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2 ACERCA DAS BARRAGENS: BREVES REGISTROS

2.2 O DEBATE EM TORNO DAS BARRAGENS

A discussão sobre a função, a necessidade e as implicações da construção das grandes barragens no âmbito internacional ganhou notoriedade durante as décadas de 1980 e 1990, tendo sido demarcadas duas posições antagônicas. Os defensores destes grandes projetos, de um lado, alegam seus aportes para o desenvolvimento. Por outro lado, os críticos sinalizam seus efeitos nefastos, dentre eles, o deslocamento compulsório de milhões de pessoas e a destruição de ecossistemas naturais (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2003a).

A construção de barragens no século XX acompanhou o aumento das populações e o crescimento das economias nacionais em todo o mundo, para atender as demandas de água e energia, sendo que quase metade dos rios do mundo tem ao menos uma grande barragem, como contabiliza a Comissão Mundial de Barragens (2000b). Acerca da proliferação das represas, reporta Campanili (s/d) que o mundo conta com cerca de 800 mil barragens, 45 mil delas de grande porte, considerando a classificação anteriormente referida. Por volta do ano 2000 se encontravam em construção cerca de 1.700 barragens, movimentando, anualmente, aproximadamente 50 bilhões de dólares. A autora acresce que as barragens, até a década de 1970, eram divulgadas por seus defensores como ícone de desenvolvimento. Coincidindo com

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A sigla ICOLD deriva do nome da instituição em inglês que é International Commision Large Dams, criada em 1928. È a mesma CIGB (Comissão Internacional de Grandes Barragens). Trata-se de uma Organização Não Governamental (ONG) que mantém um fórum para o intercâmbio de conhecimentos e experiência em engenharia de barragens. A ICOLD, juntamente com o Comitê Brasileiro de Grandes Barragens (CBDB), promoveram o 23º Congresso Internacional sobre Grandes Barragens e a 77ª Reunião Anual, em Brasília, em maio de 2009 (BARBOSA, 2009).

a constatação do Movimento dos Atingidos por Barragens, a autora em referência situa a década de 1980 como o período a partir do qual as barragens passam a ser questionadas pelos altos impactos ambientais e sociais produzidos, a exemplo do deslocamento anual de 4 milhões de pessoas, no mundo.

Nesse sentido, é significativa a informação de que,

entre 1970 e 1979, 5.415 barragens foram construídas em todo o planeta, duplicando o número de barragens construídas durante os anos 1950. O ritmo, porém, caiu drasticamente a partir de meados da década de 1980, devido a considerações de ordem financeira, social e ambiental (COMISSÃO MUNDIAL DE BARRAGENS, 1999, p.1).

Na África foram construídas pelo menos 1.272 grandes barragens com o propósito principal de servir à irrigação e fornecimento de água. A África do Sul, com 539 barragens, detém o maior número de barragens no Continente Africano, seguindo-se o Zimbábue (213) e a Argélia (107). No Oriente Médio há pelo menos 793 grandes barragens cuja função principal é a irrigação, além da necessidade de mitigar os efeitos de inundações. A Turquia é detentora do maior número de represas (625), seguida do Irã (66), Síria (41) e Arábia Saudita (38) (COMISSÃO MUNDIAL DE BARRAGENS, 1999).

Na década de 1990, o acirramento das controvérsias em torno da construção de barragens induziu a constituição da Comissão Mundial de Barragens (CMB)11, durante encontro sobre o tema, patrocinado pelo Banco Mundial e pela União pela Conservação Mundial (UCN) em Gland, na Suíça, em abril de 1997, que agregou cerca de 800 ONGs e agências governamentais (COMISSÃO MUNDIAL DE BARRAGENS, 1999). Essa Comissão teve por missão entregar, até meados do ano 2000, um relatório mundial, contendo uma revisão sobre a contribuição efetiva das grandes barragens ao desenvolvimento e estabelecer normas e

11 A Comissão Mundial de Barragens (CMB) foi constituída com mandato para perseguir os seguintes objetivos:

“examinar a eficácia da construção de grandes barragens e estudar alternativas para o desenvolvimento de recursos

hídricos e energéticos; e elaborar critérios, diretrizes e padrões internacionalmente aceitáveis para o planejamento, projeto, avaliação, construção, operação, monitoramento e descomissionamento de barragens. A CMB iniciou o seu trabalho em maio de 1998, sob a presidência do prof. Kader Asmal, ministro de Assuntos Hídricos e Florestais da África do Sul, na época. Os membros foram escolhidos de tal modo que refletissem a diversidade regional, uma variada gama de conhecimentos e as diferentes expectativas das partes envolvidas. A CMB foi independente, com cada membro participando com sua capacidade individual, não representando nenhuma instituição ou país. A Comissão empreendeu a primeira investigação abrangente de natureza global e independente do desempenho e impacto das grandes barragens e das opções disponíveis para o desenvolvimento de recursos hídricos e energéticos. Consultas públicas e o livre acesso à Comissão foram componentes fundamentais do processo. O Fórum da CMB, constituído por 68 membros - formando uma amostra representativa fiel dos vários interesses envolvidos, pontos de vista e instituições - foi consultado ao longo de todo o trabalho da Comissão. A CMB foi pioneira num novo modelo de obtenção de verbas envolvendo todos os grupos interessados no debate: 53 organizações públicas, privadas e da sociedade civil ofereceram fundos para o processo da CMB. O relatório final da Comissão Mundial de Barragens, Barragens e Desenvolvimento: Um Novo Modelo para Tomada de Decisões

diretrizes internacionalmente aceitáveis para a tomada de decisões futuras em relação às represas (CAMPANILI, s/d).

Não se pode negar a tendência de uma polarização a favor das grandes represas. Protocolarmente, os projetos são acompanhados de uma série de argumentos que apontam para as necessidades de desenvolvimento social e econômico que as barragens visam satisfazer, como a irrigação, a geração de eletricidade, o controle de inundações e o fornecimento de água potável, anteriormente mencionados.

Essa posição é reforçada ao deparar com indicadores da Comissão Mundial de Barragens (2000b), a saber: neste novo século, um terço dos países do mundo depende de usinas hidrelétricas para produzir mais da metade da sua eletricidade; as grandes barragens geram 19% de toda a eletricidade do mundo; metade dessas grandes barragens foi construída exclusiva ou primordialmente para fins de irrigação; cerca de 30 a 40% dos 271 milhões de hectares irrigados no planeta dependem de represas. Indicadores como esses, analisados de forma descontextualizada, concorrem à aceitação de que as represas consistem em um importante meio de atender às demandas das populações por água e energia.

Outras funções e metas das barragens são acrescidas às tradicionais, pela Comissão Mundial de Barragens (2000b). Concebidas como investimentos estratégicos de longo prazo, as grandes barragens, sob este ângulo, são capazes de oferecer múltiplos benefícios, como: desenvolvimento regional, geração de emprego e fomento para uma base industrial com potencial exportador. No que concerne à geração de renda advinda de exportações, menciona- se a venda direta de eletricidade, de produtos agrícolas ou de produtos processados por indústrias eletrointensivas, como a indústria do alumínio. Nessa perspectiva, as barragens poderiam desempenhar um papel importante no mundo.

Por outro lado, a posição dos oponentes também recebe destaque nos trabalhos da Comissão Mundial de Barragens, havendo uma oportuna problematização dos impactos adversos das represas, como o empobrecimento de populações, a destruição de ecossistemas e dos recursos pesqueiros, a divisão desigual dos custos e dos benefícios, o aumento do endividamento dos países e a ultrapassagem dos limites dos orçamentos. Fazendo uma apreciação do ocorrido nos últimos 50 anos, no que se refere ao desempenho e aos impactos sociais e ambientais das grandes barragens, é importante sublinhar que

essas [as represas] fragmentaram e transformaram os rios do mundo, enquanto que estimativas globais sugerem que entre 40 e 80 milhões de pessoas foram deslocadas pelas barragens. À medida que as bases dos processos de tomada de decisão foram tornando-se mais abertas, participativas e transparentes em muitos países, a opção de construir grandes barragens foi sendo cada vez mais contestada, chegando ao ponto

de colocar-se em questão a construção de novas grandes barragens em muitos países. Os enormes investimentos envolvidos e os impactos gerados pelas grandes barragens provocaram conflitos acerca da localização e impactos dessas construções - tanto das já existentes como das que ainda estão em fase de projeto, tornando-se atualmente uma das questões mais controvertidas na área do desenvolvimento (COMISSÃO MUNDIAL DE BARRAGENS, 2000b, p. 1).

Passados mais de dois anos de análises e conversação com partidários e oponentes de grandes barragens, a CMB concluiu que todo projeto de barragem deve almejar a melhoria sustentável do bem-estar humano, o que significa

promover um avanço significativo no desenvolvimento humano em uma base que seja economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável. Se uma grande barragem for a melhor maneira de atingir tal meta, ela merece ser apoiada. Se outras opções oferecem soluções melhores, elas devem ser preferidas (COMISSÃO MUNDIAL DE BARRAGENS, 2000b, p. 1).

Desse modo, a Comissão Mundial de Barragens destacou em seu relatório final as seguintes conclusões concordadas entre os comissionários:

As barragens prestaram uma importante e significativa contribuição ao desenvolvimento humano, e os benefícios derivados delas foram consideráveis; Em um número excessivo de casos foi pago um preço inaceitável e muitas vezes desnecessário para assegurar esses benefícios, especialmente em termos sociais e ambientais, pelas pessoas deslocadas, pelas comunidades a jusante, pelos contribuintes e pelo meio ambiente natural; A falta de equidade na distribuição dos benefícios colocou em questão a capacidade de diversas barragens de atender de maneira ótima às necessidades de desenvolvimento dos recursos hídricos e energéticos quando confrontados com outras alternativas; Ao se incluir no debate todos aqueles cujos direitos estão envolvidos e que arcam com os riscos associados às diferentes opções de desenvolvimento de recursos hídricos e energéticos, são criadas as condições para uma resolução positiva de interesses concorrentes e de conflitos; Soluções negociadas aumentarão sensivelmente a eficiência do desenvolvimento de projetos de aproveitamento de recursos hídricos e energéticos ao eliminarem projetos desfavoráveis nos estágios iniciais do processo, oferecendo como opções apenas aqueles que as principais partes envolvidas concordam serem os melhores para atender às necessidades em questão (COMISSÃO MUNDIAL DE BARRAGENS, 2000b, p. 1).

Assim, o debate em torno das barragens coloca em cheque pontos de vista estabelecidos de como as sociedades desenvolvem e gerenciam seus recursos hídricos em um contexto mais amplo de opções de desenvolvimento. Em meio às controvérsias e grandes contradições envolvidas nesse debate, é importante prosseguir analisando porque as barragens são construídas e o que está por trás das demandas que justificam a construção das mesmas.

É notório que os recursos naturais, em especial os recursos hídricos, estejam sujeitos a demandas crescentes e competitivas, impulsionadas pelo crescimento da população global e pelos interesses do capital. Consequentemente, a possibilidade de conflitos regionais sobre

recursos hídricos é real, pois a quantidade de água está diretamente relacionada à produção de energia e de alimentos.

Como bem lembra Ioris (2006, p. 2), o debate não deve restringir-se a processos

hidrológicos ou institucionais, sem estabelecer uma relação direta e clara entre “exploração

econômica do meio ambiente e exploração político-econômica da sociedade”. Nesta base de raciocínio está o reconhecimento de que a degradação ambiental em geral e a degradação ambiental resultante da construção de represas resultam das exigências do desenvolvimento e

consistem na “outra face da degradação social causada pela exploração da maioria da população”.

Historicamente, a destruição da natureza e do meio ambiente, através, por exemplo, da exploração dos recursos hídricos, associada à exploração da força humana de trabalho, que resulta na exclusão social, sempre serviu aos interesses agroindustriais, como instrumentos de acumulação de capital e de poder político, em todo o mundo (IORES, 2006).

Conforme afirma Waldman (1998, p. 12), o caráter privado da propriedade no sistema

capitalista “determina uma apropriação privada da natureza, seja em escala local, nacional ou

mundial, dado o caráter de internacionalização do capitalismo”. Em acréscimo, a afirmação que se segue sublinha o que decorre desse processo:

Quanto mais aumentam a competitividade e a concorrência intercapitais, mais nefastas são suas consequências das quais duas são particularmente graves: a destruição e/ou precarização, sem paralelos em toda a era moderna, da força humana que trabalha e a degradação crescente do meio ambiente, na relação metabólica entre homem, tecnologia e natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a produção de mercadorias e para o processo de valorização do capital (ANTUNES, 2000, p. 34).

Em seu diálogo ecológico com Marx, Waldman (1998) remete à discussão da ecologia diretamente às formulações marxianas, sublinhando a atualidade da teoria social por ele construída, numa de suas vertentes: a crítica radical ao capitalismo. Segundo Waldman (1998,

p. 49), a formação social capitalista reconfigurada “pelas novas tecnologias, pela

microeletrônica, robótica, novos materiais, novas fontes de energia e pela engenharia genética

mantém inalterada sua essência”, que consiste na exploração do trabalho pelo capital, dos

países pobres (capitalismo periférico) pelos países ricos (capitalismo central). Dita exploração amalgama-se com degradação ambiental, justificada pelo caráter privado que a propriedade assume no regime capitalista. O autor recupera, no decorrer de sua análise, a passagem de Marx referente a sua premissa de que a natureza deveria beneficiar coletivamente a humanidade:

Quando a sociedade atingir uma formação social superior, a propriedade privada de certos indivíduos sobre parcelas do globo terrestre parecerá tão monstruosa como a propriedade de um ser humano sobre outro. Mesmo uma sociedade inteira não é proprietária da terra, nem uma nação, nem todas as sociedades de uma época reunidas. São apenas possuidoras, usufrutuárias dela, e como boni patres famílias (bons pais de família) têm de legá-las, melhoradas, às gerações futuras (MARX, 1975, apud WALDMAN, 1998, p. 49, grifo do autor).

É, portanto, com base nesses fundamentos, que se pretende a discussão do porque da construção de barragens. Estas se situam no âmago dos problemas dos recursos hídricos, profundamente associados às questões socioambientais, tendo sua origem na contradição básica entre produção capitalista e condições ambientais de produção. Nesse âmbito, o avanço da produção capitalista e a expansão da influência do capital impõem o tratamento dos recursos naturais como mercadoria, passível da apropriação privada. Essa comodificação da natureza é determinada por circunstâncias locais e através de lutas políticas e conflitos em diferentes níveis e escalas espaciais (IORIS, 2006). Além disso,

[...] a comodificação resulta, por um lado, em acumulação de riqueza nas mãos de poucos, e, por outro lado, em degradação ambiental e injustiça social. A degradação ambiental ocorre tanto em períodos de crescimento econômico, quanto em fases de crise, porque quando a economia cresce, mais recursos naturais são necessários, mas quando a economia se arrefece, há uma pressão extra para facilitar o acesso aos recursos como forma de fomentar um novo ciclo de crescimento (IORIS 2006, p. 2).

Assim, na análise de Ioris (2006, p. 3) “existe uma permanente e dialética interação

entre a atividade humana e o meio ambiente, a qual inclui, como um de seus componentes

básicos, a relação de interdependência entre sociedade e recursos hídricos”. Nesse sentido, o

autor ratifica que a água é primordial a inúmeros processos naturais, ao tempo em que é parte

integral das relações sociais, “não sendo possível desvincular a circulação das águas da

interferência humana nem ignorar as circunstancias hidrológicas de comunidades e

civilizações” (IORIS, 2006, p. 3).

O controle de recursos hídricos continua sendo um componente essencial da infraestrutura necessária à acumulação capitalista, sob a ideologia que esteia o imperativo do desenvolvimento sustentável12. Nessa perspectiva, a construção de barragens, em todo o

12 O Informe Nosso futuro comum, conhecido como Informe Brundtland, concluindo que a proteção ambiental havia deixado de ser uma tarefa nacional ou regional para converter-se em um problema global, forjou o conceito de desenvolvimento sustentável, como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de que as gerações futuras satisfaçam as suas próprias necessidades. Dessa forma, pretende-se que não ocorra o esgotamento dos recursos para o futuro e sim o equilíbrio entre desenvolvimento ecônimo e proteção ambiental (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2007). Quetiona-se, todavia, se é possível esse mundo equilibrado, preconizado pelos defensores do desenvolvimento sustentável, no âmbito do sistema capitalista. Daí o teor ideológico hegemônico que está envolvido no conceito.

mundo, visa suprir a carência de água e de energia através da exploração dos recursos naturais renováveis, privilegiando a geração de energia a partir das grandes usinas hidrelétricas. Tal empreendimento atende, portanto, aos imperativos atuais do crescimento das forças produtivas, no âmbito do processo mais amplo e globalizado de reestruturação produtiva13.

Como lembra a Rede Internacional de Rios (2000), especialistas em energia têm explorado todos os locais e razões possíveis para exercitar seus métodos de represamento de rios. Na América Latina, por exemplo, represas famosas como Itaipu (Rio Paraná, fronteira entre o Brasil e o Paraguai), Guri (Bacia hidrográfica do Rio Caroni, Venezuela), Tucuruí (Rio Tocantins, no Pará, Brasil) e Yacyretá (localizada entre a Argentina e o Paraguai) tornaram-se peças centrais de planos ambiciosos de expansão da mineração e da industrialização. No hemisfério Norte, diga-se de passagem, a maior parte dos rios já foi danificada e a crescente consciência ambiental fez com que grandes barragens perdessem a popularidade.

Todavia, os defensores das grandes barragens divulgam a ideia de que a energia hidroelétrica seria barata, porque, ao contrário de usinas alimentadas por carvão e óleo, têm um fator de produção gratuito, através do ciclo hidrológico. A Rede Internacional de Rios (2000) afirma que a ilusão de que esse preço seja baixo começa a se dissipar quando todos os custos econômicos da construção de uma barragem são considerados, incluindo os custos ambientais, sociais e de seu desempenho operacional. Assim, vários fatores, muitas vezes combinados, possuem um impacto devastador sobre o aspecto econômico da edificação de barragens. Entre eles: construções muito extensas e seus problemas operacionais; as crescentes exigências para o ressarcimento de medidas de mitigação ambiental e social14; atrasos da obra devido à oposição da sociedade; e o fato de os lugares mais adequados para a construção já estarem ocupados.

Segundo a referida Rede, os custos excedentes geralmente atingem a economia das barragens porque apesar de os gastos operacionais de uma hidrelétrica serem baixos, os custos de construção são extremamente altos. Estima-se que muitos desses projetos não teriam sido executados se os seus custos verdadeiros fossem avaliados e revelados publicamente, antes do início da construção. Vale salientar que, atualmente, como os governos de todas as partes do

13 Segundo Antunes (2000), nas últimas décadas o capitalismo tem enfrentado acentuada crise estrutural, cujos elementos constitutivos essenciais são de entendimento complexo, uma vez que nesse mesmo período ocorreram mutações intensivas de ordem econômicas, sociais, políticas, ideológicas, repercutindo fortemente no ideário, na subjetividade e nos valores constitutivos da classe-que-vive-do-trabalho. Em face às consequências dessa crise, foi implementado um amplo processo de reestruturação do capital, sem, contudo, alterar os pilares essenciais do modo de produção capitalista. Novos e velhos mecanismos são usados para recompor e ampliar os patamares de acumulação.

14“Mitigação é o resultado da aplicação de um conjunto de medidas para reduzir o risco e eliminar ou diminuir ao máximo a vulnerabilidade física, social e econômica. A mitigação é uma das atividades mais importantes, pois ela pressupõe ações antecipadas, para reduzir significativamente as consequências de um determinado evento” (BARBOSA, 2008, p. 12).

mundo estão cortando gastos públicos, passa a ser feito o financiamento de projetos de infraestrutura pelo setor privado, que tem constatado que as barragens geralmente saem mais caras e demoram mais para ser construídas do que o planejado. Uma pesquisa feita pelo Banco Mundial em 1994 mostrou que 70 barragens hidrelétricas, financiadas por esse órgão desde 1960, excederam em 30% os custos inicialmente previstos (REDE INTERNACIONAL DE RIOS, 2000).

Um exemplo que ilustra a vulnerabilidade econômica destes projetos é o caso da hidrelétrica Yacyretá que deveria ter sido concluída até 1989. Pelo menos uma década após a data prevista para sua conclusão, e apesar de quase todos os trabalhos de engenharia civil terem sido concluídos, as medidas de mitigação dos impactos social e ambiental estavam longe de se completarem, e o reservatório foi apenas parcialmente cheio, começando a gerar energia apenas no ano de 1994 (REDE INTERNACIONAL DE RIOS, 2000). Essa demora,

combinada com os enormes custos excedentes e frequentes casos de corrupção, fez com que a eletricidade gerada por essa barragem [por volta do ano 2000] fique em 9,5 centavos por quilowatt-hora, enquanto no restante da Argentina o preço é de apenas quatro centavos por quilowatt-hora (REDE INTERNACIONAL DE RIOS, 2000, p. 9).

Os custos finais têm implicações sobre economias inteiras, a exemplo do que se informa a seguir:

O custo de Chixoy – US$ 944 milhões – representava aproximadamente 40% da dívida externa da Guatemala, em 1988. A Itaipu binacional, uma empresa constituída pelos Governos Brasileiro e Paraguaio para construir e operar a usina hidroelétrica de Itaipu (que tem 12.600 MW de capacidade instalada no Rio Paraná), tomou emprestado de bancos estrangeiros praticamente todo o custo do projeto, usando para isso garantias do Governo Brasileiro. O débito alcançou US$ 16,6 bilhões em 1990, com os juros absorvendo até 80% da receita proveniente da venda da eletricidade. Só