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5. Concelho de Campo Maior

05.15. Defesa de São Pedro/S Pedro dos Pastores

CMP 400 / CNS 3393184, 5756185, 23179186 e 25395187/ N 39º 01’ 10.9’’ /

7º 03’ 31.2’’ / Terreno / Villa (?)

181 Carvalho, 1988a; comentários desenvolvidos em Encarnação, 1989a. 182 Alarcão, 1984: 175 e RP 6/164, como “Valada”.

183 Processo IPPAR 4.04.007. com ofício datado de 08 Abril 1972 em que Mário de Castro Hipólito informa sobre o aparecimento de uma sepultura romana na propriedade da Valada, Campo Maior.

184 “Defesa de S. Pedro”. 185 “ S. Pedro dos Pastores”. 186 “Ermida de S. Pedro”. 187 “S. Pedro”.

Um projecto que funciona como um bom espelho das vicissitudes que rodeiam a gestão do património arqueológico distrital, e do sub ‑aproveitamento de um local com potencial científico e patrimonial. Hoje sepultado, por muito tempo abandonado e degradado, em “penoso panorama”188, a Defesa de São

Pedro – nome pelo qual é localmente conhecido, referindo ‑se a invocação à antiga ermida entretanto recuperada – foi intervencionada em diversos momentos, por diferentes agentes, mas sempre sem uma cuidada publicitação de resultados ou um esforço de integração conjunta.

Olhemos então para a realidade arqueológica. Sítio difícil de interpretar, já tendo sido proposta a classificação de mansio, de vicus ou de villa, terá sido detectado por Teresa Júdice Gamito em 1981, devido à destruição de sepulturas aquando da implantação de uma nova urbanização. São então realizadas as primeiras escavações por José Olívio Caeiro, das quais não existem relatórios, apenas uma notícia sumária (mas a única publicada189). Mas o sítio já era

conhecido em notícia antiga: “Que fossem os Romanos os fundadores desta vila se prova pelas colunas que ainda hoje existem como adiante se verá, porém duvidamos que a Povoação fosse fundada no sítio onde hoje está o Castelo, senão no que ainda se acharam ao presente as duas colunas, porque não só se descobriram estas mas se acham muitos cimentos, ruínas e vestígios de edifícios e sepulturas, tendo visto abrir algumas feitas de alvenaria cobertas com uns tijolos quadrados, e de grande tamanho, e em algumas se acharam ossamentas, havendo tradição que algumas pessoas acharam dinheiro nelas. Neste sítio há uma Ermida do Apóstolo S. Pedro [...]”190. O autor dá a conhecer em seguida

os dois marcos miliários que aqui se encontravam junto à ermida, motivo pelo qual a função viária de S. Pedro será doravante assumida. Posteriormente, e sempre em contexto de obra, o sítio virá a ser escavado por Ana Carvalho Dias (1986 e 1988) e, após a abertura de mais valas para moradias, por Rafael Alfenim (1991), a que se seguem campanhas de maior extensão por Miguel Lago da Silva em 1992 e 1993. Em 1996 a construção de garagens implicou a realização de quatro sondagens da responsabilidade de Ana Gonçalves. Em 2001 é feito o acompanhamento da abertura de sondagens mecânicas “num terreno situado entre as Hortas de S. Pedro e a Quinta de S. Pedro, aproximadamente a 200m para NE do sítio romano de S. Pedro”191 por Rita

188 Reis, 2004: nº 87. 189 Caeiro, 1984 ‑1985: 2 ‑6.

190 Azevedo, 1993: 29. A notícia de Estevão da Gama de Moura e Azevedo não tem data de redacção, sendo dada a conhecer por António Carvalho em carta de 1918, mas o autor será certamente setecentista. O miliário de Severo Alexandre foi reconstituído, em termos de leitura, por Encarnação (1989a: 90 ‑91), ressalvando ‑se que certamente terá sido objecto da damnatio

memoriae a que a memória desonrosa do Imperador votou as suas invocações. Contem contudo

um elemento da maior importância: as LIII milhas que separavam o local da sua implantação da capital provincial.

Ramos, e o estado de abandono do sector principal levou a que fosse limpo antes de ser definitivamente tapado. Este historial, aqui brevemente resumido, explica a multiplicação de entradas na base de referência nacional192; o facto de dele

nunca ter sido feita uma síntese dos resultados; e o desequilíbrio da informação, embora de todas as intervenções tenham sido produzidos relatórios193.

Da primeira campanha, da responsabilidade de José Olívio Caeiro, os resultados salientados pelo autor limitam ‑se a “uma estrutura sub ‑rectangular, com muros de pedra onde se inseria um enorme dolium de asas decoradas por estampilhagem”, à menção não especificada nem ilustrada de dois fragmentos cerâmicos da Iª Idade do Ferro (um substrato indígena que não mais voltará a ser mencionado no local) e, pela sua raridade regional, a um fragmento de terra sigillata marmoreada (não ilustrado nas três estampas publicadas)194.

Em 1988 foram identificados “os mais importantes vestígios romanos encontrados nesta estação arqueológica, com vestígios de construções, em óptimo estado de conservação, chegando alguns muros a conservarem ainda 3m de altura”195. É neste momento que se identifica “Um importante complexo

termal (hipocaustos, piscina revestida a mármore, canais de descarga de água, pavimentos em mosaico e em opus signinum...)” e vários arcos da suspensura196,

tendo a Leste um corredor pavimentado a opus signinum pertencente a um possível peristilo, ladeado por “dois pequenos tanques absidados contrapostos”. A mais intensa campanha de intervenção irá decorrer nos anos de 1992 e 1993, resultando nos dois relatórios de escavação mais completos. No final destes trabalhos, o sítio ascende de categoria, pois foi confirmado que “tais vestígios não dizem respeito apenas a uma unidade agrícola romana (villa), mas a um povoado (Vicus) com uma longa ocupação, como o demonstram os diferentes níveis arqueológicos detectados e as remodelações verificadas nas estruturas.”197 Analisemos o que foi encontrado.

Embora não seja fornecida uma noção da área de intervenção ou das relações espaciais de carácter estrutural, é feita uma descrição individualizada dos compartimentos. O denominado A formava uma unidade com o B, separados apenas por uma arcaria interior, com duas bases de coluna de mármore in situ, ou seja, um pórtico. Algumas paredes seriam revestidas a estuque pintado, e no seu interior “A natureza e coloração das terras apontam para a ocorrência de

192 Reúna ‑se a informação: “Campo Maior”, CNS 1495; “Defesa de São Pedro”, CNS 3393; “São Pedro dos Pastores”, CNS 5756; “Ermida de São Pedro”, CNS 23179; “S. Pedro”, CNS 25395.

193 À excepção do caso já referido, de que foi elaborada uma pequena notícia. 194 Caeiro, 1984 ‑1985: 3.

195 Informação IPPC 22 Dezembro 1991, Rafael Alfenim/Ana Carvalho Dias, Processo IPPAR nº 4.04.002.

196 Motivo pelo qual constará no inventário de Pilar Reis (2004: 130, nº 87). 197 Informação IPPAR de 3 de Junho 1993, Ana Carvalho Dias.

um incêndio.”198 O pavimento era em opus signinum com rodapé em meia‑

‑cana. No compartimento vizinho, o B, foi identificado um sarcófago em mármore, que se encontra individualizado em posição central, com cobertura em lajes de mármore, aparentemente reaproveitadas do pavimento, pois apresentam maior tamanho do que as dimensões do próprio sepulcro (embora a envolvente imediata tivesse pavimento em tijoleira). Os muros da área em torno tinham sinais de dois momentos de edificação, com um arranjo do espaço favorecendo o fechamento, “encurtando ligeiramente a sala” para a transformar em mausoléu. Foi ainda encontrado o Compartimento C, com pavimento em

opus de meia ‑cana, e uma área porticada, com “duas grandes bases de pilares

em tijoleira e argamassa, com aproximadamente 80cm x 60cm.”. Neste espaço encontraram ‑se duas sepulturas “tardias”. Em outro quadrado “foi identificada uma estrutura bastante danificada. Era constituída por blocos de granito pouco salientes do solo, em que tinha sido aberto um sulco, aparentemente para escorrimento de líquidos [...] tipo fonte [...]. [...] o tanque era circundado pelo pavimento em tijoleira e que possuia aproximadamente 1.30m x 1.30m e uma profundidade de 0.70m”. A circunstância de serem detectados vários blocos de mármore “que poderão corresponder a elementos decorativos” faz pensar na existência de uma fonte com um pequeno espelho de água envolvente. Outra sondagem demonstrou a continuidade do pavimento em tijoleira do pátio e, “após um primeiro arranjo do pavimento com argamassa, foi construída uma escadaria em tijoleira, que nos surgiu já bastante arruinada. [...] Posteriormente ao abandono desta escada, foi nela aberto um buraco para implantação de uma sepultura”. Ou seja, um pavimento argamassado que depois sustenta uma escada de degraus em tijoleiras (em esquina, ascendendo para um segundo andar), tendo na margem uma sepultura de momento tardio.

A necrópole contou com um total de doze sepulturas: a principal seria o já referido sarcófago de mármore, que no “interior apresentava uma fina camada de terra, que não chegava a cobrir o esqueleto feminino ali depositado.” As restantes tinham cobertura de lajes e cerâmicas. Não é feita qualquer menção a espólio (nem a materiais recolhidos na escavação). Em resumo, uma estrutura com um pátio central, largo, delimitado por uma galeria porticada em duas extremidades. Dois compartimentos estão unidos por uma arcaria interior; em um deles será instalado um sarcófago, assistindo ‑se ao preenchimento de sepulturas em outras áreas do complexo estrutural. Nada que faça supor um vicus, antes um edifício – talvez parte de uma villa – áulico, com estruturas de contenção de água e embelezamento do espaço por uma fonte, que em momento posterior é transformado em espaço sepulcral, com uma sepultura ocupando uma posição de destaque, que leva à monumentalização do espaço ficando as restantes em áreas secundárias.

198 Sítio romano de S. Pedro ‑ Campo Maior. Relatório de trabalhos arqueológicos (Campanha de 1992), Miguel Lago da Silva. Não se encontra numerado.

No ano seguinte a área é mais limitada. Menciona ‑se uma lixeira (com ossos e conchas de consumos sumptuários), recobrindo o fundo de um tanque com “um murete delimitador e de sustentação que aponta para uma estrutura de pouca profundidade”; é possível que se tratasse de um impluvium199. Pela

natureza da intervenção “parece ser impossível definir espaços funcionais, mas possível distinguir dois momentos: um mais antigo, em princípio do séc. II; outro, provavelmente de reconstrução e readaptação após grandes derrubes e incêndios”, não havendo qualquer conclusão temporal.

As intervenções seguintes são sectorizadas e menos ricas em pormenores: em 1996 a área foi limitada, havendo como dado mais relevante a recolha de um fragmento de capitel coríntio. Nas sondagens mecânicas de 2001 apenas se pode inferir a existência de estruturas em outros pontos: “Em cinco das sondagens mecânicas foram assinalados contextos arqueológicos indeterminados: 2 muros de alvenaria insossa, que reutilizam cerâmica de construção romana; duas concentrações de tegulae; e uma concentração de blocos e calhaus de granito, eventualmente resultantes de acção antrópica (derrube?). Nas outras cinco sondagens, não foram detectados contextos arqueológicos conservados, sendo, no entanto, de registar a presença de material de construção romano, muito provavelmente em contexto de deposição secundária.” A limpeza da área central nada de relevante trouxe, sendo digno de menção apenas “uma tessela” que confirma a presença de pavimentos de mosaico, que a população localmente refere, mas que nenhuma intervenção diagnosticou.

Em face dos dados, torna ‑se complexa uma interpretação. O espaço construído é amplo, organizando ‑se como uma galeria porticada em torno de um pátio, com áreas abertas revestidas a tijoleira, incluindo uma escada para um piso superior. No compartimento em maior destaque irá ser instalado um sarcófago, assistindo ‑se ao momento de necropolização do edificado, o que implica um novo arranjo estrutural dotando o sarcófago de centralidade e indiscutível impacto visual. Uma área sepulcral claramente tardia, em espaço construtivo originado no século I ou II, ocupado nos seguintes (com arranjos) e entretanto abandonado, mas que em momento seguinte recebe beneficiações para acolher tão digno defunto (ou defunta). Quanto à função original do espaço, é difícil perceber, mas nada aponta para um vicus: um estabelecimento termal e o provável peristilo, ou galeria porticada em torno de um pátio, com tanques e uma fonte, parecem ser parte do ambiente áulico de uma villa, com um ambiente de requinte de mármores e estuques, havendo ainda algum espólio relevante (como um capitel, como vidros, como ânforas ou ainda conchas) indicadores de um consumo de carácter sumptuário. No momento final, então, temos a passagem do edificado a espaço funerário ou

199 Sítio romano de S. Pedro ‑ Campo Maior. Relatório de trabalhos arqueológicos (Campanha de 1993), Miguel Lago da Silva. Não se encontra numerado.

religioso. Talvez possamos supor um carácter basilical, articulado em torno de um mausoléu monumentalizado, mas note ‑se que a enigmática peça de um “MONASTERIO SILVESTER”200 poderá, afinal, pertencer à Defesa,

mostrando uma função litúrgica perpetuada até à actualidade, com a igreja de S. Pedro bem próxima do local.

Outras referências: RP 6/165; Saa, 1956: 135; IRCP nº 593.