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CAPÍTULO 1. A configuração binária do signo

2.2 O modelo de signo glossemático de Hjelmslev

Louis Hjelmslev foi o continuador do pensamento de Saussure. Este autor procurou levar em consideração a substância na compreensão do signo linguístico. Ao reformular o modelo de signo binário de Saussure, o modelo de signo glossemático hjelmsleviano explicitou os planos da expressão e do conteúdo. A expressão corresponde ao significante, e o conteúdo, ao significado. Hjelmslev também demonstrou que cada um desses planos contém uma substância e uma forma. Assim, há uma substância da expressão e uma forma da expressão, o mesmo se dá com o conteúdo, há uma forma do conteúdo e uma substância do conteúdo.

Hjelmslev afirma que não se pode atribuir uma existência independente à substância, em algum sentido a substância depende exclusivamente da forma, como demonstra nos exemplos que se seguem:

Quadro 2

Dinamarquês Jeg véd ikke Eu não sei

Inglês I do not know Eu não sei

Francês Je ne sais pas Eu não sei

Há um princípio de que o sentido “apresenta-se provisoriamente como uma massa amorfa, uma grandeza não analisada, definida apenas por suas funções externas, isto é, por sua função contraída com cada uma das proposições citadas” (HJELMSLEV, 1975, p. 56). Portanto, nas três proposições o sentido não possui uma forma a priori, assume formas diferentes segundo as diferentes línguas, porém, permanece o mesmo, “eu não sei”.

O sentido como um ente “não-formado” se torna, em cada uma dessas três línguas, substância com formas diferentes umas das outras e sua existência se resume a assumir uma forma qualquer. Por isso, “o sentido se torna, cada vez, substância de uma nova forma e não tem outra existência possível além da de ser substância de uma forma qualquer” (idem, p. 57). Assim, Hjelmslev constata que, no conteúdo linguístico, em seu processo, há uma forma específica, “a forma do conteúdo, que é independente do sentido com o qual ela se mantém numa relação arbitrária e que ela transforma em substância do conteúdo” (idem, ibidem).

Para Hjelmslev, a distinção entre expressão e conteúdo e solidariedade na função semiótica são fundamentais na estrutura da linguagem. Todo signo, todo sistema de signo, toda e qualquer língua abriga em si uma forma da expressão e uma forma do conteúdo. É em razão destas duas formas, e somente em razão delas, que existem as duas substâncias, a do conteúdo e a da expressão, que passam a existir quando se projeta a forma no sentido. Desse modo, a forma requer para si a substância.

Com base no exposto, é preciso averiguar a relação entre signo e objeto. Em termos hjelmslevianos, parece justo que o signo seja signo de algum objeto e que esse objeto de alguma maneira resida fora do próprio signo.

É assim que a palavra bois (madeira, lenha, bosque) é signo de um tal objeto determinado na paisagem e, no sentido tradicional, esse objeto não faz parte

do signo. Ora, esse objeto da paisagem é uma grandeza relevante da substância do conteúdo sob a qual ela se alinha com outras grandezas da substância, por exemplo, a matéria de que é feita uma porta (HJELMSLEV, 1975, 61).

Assim sendo, o signo é signo de um objeto, quando a forma do conteúdo de um signo passa a compreender esse objeto como substância do conteúdo. Por conseguinte, a substância do conteúdo à sua maneira remete o objeto para a forma do signo.

Podemos dizer que para Hjelmslev o signo é signo de alguma coisa, e que a presença do objeto no signo se reduz à substância do conteúdo. Hjelmslev, nesse ponto, é herdeiro do pensamento de Saussure: a análise linguística restringe-se ao estudo da forma do signo e não extrapola a relação entre significante e significado, ou a relação entre expressão e conteúdo. Sob esse prisma, aquilo que o signo refere não é objeto de estudo do linguista, porque a forma pertence, sobretudo, à língua e é a língua que é objeto dos estudos linguísticos.

Desse modo, a aplicação do modelo de signo glossemático na análise e descrição dos termos privilegia a forma e nos revela uma verdade fundamental “o sentido se torna, cada vez, substância de uma nova forma e não tem outra existência possível além da de ser substância de uma forma qualquer” (HJELMSLEV, 1975, p. 57). E mais, apesar de poder assumir várias formas, o sentido pode permanecer o mesmo. Portanto, o modelo de signo hjelmsleviano chama atenção para a relação dinâmica entre o pensamento e sua manifestação nas categorias do léxico.

Serve de ilustração, os termos que investigamos em que há um sentido que se torna, cada vez, substância de uma nova forma:

Quadro 3 Avaliação da aprendizagem escolar Y Avaliação da aprendizagem Y Avaliação escolar Y

Apesar de assumir várias formas, o sentido permanece o mesmo; caso contrário, seriam novos termos e não formas variantes.

Explicar, porém, o signo dando uma nova forma ao mesmo pensamento, transformando-o em substância do conteúdo, é uma condição necessária, mas não suficiente,

pois há formas que exigem que seja explicada não somente as diferentes manifestações do pensamento, mas também a relação do próprio pensamento com o objeto a que se refere. Nos exemplos extraídos de Faulstich (2003, p. 17), as sete ocorrências

célula-tronco embrionária célula

célula-tronco célula embrionária

célula embrionária neuronal célula-tronco neuronal

célula-tronco embrionária neuronal célula-tronco embrionária

São diferentes manifestações de um mesmo pensamento que se referem a um objeto. Para compreender a referência que deu origem a essas diferentes manifestações, é preciso buscar o componente conceitual de cada uma delas, que, como sabemos, só pode ser expresso por meio da definição. De acordo com Faulstich (2003, p. 14), “Um termo atinge a exaustão semântica quando i) é formulado de acordo com as regras da gramática da língua em questão ii); encerra um conceito evidente; iii) proporciona que seja formulada uma definição”. O componente conceitual não deve, pois, ser excluído na descrição dos termos científicos.

À luz do modelo de signo glossemático de Hjelmslev, confirmamos que o “sentido se torna substância de uma nova forma e não tem outra existência possível além da de ser substância de uma forma qualquer” (HJELMSLEV, 1975, p. 57). Ao estar disponível para assumir várias formas, o sentido pode permanecer o mesmo. Então, o modelo de signo hjelmsleviano chama atenção para a relação dinâmica entre o pensamento (substância do conteúdo), proposições e o seu objeto, embora este não tenha sido objeto de estudo privilegiado por Hjelmslev. Esse desprezo torna o modelo de signo de Hjelmslev limitado quando o assunto é explicar os termos das ciências, pois as Unidades Terminológicas comportam, além do significado e do significante, o componente conceitual que deve ser analisado e descrito para que a exaustão semântica seja atingida. Em função disso, vamos comentar nas seções subsequentes dois autores para quem o objeto faz parte da natureza do signo linguístico: Benveniste (2005) e Peirce (2010).