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CAPÍTULO 1. A configuração binária do signo

2.6 Definição canônica

Para falar de definições, Faulstich (2014) restringe a representação semântica à identidade entre a entrada terminográfica e a definição, e esclarece:

A entrada é um signo cuja compreensão dá-se por meio de uma paráfrase que interpreta no mundo exterior, o que o signo quer dizer. Nestes termos, a linguagem descritora é responsável pela compreensão do conceito que faz a ponte do significado entre entrada e definição (FAULSTICH, 2014, p. 371).

A autora reconhece, na tradição dos estudos do léxico, algumas dificuldades para distinguir significado e conceito, contudo, admite, por uma generalização do conhecimento, a identidade entre significado e conceito, porém considera que:

na representação do objeto, do ponto de vista da descrição terminográfica, um conceito canônico difere de um conceito pragmático, em vista de tornar mais evidente o que é uma coisa e para que serve essa coisa. A Terminografia, como disciplina, tem papel de desenvolver técnicas para elaboração de dicionários terminológicos, com base em estudo da forma, do significado e do comportamento das palavras em uma linguagem de especialidade, científica ou técnica; a Terminologia, por sua vez, mantém-se na base dessa técnica porque opera com hipóteses em busca de denominações para lacunas conceituais previamente estabelecidas, assim como descreve os fenômenos gramaticais e semânticos das linguagens de especialidade (FAULSTICH, 2014, p. 372).

Outra consideração de Faulstich (2014, p. 372) é que:

Uma das metas dos estudos do léxico é a compreensão e a elaboração de definições. Nesse campo de atuação, estamos investigando, de forma sucinta, se as definições têm o mesmo modelo, quer estejam no plano teórico, quer respondam às necessidades práticas de elucidar o objeto descrito. Em vista disso, questionamos se “ser” e “servir” facilitam a compreensão do conceito diante de situações reais e questionamos se a definição é um argumento, embora admitamos as restrições de demarcar características lógicas e pragmáticas no contexto textual da definição.

Afirmamos em nosso estudo que ‘ser’ e ‘servir’ facilitam a compreensão do conceito na área de especialidade da Pedagogia, porque possibilitam descrever (X) como equivalente de (Y). A palavra ‘ser’ segue ligada à forma canônica da definição, que, por sua vez, segue o modelo gênero + espécie. “neste molde, X (signo, objeto) condensa Y (significação, discurso). Há uma identidade que nos conduz a entender que há igualdade (=) de classe porque X=Y” (FAULSTICH, 2014, p. 373). Em continuidade, Faulstich esclarece que “se Y é a expansão de X, então todo Y é uma subclasse de X. Numa proposição lexicográfica, aquela que aparece como definição nos dicionários, o significado de Y está contido em X porque o que interessa ao consulente de um dicionário é compreender o que é o objeto X” (idem, p. 373).

A compreensão do que é o objeto X passa pela definição. Uma definição representa a substância secundária, pensamento; os seres particulares, por sua vez, representam a substância primeira ou primária; na concepção de Aristóteles:

Substância, em sua acepção mais própria e mais estrita, na acepção fundamental do termo, é aquilo que não é nem dito de um sujeito nem em um sujeito. A título de exemplos podemos tomar este homem em particular ou este cavalo em particular. Entretanto, realmente nos referimos a substâncias secundárias, aquelas dentro das quais – sendo elas espécies – estão incluídas as substâncias primárias ou primeiras e aquelas dentro das quais – sendo estas gêneros – estão contidas as próprias espécies. Por exemplo, incluímos um homem particular na espécie denominada humana e a própria espécie, por sua vez, é incluída no gênero denominado animal. Estes, a saber, ser humano e animal, de outro modo espécie e gênero, são, por conseguinte, substâncias secundárias (ARISTÓTELES, 2011, p. 30-31).

Para Aristóteles a substância secundária é o próprio pensamento, contudo, o pensamento é uma abstração extraída dos seres particulares, e ele existe, única e exclusivamente, como emanação dos seres particulares. Portanto, a substância aristotélica significa o pensamento e os seres particulares, ou em outras palavras, a substância significa o ser enquanto tal e o ser como emanação dos seres particulares.

Pelo quadro acima esboçado, a substância é o objeto do conhecimento quando expressa pela definição, e por meio desta, o pensamento que pode ser relacionado aos seres particulares, à matéria, à coisa, quer dizer, o pensamento pode relacionar-se com o objeto. Se assim o for, podemos dizer que a substância é entendida como pensamento e este entendido como conceito é a condição de possibilidade do conhecimento científico, isso tendo em vista que todo termo comporta um conceito, e todo conhecimento científico se estabelece por meio de seus termos. Por isso, todo termo no conhecimento técnico e científico comporta um conceito que deverá ser descrito e analisado.

Cabe lembrar que a relação termo-conceito é dinâmica, pois, como vimos, termos são signos que encontram sua funcionalidade nas linguagens de especialidade, de acordo com a dinâmica da língua. “Por sua vez, um conceito possui características específicas que se organizam de traços observáveis ou imagináveis. Tais traços agrupam os objetos no mundo real, de acordo com a intensão e a extensão do conceito” (FAULSTICH, 1998, p. 2).

Seguindo o mesmo raciocínio, o conceito é uma unidade de conhecimento que contém os atributos de um dado objeto, denominado termo. As predicações, na relação termo-

conceito, particularizam a intensão e a extensão do objeto. “Tais predicações se apresentam sob a forma de características essenciais e acidentais que são responsáveis pela intensão de um conceito e de características individualizantes que delimitam a extensão” (idem, ibidem).

Ainda conforme Faulstich (1998, p. 2), as características que compõem a essência pertencem a todos os referentes a dado tipo; as características acidentais pertencem a alguns referentes de um dado tipo; as características individualizantes pertencem somente a um referente em questão.

Para ilustrar esses pensamentos, vamos considerar as definições contidas nas quatro palavras do quadro 4:

Quadro 4

Galinha Ave galinácea com cristas carnudas e asas curtas e longas.

Pato Ave anseriforme aquática.

Pombo Ave columbiforme com voo possante. Perdiz Ave tinamiforme, desprovida de cauda.

Para Faulstich, ‘galinha’, ‘pato’, ‘pombo’ e ‘perdiz’ possuem como característica essencial serem ‘ave’. Assim, a palavra ‘ave’ delimita o definido, situando-o ontologicamente. É uma entidade superior em relação a outras entidades que lhes são subordinadas. Portanto, funciona como termo hiperonímico. Sendo este entendido como o termo que vem normalmente no início de uma definição e é “chamado de termo geral ou genérico, ou para usar um neologismo, arquitermo” (FAULSTICH, 1998, p. 11).

Por sua vez, as aves possuem características acidentais, é assim que ‘galinha’ é da espécie dos ‘galináceos’, ‘pato’ é da espécie anseriforme, ‘pombo’ é columbiforme, ‘perdiz’ é tinamiforme. Essas características acidentais possuem os significados inclusos no significado do termo hiperonímico; comportam, portanto, como termos de significados específicos que se subordinam ao termo mais abrangente. “E estreitando mais ainda a extensão dos significados, tem-se que galinha possui cristas carnudas e asas curtas e largas, adem – espécie de pato – é aquática, pombo tem vôo possante, perdiz é desprovida de cauda”. (FAULSTICH, 1998, p. 15).

Como é possível observar, o referente não deve ser concebido de forma limitada, envolve o objeto na complexidade em que se apresenta, e é pela definição que o delimitamos. É por meio da definição que a ciência descreve um conceito, “suas características específicas

que se organizam de traços observáveis ou imagináveis” (FAULSTICH, 1998, p. 2). Daí a importância da afirmação: a substância é o objeto do conhecimento quando expressa pela definição.

Para Faulstich (2014), há tipos de dicionários que não seguem o modelo de definição com base nas categorias gênero próximo e diferença específica. Porém, a autora reconhece que esse modelo de definição

predomina em grande parte dos dicionários de língua comum e nos dicionários de linguagem de especialidade [...]. A definição canônica é a que aparece com mais frequência nos dicionários tradicionais cuja primeira preocupação é dizer o que é aquilo, que se exibe sob a representação de uma palavra (FAULSTICH, 2014, p. 373).

A definição canônica segue o modelo do quadro 5 Quadro 5

TERMO + É + DEFINIÇÃO

[X] = Proposição formal [Y] (Fonte: Faulstich, 2014)

Mostra-nos que o verbo ser [é] possui uma funcionalidade, porque desempenha um papel no significado. E conforme Faulstich (2014, p. 374):

i) se X é Y, a pergunta motivadora é: o que é X?

E a relação entre termo e proposição, indicada em i), aparece nos resultados do quadro 6 e 7:

Quadro 6

TERMO + É + DEFINIÇÃO

Melhoramento genético = [ciência] (Fonte: Faulstich, 2014)

Quadro 7

TERMO + É + DEFINIÇÃO

[Melhorista de plantas] = [profissional] (Fonte: Faulstich, 2014)

o verbo ser é uma cópula que liga dois elementos com valor semântico intrínseco unilateral: todo ‘melhoramento genético’ é ciência, mas nem toda ciência é melhoramento genético. A semântica do verbo ‘ser’ é fraca e, normalmente a relação predicativa se faz pela denotação de um estado. Assim, o hiperônimo ‘ciência’ (gênero) denota a identidade do gênero com o hipônimo ‘melhoramento genético’ (espécie). Lido de outra forma o exemplo seguinte, vemos que todo melhorista de plantas é identificado como um profissional, mas que nem todo profissional é melhorista de plantas. Assim, a relação entre X e Y é de estado perene, em melhoramento genético, mas de estado condicional, em melhorista de plantas, uma vez que o profissional pode alterar sua profissão (FAULSTICH, 2014, p. 374-375).