinião pública norte-americana15.

                                                                                                                         

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c) Efeito CNN: como as notícias podem conduzir a política externa

Um artigo publicado na revista Newsweek a 12 de Dezembro de 1992, intitulado “Did the Press Push Us into Somalia?”, é bastante ilustrativo do poder, neste caso da televisão, na condução de determinados episódios de política externa: “Quando os fuzileiros desembarcaram na praia em Mogadíscio a semana passada, não foi uma grande surpresa ver que as forças inimigas que atiravam contra eles não tinham armas, mas sim câmaras”16 (Alter, 1992).

Quase dois anos antes deste episódio, mais precisamente na tarde de 16 de Janeiro de 1991, poucas horas antes do “prime time”, o Iraque começou a ser bombardeado em directo na CNN. À hora de jantar, milhões de norte-americanos e o mundo em geral pôde assistir em tempo real aos bombardeamentos que deram início à Primeira Guerra do Golfo – o conflito que assinalou o começo de um novo ciclo da relação entre os media e a política externa ao torná-la “mais gráfica e mais evidente do que alguma vez havia sido” (Jentelson, 2007: 49). De acordo com Gilboa (2005), este conflito marcou um ponto de viragem na história da comunicação e da CNN em particular que emergiu como um “actor global nas relações internacionais” (op. cit, 27).

Este novo paradigma ficou conhecido como o “efeito CNN”, traduzido numa vasta influência que a televisão, partindo do caso específico da CNN, pode provocar na condução da política externa de um Estado. A título de exemplo, Woodrow (1991) refere-se à CNN como a “telediplomacia” que poderia provocar “o estabelecimento de uma autêntica ‘videocracia’” (1991: 91) e dá vários exemplos de como os políticos se relacionam com o advento do canal televisivo que transmite 24 por dia:

“Inúmeros políticos e mesmo chefes de Estado não querem outra coisa a não ser este canal de informação contínua: George Bush, que a recebe no seu carro, Henry Kissinger que nunca se desloca ao estrangeiro sem a lista completa dos hotéis que têm a CNN, Lech Walesa, Nancy Reagan ou ainda James Baker, que confidenciava a Ted Turner que a reacção aos acontecimentos da praça Tiananmen nunca teria sido tão vigorosa sem as imagens transmitidas em directo da China”

(Woodrow, 1991: 92-93)

                                                                                                                         

16 “When the Marines stormed the beach at Mogadishu last week, it was no big surprise that the enemy

De facto, diversos autores que se debruçaram no estudo do “efeito CNN” defendem que o tempo real da comunicação social pode provocar uma maior e mais rápida resposta do público e das elites políticas face a problemas e crises globais.

De acordo com Klarevas (2003), a intervenção na Somália foi provocada pelas imagens televisivas difundidas pela CNN, bem como a sua rápida retirada. “Este caso demonstra que quando uma questão de segurança nacional, tal como foram as baixas de soldados norte-americanos, é transmitida na televisão, o seu impacto pode ser um pouco forte” (Klarevas, 2003: 284).

Existem outros casos que demonstram a forma como os media, principalmente a televisão, podem desempenhar um papel determinante no desfecho de determinadas intervenções no exterior. Um dos casos é o Haiti, em 1994, que veio demonstrar que quando não existe uma estratégia política delineada para determinadas operações, os media podem explorar esse “vácuo”, provocando uma reacção na opinião pública. Outro caso também amplamente citado diz respeito à Bósnia que, segundo Klarevas (2003), revelou que o “efeito CNN” não se limita aos EUA, tendo assumido proporções globais.

Apesar de não se poder descurar o poder da televisão, Jentelson (2007) critica o poder excessivo conferido ao “efeito CNN”. Através de inúmeras entrevistas realizadas a diferentes actores da definição de política externa (membros das administrações Clinton e Bush, porta-vozes militares, jornalistas da tv, rádio e imprensa, membros das Nações Unidas e outras organizações), Jentelson (2007) retirou diversas conclusões, nomeadamente que:

- as imagens televisivas não têm poder de forçar os decisores políticos norte- americanos a intervir num conflito militar onde não há interesse nacional claro;

- parece existir uma relação inversa entre o poder das imagens sobre determinadas decisões políticas e os presumíveis custos da operação;

- a cobertura mediática tem um impacto maior quando o poder executivo não está suficientemente articulado;

- a prevalência da reportagem em tempo real confere aos decisões políticos menos tempo para agir publicamente, porém não significa que os media determinam automaticamente uma acção política (Jentelson, 2007: 586).

CAPÍTULO 2. CONFLITOS MEDIATIZADOS: A RELAÇÃO ENTRE OS