• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1. O BRASIL DO FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO XX: O

1.6. A clandestinidade do Partido e seus problemas

1.6.2 Debates e dissidências

Inúmeras foram as dissidências em toda a trajetória do PCB, e inicialmente devemos considerar isso como algo, em princípio, inerente a qualquer partido político, ainda mais quando sua formulação e prática política visam revolucionar uma sociedade, com vista final na construção de uma sociedade sem classes.

A primeira grande transformação nas feições do partido e de seu núcleo dirigente ocorre sob grande influência do VI Congresso da IC, de 1928 e da I Conferência Latino- Americana dos Partidos Comunistas, de 1929 e, segundo José Antonio Segatto:

Ainda em 1929, Astrojildo Pereira vai a Moscou afim de colaborar na reformulação da concepção sobre o “caráter da Revolução Brasileira” e volta, no início de 1930, com os documentos sobre a nova tática. Observe- se que, neste momento, o PCB irá absorver e incorporar de forma mais

clara e definitiva as teses do VI Congresso da IC bem como se ligar e se subordinar de forma mais estreita à Komintern, ao contrário do que vinha ocorrendo até aí, quando ainda preservava uma certa autonomia nacional (SEGATTO, 1989, p. 39).

Ainda sobre este importante período, no qual as mudanças no movimento comunista serão grandes em todo o mundo e também, no Brasil e terão vigência por algumas décadas, importante recorrer ao pensamento de outro autor de profundo conhecimento do assunto:

Entre 1927 e meados de 1929, vinha se formando no PCB um grupo dirigente, ao mesmo tempo que, de modo relativamente autônomo, procurava-se formular teoricamente um projeto revolucionário centrado na classe operária, buscando compreender os mecanismos da crise da dominação oligárquica. Essa relativa autonomia de elaboração da linha política em relação à IC terminou no momento que se estabeleceu a ditadura stalinista na União Soviética em meados de 1929, estendida às seções da IC, na mesma época que aumentava o interesse pela América Latina e particularmente pelo Brasil. Assim, uma intervenção direta da IC no PCB, a partir do segundo semestre de 1929, colaborou para desarticular o grupo dirigente do PCB, bloquear o desenvolvimento da análise crítica da formação social brasileira e isolar politicamente a classe operária no processo de desagregação da ordem oligárquica (ROIO, 1990, p. 15).

Estavam, portanto, dadas as bases para, não só o estreitamento da política de alianças, com o abandono da interlocução com a pequena burguesia urbana civil e militar, como também para a implementação da chamada “proletarização” dos quadros partidários, notadamente os de direção.

Para melhor entendermos as formas como se processam estas, e, no futuro, outras mudanças no Partido, torna-se necessário avaliarmos sua forma de funcionamento, sua estrutura interna e seu mecanismo de tomada de decisões. O PCB se estrutura em organizações de base, na época chamadas células, onde se agrupavam militantes basicamente por local de trabalho ou de moradia. Estas células são agrupadas, dependendo do tamanho do município, em Comitês Distritais (em cidades de grande porte e ou com grande número de células), e por sua vez, estes Distritais representam-se no Comitê Municipal. Obviamente, cidades pequenas ou com reduzido número de células partidárias prescindem dos Comitês Distritais, sendo o Municipal a instância a congregar as organizações de base.

Um conjunto de Comitês Municipais de um mesmo estado formam o Comitê Estadual daquela unidade da federação e o conjunto de Estaduais, o Comitê Central do Partido. Todo militante deve votar e pode ser votado para qualquer instância partidária.

Em processo congressual, os militantes propõem e debatem, em suas células, teses diversas, e, a partir de baixo, da base da estrutura partidária, vão elegendo, em conferências distritais, municipais e estaduais ideias e delegados às conferências superiores. Por fim, reúne-se o Congresso Nacional do Partido que é a instância maior de poder. Nele os delegados de cada estado, representando toda a militância, deliberam sobre a política a ser adotada, elegem os futuros dirigentes nacionais (Comitê Central do Partido) e avaliam a política e o desempenho dos dirigentes escolhidos no congresso anterior.

Por sua vez, o Comitê Central elege sua Comissão Executiva Nacional, seu Secretariado e seu Secretário Geral. Todos participaram da elaboração das diretrizes, a opinião de todos ou pelo menos da maioria prevalece e deve ser por todos acatada. Trata-se do Centralismo Democrático, onde todos aplicam o que foi vitorioso em Congresso do qual todos se fizeram representados.

A Figura 10, reproduzida de material interno de formação de militantes do PCB, editado pela Seção de Educação da Comissão Estadual de Reorganização do PCB (SP) em novembro de 1980, portanto ainda na ilegalidade, resume bem o que até aqui buscamos explicar. Por tratar-se de material à época clandestino, obviamente não traz nomes de editoras ou gráficas, tampouco de pessoas envolvidas em sua escrita e com estas lacunas teve de ser incluído nas referências desta dissertação4.

A falta de liberdade em uma determinada sociedade leva, para se preservar a vida dos militantes de partido que sofria perseguição por parte dos detentores do poder, a se adotar medidas de segurança que foram ao mesmo tempo fundamentais para a manutenção da estrutura partidária, mas também possibilitaram manipulações, fraudes e falta de democracia interna.

Tenta-se agora explicar estas afirmações, consideremos como exemplo um Comitê Estadual do PCB, que eleito em uma Conferência Estadual, terá seu mandato até a realização de nova conferência. Tal Comitê Estadual é acompanhado por um único membro do comitê ao qual se reporta (no caso, Comitê Central - CC) e a esta função de acompanhamento se designa como assistência, exercida, portanto, por um assistente. Para

segurança e proteção dos membros deste Comitê Estadual, não se pode, a cada momento, a assistência ser feita por diferentes membros do CC. O menor número possível de pessoas deveria conhecer os integrantes deste estadual. Todos se utilizavam de pseudônimos (os chamados “nomes de guerra”) e o mesmo procedimento se aplicava no que diz respeito à assistência que este Estadual tinha de dar aos seus municípios. Informações, análise, orientações e até as finanças internas seguem por este caminho das assistências. A prisão (chamada queda) de membro de partido clandestino não poderia expor todo o conjunto da organização, mas somente o setor que o membro aprisionado conhece, tal qual a estrutura estanque de um navio, um setor inundado poderia ser isolado, buscando-se salvar a embarcação do naufrágio.

Figura 10. Representação das instâncias de poder do PCB

Esta forma de funcionamento acaba comprometendo a ampla circulação de ideias na organização. Imaginemos um dirigente paulista que seja assistente dos Comitês Municipais ao longo da rodovia SP 330. Somente ele conhece o secretário de cada município. Ele confiava nas informações passadas por cada um destes secretários municipais e deveria reproduzi-las fielmente ao Estadual. O inverso também se aplicava, ou seja, o assistente paulista que cuidava dos municípios ao longo da SP 330 deveria levar aos mesmos as deliberações de sua instância e ou do CC. O problema é que muitas das vezes este assistente não concordava com determinada deliberação, mas, como voto vencido, tinha de praticá-la. Quando um assistente não concordava com a política vigente, o acesso privilegiado a determinadas outras instâncias possibilitava que o mesmo apresentasse a deliberação, “sabotando-a” em benefício de sua própria visão do assunto. Com isso as dissidências acabavam muitas vezes ocorrendo por regiões, por setores de assistência.

Em função do exposto, dissidências entravam para a história partidária com referência geográfica em seu nome, sendo as mais famosas a dissidência paulista de 1937- 38, a da Guanabara após o golpe de 1964 e também recebiam nomenclatura regional grupos que ascenderam ao poder na organização, sendo o exemplo clássico disto o “grupo dos baianos”, que consegue a hegemonia interna no processo de reconstrução partidária de 1942-43.