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MOBILIZAÇÃO DOS ATINGIDOS PELA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE ACAUÃ EM DEFESA DOS DIREITOS DE SOBREVIVÊNCIA MATERIAL E À

2 ACERCA DAS BARRAGENS: BREVES REGISTROS

3 CONTEXTO PARTICULAR DA POPULAÇÃO ATINGIDA PELA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE ACAUÃ

3.3 MOBILIZAÇÃO DOS ATINGIDOS PELA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE ACAUÃ EM DEFESA DOS DIREITOS DE SOBREVIVÊNCIA MATERIAL E À

EDUCAÇÃO ESCOLAR

No planejamento das grandes barragens, do ponto de vista oficial, são previstas várias ações visando à avaliação de alternativas de desenvolvimento e de atenuação dos impactos sociais, econômicos e ambientais causados pela implantação do reservatório, na bacia hidrográfica. Dentre essas ações, se destaca a realização do que deveria ser um criterioso levantamento de dados acerca das condições de vida da população, visando à identificação dos problemas locais, das potencialidades, dos impasses, das tendências e das possibilidades de mitigação dos efeitos. Nesse sentido, Lins (2006) ratifica que as implicações adversas da construção de barragens podem ser minimizadas mediante um planejamento criterioso, com a participação popular e pela incorporação de uma variedade de medidas mitigadoras.

Por sua vez, o projeto de implantação do reservatório de Acauã na bacia hidrográfica do Rio Paraíba, conforme as metas oficiais estabelecidas, comprometeu-se com o desenvolvimento regional e, consequentemente, com a melhoria na qualidade de vida da população atingida tanto na área de influência física, composta por parte da zona rural dos municípios de Aroeiras, Itatuba e Natuba, quanto na área de influência funcional composta, além dos três municípios citados, pelos municípios de Campina Grande, Queimadas, Caturité, Boqueirão, Fagundes, Aroeiras, Itatuba, Ingá, Mogeiro, Salgado de São Félix, Itabaiana, Pilar São Miguel de Taipu e Juripiranga. Tais promessas de desenvolvimento incluíam a complementação do abastecimento de água de Campina Grande, a maior cidade da região, o abastecimento de água das demais cidades citadas acima, a perenização do rio, a regularização

do fornecimento de água nas áreas ribeirinhas, o desenvolvimento hidroagrícola e o desenvolvimento da piscicultura nas áreas periféricas do reservatório (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA/SEMARH, 2000)

Definidos os objetivos e as metas, o Governo Estadual previu os impactos ambientais, econômicos e sociais referentes ao reservatório de Acauã, definindo as medidas mitigadoras sistematizadas no EIA80, medidas essas associadas aos componentes impactados, bem como aos impactos potenciais.

Além da empreiteira, vários órgãos oficiais estavam envolvidos para a operacionalização das medidas mitigadoras, quais sejam: a Secretaria Extraordinária do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos e Minerais da Paraíba (SEMARH), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Superintendência de Administração do Meio Ambiente (SUDEMA), Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba (SESA), Instituto Butantã (BUTANTÃ), Departamento de Estrada e Rodagem da Paraíba (DER-PB), Companhia de Água e Esgoto do Estado da Paraíba (CAGEPA), Serviços Autônomos de Eletrificação da Paraíba (SAELPA), Prefeitura Municipal de Aroeiras (PMA), Prefeitura Municipal de Natuba (PMN), Prefeitura Municipal de Itatuba (PMI), além de Igrejas, Fórum da Comarca, Exército e escolas.

A despeito da variedade de órgãos oficiais e entidades envolvidas na concretização das várias medidas mitigadoras planejadas, algumas delas já aludidas no Capítulo I, foi possível observar in loco, bem como através dos vários documentos e depoimentos reunidos no âmbito da pesquisa, que a mitigação dos efeitos impactantes na área de influência de Acauã não ocorreu a contento. É notório que o processo das perdas culturais, econômicas e sociais vivenciado pelas populações atingidas foi minimizado e até desconsiderado pelo Estado, ao não aplicar as medidas mitigadoras dos impactos anteriormente previstos em seus próprios documentos oficiais, alusivos à Barragem de Acauã.

Todo o sofrimento da população atingida pelos impactos resultantes da construção e do enchimento do lago de Acauã e, obviamente, pelo não cumprimento das promessas governamentais motivou o protesto organizado das famílias atingidas, configurando-se como um processo de mobilização. As reivindicações, desde o princípio, incluíram melhorias quanto ao reassentamento, moradia, reavaliação de processos de indenização e crédito rural.

80 Por meio do Ministério Público Estadual, o MAB-Paraíba teve acesso a documentos da Barragem de Acauã, incluindo o EIA, documento de difícil acesso, que fica disponível para consulta pública, apenas, no prédio da biblioteca da SEMARH, em João Pessoa. Os líderes do MAB-Paraíba disponibilizaram esse documento para a presente pesquisa.

Para compreender o teor das reivindicações, é oportuno fazer referência ao planejamento da ação governamental em termos de medidas mitigadoras, cuja falta de concretização tem trazido vários prejuízos e tem motivado os conflitos entre os atingidos e o Estado, desde o planejamento e construção da barragem até os dias atuais.

O EIA descreve e avalia os impactos e medidas de mitigação para serem aplicadas na área de influência física e na área de influência funcional da barragem. A população, por sua vez, vivenciou os impactos, esperou e, ainda espera pelas medidas minimizadoras de tais efeitos.

Os textos oficiais, tecnicamente, circunscrevem os efeitos provenientes da construção de uma barragem e quais ações devem ser colocadas em prática para atenuar os impactos. Nesse sentido o EIA de Acauã, pelo menos na visão de quem não pertence à área de investigação específica, abrange várias ações impactantes e as respectivas formas de atenuá- las a contento81.

No âmbito do presente trabalho, a análise do documento motivou a exposição de algumas ações e uma breve avaliação da situação verificada na prática. Portanto, a título de sistematização, seguem os principais impactos e medidas planejadas, seguidos de breves considerações acerca do alcance e/ou cumprimento de tais medidas, as quais estão relacionadas tanto aos aspectos naturais como ao meio antrópico, que se interrelacionam. Para tanto, é mister um traslado ao cenário onde foram instalados os canteiros de obra e o território envolvente, num esforço por visualizar duas paisagens: a primeira correspondente ao período anterior à construção de Acauã e a segunda, referente ao processo de construção e enchimento do lago.

Por ocasião das obras do reservatório de Acauã, foi prevista, no EIA, como uma das primeiras ações impactantes, o manejo da fauna, efetuado, concomitantemente, com o desmatamento. Previram-se e ocorreram pequenos incrementos na oferta de emprego, com reflexos sobre o nível de renda, além da criação de subprodutos como carvão, lenha e madeira. Dessa forma, foi planejado o desmatamento zoneado para a erradicação da cobertura vegetal da área da bacia hidráulica, prevendo o beneficiamento do bioma aquático. Tal desmatamento deveria estar associado a várias ações mitigadoras, dentre elas: o manejo da fauna, com o salvamento de indivíduos que retornassem ao antigo habitat; o desmatamento zoneado respeitando a época de procriação da maioria dos pássaros; o peixamento do reservatório, com espécies destinadas à recomposição da ictiofauna e/ou à pesca comercial;

disponibilidade de alimento natural para a ictiofauna; o combate a doenças de veiculação hídrica; e a melhoria da qualidade da água para fins de abastecimento doméstico, prevenindo a eutroficação do lago.

Quanto ao manejo da fauna terrestre e ornitofauna, o projeto incluiu a implementação de uma operação de manejo dos animais com dificuldades de locomoção para áreas de reservas ecológicas, captura e encaminhamento de animais peçonhentos ou debilitados para instituições afins, alerta à população e às autoridades quanto ao perigo do êxodo de animais peçonhentos, aparelhamento dos postos de saúde da região, especialmente com estocagem de soros antiofídicos, dentre outras medidas mitigadoras.

Não obstante as várias medidas previstas para abrandar os efeitos da interferência no meio ambiente, com a implantação dos canteiros de obras, a população, descontente com o advento da barragem, testemunha as lacunas nesse processo, vez que nem toda a vegetação, juntamente com a fauna, foi retirada, permanecendo submergida no reservatório, o que interferiu na qualidade da água, devido à decomposição orgânica e hipereutroficação artificial, processo este já mencionado neste capítulo, tendo como referência a pesquisa de Lins (2006). Em todo caso, o próprio EIA anuncia os efeitos danosos das obras de engenharia e do enchimento precipitado do lago, nas duas passagens destacadas a seguir:

Em contrapartida, a submersão da cobertura vegetal com a formação precipitada do lago no último período chuvoso provocou o seu apodrecimento e consequente perda da qualidade da água represada, com reflexos negativos temporários sobre o bioma aquático, além de destruição do habitat da fauna terrestre e alada (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, 2000, p. 146).

O descompasso existente entre a implantação das obras de engenharia e o desenvolvimento das demais atividades pertinentes ao projeto do reservatório, resultou

no represamento de um volume significativo d’água por ocasião do último período

chuvoso, provocando a submersão da cobertura vegetal de uma área parcial da bacia hidráulica, o que certamente contribuirá para a perda temporária da qualidade da água aí represada pelo apodrecimento da vegetação. O desmatamento da área da bacia hidráulica que ainda não foi submersa provocará o desencadeamento de processos

erosivos favorecendo o carreamento de sedimentos para os cursos d’água, provocando

turbidez (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, 2000, p. 139).

Entretanto, é possível verificar que, porventura, com a intenção de amenizar o forte impacto da construção de Acauã sobre o meio ambiente, trechos do EIA atenuam os efeitos desse processo. Com relação ao desmatamento da área do reservatório e seus efeitos sobre a fauna aquática e terrestre, se lê:

A cobertura da área do reservatório encontra-se preservada nas vertentes mais altas (cerca de 40% da área) e sua fauna apresenta-se mais ou menos diversificada. As

áreas de várzeas e baixas vertentes apresentam-se, por sua vez, ocupadas por cultivos agrícolas, capoeiras e campos de macegas. A erradicação quase total da vegetação da bacia hidráulica do reservatório resultará, portanto, em perdas não muito significativas no patrimônio florístico. Haverá destruição do habitat da fauna, podendo provocar extinção de algumas espécies, alterando as sua composição. [...] Os impactos sobre a fauna terrestre e a avifauna serão irrelevantes, visto que será efetuado o desmatamento da área da bacia hidráulica que ainda não foi submersa e o manejo da fauna. Apenas alguns indivíduos da fauna que retornarem ao antigo habitat serão alvo de operações de salvamento (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, 2000. p. 146).

Segundo o planejamento governamental, a manutenção da qualidade da água represada compreende, ainda, o monitoramento do nível do reservatório e a implantação de sistemas de esgotamento sanitário dos municípios envolvidos. Pelo visto, no levantamento da situação das comunidades realizado neste capítulo, por ocasião das informações acerca das localidades atingidas, o problema da falta ou precariedade do esgotamento sanitário permanece até hoje, sem perspectivas de solução em curto, médio e até longo prazos.

O projeto de Acauã previu, inclusive, os problemas decorrentes da própria instalação do canteiro de obras sobre a qualidade das águas superficiais e subterrâneas. Foi visto, então, que os desmatamentos e movimentos de terra deixaram os solos expostos à ação dos agentes erosivos, resultando em carreamento de sólidos para o leito dos cursos de água, na turbidez das águas, além da redução da infiltração de águas das chuvas, pois “o solo desnudo permite uma maior velocidade da água que desliza sobre sua superfície, prejudicando a recarga do

aquífero cristalino” (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, 2000, p. 157). Portanto, as

promessas de que a construção da barragem incidiria, positivamente, sobre os valores paisagísticos, com os devidos cuidados para manutenção da qualidade das águas superficiais e subterrâneas, permanecem passíveis de questionamento quanto a sua concretização.

A execução da obras de engenharia, obviamente, previu, além dos desmatamentos: os movimentos de terra efetuados durante a construção das edificações do reservatório, a exemplo de cortes, terraplanagem; a abertura de estradas de serviços; a extração, o transporte e o retrabalhamento de materiais de empréstimo; a poluição sonora resultante do barulho das máquinas e caminhões pesados e do uso de explosivos; além da poluição do ar através da poeira. Enfim, todas estas ações impactantes sobre o meio ambiente, durante a construção da barragem, resultaram, como prevê o planejamento oficial, na degradação da área de influência física de Acauã. Nesse sentido,

Os desmatamentos e os decapeamentos dos solos trarão danos ao patrimônio florístico, principalmente na mata ciliar, pois as jazidas de areia se situam às margens dos Rios Paraíba e Paraibinha. A fauna terrestre e a avifauna perderão os seus habitats e migrarão para as áreas periféricas, passando a competir com a fauna aí existente em

termos territoriais e alimentares. A fauna e a flora aquáticas serão afetadas pela geração de turbidez e pelo assoreamento dos cursos de água. [...] O aumento da turbidez perturbará os hábitos da fauna aquática, além e causar danos à vegetação aquática, principalmente, ao fitoplâncton (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, 2000, p. 161).

Como medida mitigadora, foi prevista a elaboração e implementação de um projeto de reconstituição paisagística das áreas degradadas, incluindo as áreas das jazidas de empréstimos, conforme trecho que se segue:

O reflorestamento das áreas degradadas (jazidas de areia que não serão submersas, bota-foras e canteiro de obras, caso não tenha suas instalações reaproveitadas) reduzirá os níveis de erosão, e consequentemente o assoreamento e a turbidez dos

cursos d’água, beneficiando todo o bioma aquático. Além disso, a fauna terrestre e a

ornitofauna terão os seus habitats reconstituídos (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, 2000, p. 161).

Notadamente, tais impactos ao meio ambiente poderiam ter sido minimizados caso as medidas mitigadoras correspondentes tivessem sido tomadas desde o início da construção e nesses anos que sucederam a construção e o enchimento do lago. A visita in loco em algumas áreas do entorno da barragem e os depoimentos colhidos indicam a ausência de providências governamentais nesse sentido.

Ademais, várias outras medidas foram planejadas, tendo como foco o beneficiamento do bioma aquático do manancial hídrico, dentre elas: a regularização da vazão e perenização do Rio Paraíba; o abastecimento de água doméstico; o controle do uso da água represada; o estabelecimento de outorgas e tarifação da água para evitar o seu uso desordenado; o suprimento do perímetro irrigado; a renovação periódica da água represada, evitando a eutroficação do reservatório; e o monitoramento da área de proteção do reservatório, com a manutenção de uma faixa de vegetação no seu entorno, servindo de filtro, evitando o seu assoreamento, pois servirá de barreira ao aporte de sedimentos e de material poluente, preservando a qualidade da água do reservatório e a sua capacidade de acumulação (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, 2000).

Estava prevista, também, a não adaptação de algumas espécies de peixes às novas condições de meio aquático formado no amplo habitat artificialmente construído, assim como a interrupção da migração dos peixes de piracema na época da desova e, consequentemente, a ocorrência da extinção de algumas espécies. Como medida mitigadora, o EIA previu a execução de obras que evitassem a interrupção da piracema.

O Estado cuidaria para que o reservatório se mantivesse preservado, evitando o uso desordenado da água armazenada e o rebaixamento excessivo do seu nível, exigindo que o seu

uso seja pautado num rígido controle ambiental. Para isso, ocorreria a operação do reservatório de acordo com as vazões afluentes e estabelecimento do gerenciamento e controle do uso da água de acordo com programa a ser implantado pela Secretaria Extraordinária do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Minerais (SEMARH). Visando à integridade de empreendimento como a disponibilidade dos recursos hídricos superficiais, também, foi prevista a manutenção da infraestrutura implantada para evitar o desencadeamento de processos erosivos ocasionados pelas chuvas ou por vazamentos ao longo do eixo do barramento.

O Governo, também, se propôs a implantar o monitoramento da faixa de proteção do reservatório, uma faixa de vegetação com largura de 100 metros em torno da bacia hidráulica, além do monitoramento da qualidade da água e do processo de sedimentação do reservatório, propiciando uma melhoria substancial dos valores paisagísticos, tendo em vista que o reservatório foi implantado numa região semiárida e sujeita à secas periódicas. Dentre as medidas, foi incluída a implementação de um programa de educação ambiental direcionado à população que utiliza o reservatório.

Tais ações mitigadoras não estão sendo levadas a efeito, vez que se verifica focos de poluição e de erosão na bacia hidrográfica, conforme constatação de Lins (2006), além de observação in loco, e o programa de educação ambiental não se efetivou, conforme depoimentos colhidos, dentre as pessoas atingidas pela barragem que colaboraram na pesquisa.

Com relação à criação de empregos, durante o manejo da fauna e desmatamento, esse possível impacto potencial positivo sobre o nível de renda foi muito limitado devido ao caráter temporário, fato reconhecido pela população atingida e prejudicada quanto à desestruturação de suas atividades produtivas tradicionais. Inclusive, de modo geral, os trabalhadores da obra vieram de fora, contratados pela empreiteira.

Sobre a desapropriação das terras, o EIA previu que uma das consequências seria o aumento do extrativismo vegetal (lenha e madeira) para obtenção de recursos financeiros, fora da bacia hidráulica do reservatório, ocasionando danos ao patrimônio florístico. Para minimizar tal efeito, o projeto apresentou como medida mitigadora a conscientização da população acerca dos limites das áreas a serem desmatadas.

Quanto à remoção da infraestrutura existente na área da bacia hidráulica o EIA previu o impacto negativo, considerando os efeitos sobre a opinião pública, ao tempo em que propunha medidas mitigadoras. Foi prevista a implementação de um programa técnico de limpeza na área da bacia hidráulica, após demolição de habitações, currais, pocilgas, fossas,

com o tratamento adequado do material resultante. O documento contempla, ainda, clara preocupação com a remoção e realocação dos cemitérios existentes nas comunidades e com a exumação dos restos mortais. Para tanto, seria necessária a presença das famílias o que resultaria em fortes impactos psicológicos e emocionais. Todavia, essa medida não foi operacionalizada, resultando que os cemitérios e os restos mortais dos familiares dos atingidos permanecem submergidos. Este fato provoca muita revolta e desagravo, como visto anteriormente, compondo o teor das queixas registradas desde os primeiros contatos com os atingidos, em 2006, mantidos no âmbito da presente pesquisa.

Outro aspecto que alterou significativamente o cotidiano dos atingidos foi a submersão de vários trechos de estradas vicinais, durante a formação do reservatório, dificultando e até impedindo o acesso a várias propriedades e o intercâmbio comercial entre as comunidades. Segundo o EIA foram submersos trechos das rodovias PB-090 (Cajá/Aroeiras) e PB 082 (Natuba/Salgado de São Félix) e da estrada carroçável que interliga os povoados de Pirauá e Melancia às rodovias PB-082 e PB-090. Como medidas mitigadoras para esse impacto sobre a rede viária, estavam previstas, dentre outras ações, a realocação dos trechos submersos, com padrão de qualidade igual ou superior ao que existia antes, e a construção de ancoradouros. Além destas medidas, o EIA apresentou, como compensação, a alternativa de deslocamento através do próprio reservatório, servindo como hidrovia, tornando possível o uso de embarcações, considerado um meio de transporte mais econômico.

Esse último argumento compensatório, na prática, não teve sustentação, assim como não se concretizou, satisfatoriamente, a realocação da rede viária. Durante os contatos com moradores de Pedro Velho, Melancia, Cajá, Costa e Riachão, foi possível verificar o seu descontentamento com relação ao problema. Protestam com veemência e lamentam as perdas sofridas pelas comunidades, prejudicadas com a interrupção da comunicação e circulação de pessoas e de veículos. Ademais o uso do reservatório como hidrovia é bastante precário e as embarcações não oferecem segurança. Para se deslocar da Vila Nova de Pedro Velho para o Costa, por exemplo, é preciso chegar até a barragem, tomar uma canoa até a outra margem e contratar um motociclista para fazer o percurso por uma estrada em péssimas condições. A alternativa apenas por via terrestre é muito longa e dispendiosa.

Em acréscimo, tendo em vista o controle do uso do reservatório em benefício da manutenção da qualidade das águas, o EIA previu um programa de educação ambiental dirigido às pessoas atingidas e usuários em geral. Assim, foram prescritas várias ações, como: elaborar cartilha educacional, realizar palestras e seminários, promover reuniões com professores para implantação do enfoque ambiental nas disciplinas curriculares, divulgar

informações práticas de uso e conservação dos recursos naturais através de vários meios de comunicação. Essa proposta de conscientização da população estaria associada a um policiamento educativo visando à manutenção da faixa de proteção do reservatório, integrando nesta atividade a própria comunidade local. Nesse sentido, lê-se no EIA:

A conscientização dos usuários do reservatório quanto às questões ambientais vinculadas à região, tais como: necessidade de preservação da faixa de proteção do reservatório, riscos de poluição dos recursos hídricos, uso e ocupação do solo