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Decisão de Recusa de Regresso da Criança

No documento O Direito Internacional da Famlia Tomo I (páginas 193-198)

Convenção da Haia de 25 de outubro de

9. Decisão de Recusa de Regresso da Criança

O tribunal do Estado Membro onde a criança se encontra pode opor-se ao regresso de uma criança em casos devidamente justificados. No caso de decisão de recusa de regresso, proferida ao abrigo do art. 13º da Convenção de Haia de 1980 (quando por exemplo exista risco grave da criança ficar, no seu regresso, sujeita a perigos de ordem física ou psicológica, ficando numa situação intolerável), o tribunal deve informar o tribunal competente ou a autoridade central do Estado-Membro no qual a criança tinha a sua residência habitual antes da deslocação ou da retenção ilícitas. Este tribunal, se a questão ainda não lhe tiver sido submetida, ou a autoridade central, deve notificar as partes e convidá-las a apresentar as suas observações ao tribunal.

Não obstante a recusa do tribunal no regresso da criança, se existir decisão posterior que entenda o contrário e o tribunal for o competente ao abrigo do presente Regulamento, esta decisão tem força executória e terá de garantir o regresso da criança (art. 11º, n.º 8).

O art. 13º da Convenção de Haia prevê que uma autoridade judicial não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:

a) Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efetivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou

b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.

Por conseguinte, até à entrada em vigor do Regulamento (CE) 2201/2003 não seria ordenado o regresso de nenhuma criança se essa decisão a colocasse numa situação de eminente risco, nos termos do art. 13º, al. b) da Convenção de Haia.

Acontece que, o Regulamento veio alterar esta regra, fixando no seu novo artigo 11º, n.º 4 que o Tribunal já não pode recusar o regresso de uma criança ao abrigo do art. 13º al. b) da Convenção de Haia, se se provar que foram tomadas medidas adequadas para garantir a sua proteção após o regresso.

Ora, a verdade é que esta norma não explica a que medidas adequadas se refere, tornando-a demasiado flexível, sendo que não enuncia quaisquer exemplos do conteúdo dessas medidas, colocando nas mãos do/a julgador/a esse fardo.

Se realmente uma criança se encontra em risco grave de ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, porque razão é dada a hipótese de, ainda assim, ela ter de regressar para o local onde é colocada nessa situação de perigo? Esta ideia não parece ser coerente com o interesse da criança, ainda para mais quando, na prática, estas “medidas” em muitos processos podem resumir-se a um documento de poucas linhas, subscrito pela Segurança Social do País para onde a criança deve ser remetida (ou entidade similar), como no seguinte exemplo real, onde essa Instituição apenas informa o tribunal que «terão em conta as necessidades psicológicas da criança de acordo com as informações que lhes forem trazidas pelo Tribunal e Serviços Sociais do País de onde a criança vem, aquando da sua chegada».

Não parece que a enunciada medida seja apropriada a acautelar os interesses da criança, pois além do mais não enuncia aquilo que será feito em concreto. Este caso concreto

refere-se a uma criança que viveu em Portugal com os avós paternos desde os 12 meses de idade, e volvidos cerca de cinco anos é reclamada a guarda pelo pai (através da Convenção de Haia e do Regulamento de Bruxelas), solicitando que fosse com ele ir viver para a Irlanda do Norte, para um País que a criança nunca conheceu, passando a residir consigo (com quem nunca estabeleceu um vínculo afetivo) e deixando para trás a sua verdadeira família afetiva, onde está inserida, é bem tratada e detém laços afetivos profundos.

Com estes dados, os quais constam do processo em causa, a Segurança social do País de destino (Irlanda) já podia entender se haveriam medidas adequadas a tomar no sentido de precaver a situação de perigo eminente em que esta criança se encontra – caso considerasse viável o seu regresso – definindo assim quais as medidas apropriadas para garantir a sua proteção, sem ter de aguardar por informação que só chegaria aquando da chegada da própria criança. Consideramos que mesmo sem a existência dessa informação, aquela entidade deveria invocar quais as medidas em concreto que está apta a levar a cabo, através dos dados que já detém nos autos. Só desta forma pode o/a jugador/a ter a certeza se o superior interesse da criança será devidamente acautelado. E ainda assim existirá possível margem de erro.

Normalmente, num processo desta natureza já se encontram elementos suficientes para se avaliar se realmente existe a possibilidade dos riscos serem devidamente acautelados e, se sim, aquilo que é conveniente fazer-se em ordem a garantir a proteção da criança. No entanto, através do relatado documento não se consegue aferir se a entidade tomou em consideração a realidade vivida pela criança e quais as possibilidades de garantia existentes, em ordem a ter a certeza que esta não irá sofrer os riscos mencionados no art. 13º al. b) da Convenção de Haia, porquanto um documento onde nem sequer se aprofunda a questão a esse ponto não deverá ser considerado suficiente3.

Não deixa de ser caricato o momento a que se refere a norma contida no art. 11º, n.º 4, quando afirma “se se provar que foram tomadas medidas adequadas após o regresso...”. Esta norma pressupõe que as medidas adequadas a promover a sua segurança têm de ser levadas a cabo apenas após o regresso da criança, o que de certa forma cria poucas ou nenhumas garantias de proteção, porque é efetivamente no regresso que está o risco eminente. Ora, sendo o direito à preservação da relação afetiva que está aqui em causa não faz sentido a forma como a norma está redigida. Estas relações afetivas, psicologicamente 3 Por curiosidade, no referido caso, a criança chegou à Irlanda e não teve qualquer tipo de

acompanhamento da parte da Segurança Social, tendo regressado a Portugal 3 meses depois, porque o próprio pai percebeu que era a esse lugar que a criança pertencia.

profundas e de referência para a criança assumem um papel fundamental no seu desenvolvimento equilibrado.

O bem-estar psíquico é hoje integrador do conceito de saúde, segundo os critérios da Organização Mundial de Saúde. E o perigo existe precisamente na medida em que os reais titulares das responsabilidades parentais – ainda que não mantenham qualquer ligação afetiva com a criança durante anos – poderem a qualquer momento vir reclamá-la, com prejuízo de todo o tempo entretanto decorrido, durante o qual a criança criou ligações afetivas profundas com outras pessoas.

Nesta medida, de acordo com o caso concreto acima exemplificado, a decisão deveria ter sido no sentido da recusa no regresso da criança, uma vez que não foi tomada qualquer medida adequada a promover a sua segurança aquando do seu regresso. Neste caso julgo até que não haverá nenhuma medida passível de se considerar como promotora da segurança desta criança – pois não há como levar consigo a família afetiva onde está inserida e tudo o que ela representa. De outra forma estaríamos a ir contra o princípio da prevalência da relação afetiva e de referência da criança em questão, pondo em risco a sua saúde e a sua vida futura.

O Regulamento ao afirmar que o Tribunal já não pode recusar o regresso de uma criança ao abrigo do art. 13º al. b) da Convenção de Haia, se a pessoa, instituição ou organismo que a reclama provarem que foram tomadas medidas adequadas para garantir a sua proteção após o regresso, não pretendia com toda a certeza deixar margem para que o perigo pudesse efetivamente acontecer.

Terá assim de existir uma margem elevada de certezas de que as medidas a levar a cabo garantem, efetivamente, a segurança da criança – não devendo por isso ser aceite qualquer tipo de prova. Assim sendo, se as medidas não garantirem que a criança vai ficar em efetiva segurança, a decisão deverá ser a de recusa no regresso da criança.

Aliás, no considerando (17) do Regulamento este afirma que os Tribunais podem recusar o regresso da criança em casos específicos, devidamente justificados.

Como o n.º 4 do art. 11º é demasiado vago podem-lhe caber quaisquer interpretações. No entanto, uma vez que o Regulamento tem por base o superior interesse da criança, podemos concluir que não é suficiente aceitar como medida de proteção aquela que se encontra descrita no conteúdo do referido documento, emitido pela Segurança Social da Irlanda do Norte, já que dessa forma a criança permanecerá em perigo.

Então, quando é que se pode entender, com certeza, que está garantida a proteção de uma criança? Neste momento a responsabilidade do/a julgador/a é acrescida. Julgo que este/a não se poderá contentar com uma mera informação de que tudo será feito nesse sentido.

Deverá contentar-se, sim, com algo que seja mais profundo do que isso, que invoque as necessidades daquela criança em concreto, definindo as medidas que serão levadas a cabo, quando, onde, como, por quem e com que objetivo. Por outro lado, deverá analisar cuidadosamente o caso em concreto, as orientações legais sobre o conteúdo das responsabilidades parentais e os princípios regra4, tudo por forma a averiguar qual a melhor

decisão para aquela criança, em ordem a acautelar os seus superiores interesses.

Só assim deverá o Tribunal, sabendo o risco que a criança corre, sentir-se devidamente tranquilo para ordenar o seu regresso.

4Estes princípios ajudam na determinação do superior interesse de cada criança, sendo estes, o princípio da

preferência maternal para crianças de tenra idade que se encontrem a ser amamentadas, o interesse da criança em manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não seja confiado (princípio do progenitor que favorece mais as relações da criança com o outro progenitor) a não separação com os restantes irmãos(ãs) e o princípio da atribuição da guarda à figura primária de referência da criança, sendo este último o critério que parece ser o mais correto e conforme o interesse da criança Esta regra permite promover a continuidade da educação e das relações afetivas da criança e atribui a guarda dos filhos ao progenitor com mais capacidade para cuidar destes e a quem os filhos estão mais ligados emocionalmente. É importante frisar que este é um critério neutro em relação ao sexo, sendo que através dele se está a incentivar os homens a colaborarem no cuidado dos filhos de tenra idade (papel que ainda é maioritariamente levado a cabo pelas mulheres), pois se for o progenitor homem a figura de referência da criança é a este que deve ser atribuída a guarda. Por outro lado, tem uma enorme importância na determinação do interesse de uma criança a observação do princípio da atualidade, previsto no art. 4º al. e) da Lei de proteção de crianças e jovens em risco. Este artigo prevê que a intervenção do Estado para a promoção dos direitos e proteção da criança obedeça ao princípio da atualidade, de acordo com o qual qualquer decisão judicial ou administrativa deve ser tomada tendo por referência a situação em que a criança se encontra no momento presente e não por reporte a situações passadas que serviram de matéria de facto a decisões anteriores, tomadas noutros contextos. O que, por exemplo – já no âmbito do rapto civil de crianças – significa que uma decisão transitada no ano de 2005 não deve servir de base para que uma outra decisão, proferida no ano de 2009, decida pelo regresso de uma criança ao seu país de origem, para junto do progenitor que a reclama. Os pressupostos em que assentaram essa primeira decisão podem já não ser os mesmos – e não o serão certamente. Por conseguinte, teriam de ser levadas a cabo novas diligências no sentido de serem reavaliados os pressupostos onde assentaram a primeira decisão, por forma a verificar se se encontram ou não inalterados, assim se observando o princípio da atualidade.- VALENTE MONTEIRO, LEONOR, “ASPECTOS CIVIS SOBRE O RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980 e Regulamento (CE) n.º 2 201/2003 do Conselho de 27 de Novembro, Versus O Superior Interesse da Criança Reflexão sobre alguns fatores relevantes na determinação do interesse da criança”, Revista Ipso Iure, Ordem dos Advogados, Outubro 2009,pág. 4.

10. Os fundamentos do não-reconhecimento de uma decisão em matéria de

No documento O Direito Internacional da Famlia Tomo I (páginas 193-198)