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Definição da região: América Latina vs América do Sul

PARTE II A POLÍTICA EXTERNA E O REGIONALISMO DAS POTÊNCIAS REGIONAIS

5 BRASÍLIA E ANCARA: JUSTIFICANDO A ESCOLHA DOS CASOS

6.1.1 Definição da região: América Latina vs América do Sul

A região latino-americana, compreendendo o território entre a extremidade sul do continente americano e o atual México, foi o palco do colonialismo ibérico a partir do século XVI. Ao longo do século XIX, as antigas colônias alcançaram paulatinamente sua independência, cedo constituindo um novo subsistema de nações abaixo do equador.

Habitualmente, considera-se que a América Latina compreende 21 países e territórios: Argentina, Belize, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Guiana, Guiana Francesa, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela, não levando em conta os 12 países que integram o Caribe (vide Apêndice Geográfico “A” para todas as regiões derivadas das listas do Itamaraty).

Diversas características históricas, políticas e culturais permitem assinalar esse conjunto de Estados como uma unidade própria no sistema internacional. Pelo ângulo histórico, os países latino-americanos passaram por experiências comuns em momentos sincrônicos: domínio

colonial até o século XIX, ditaduras militares em muitos até o final do século XX e subsequente redemocratização (FLEMES, 2010b).

A nítida filiação da América Latina ao Ocidente também a torna peculiar em relação ao resto do mundo colonial. Huntington (1993), ao dividir o mundo em civilizações concorrentes, classifica a América Latina como uma civilização distinta – embora semelhante – ao Ocidente. Todavia, sua aguda desigualdade social a torna um “terceiro mundo do Ocidente, ou Ocidente do terceiro mundo” (ROUQUIÉ, 1987, p. 21) ou um “Outro Ocidente: mais pobre, mais enigmático” (MERQUIOR, 1990, p. 87). Galvão (2009) adverte que há longa data a filiação ocidental é ela própria matéria de debate e contestação política no seio das sociedades nacionais.71

O quadro socioeconômico dos países da região também permite um sentimento de destino comum. As economias latino-americanas apresentam modelos produtivos com alta concentração de renda, disparidades sociais graves, e uma experiência tardia de urbanização e industrialização (FLEMES, 2010b; ROUQUIÉ, 1987). Institucionalmente, os predicados socioeconômicos dos países da região ganharam uma identidade mais densa através do trabalho da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Os estudos do órgão contribuíram para a percepção de que os entraves enfrentados pelas economias latino-americanas eram os mesmos e, no plano prático, a adoção de suas recomendações por sucessivos governos da região tornaram a América Latina uma unidade de fato mais homogênea no campo das policies72.

Para a atual investigação, é relevante que dentro da região latino-americana se encontrem subdivisões, notadamente a sub-região da América do Sul, que reúne os 12 países e territórios ao sul do Panamá, quais sejam, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.

Como exposto no Capítulo 2, regiões não são fatos geográficos inertes: a ação dos atores importa na produção de espaços. Embora aparentemente autoevidente de um ponto de vista cartográfico, esse subconjunto sul-americano não se constituiu espontaneamente. Antes, o próprio Brasil teve um papel marcado na produção simbólica e política deste espaço. Publicações oficiais do Ministério das Relações Exteriores (MRE) observam essa diferenciação, razão pela qual essa tese considerará que a América do Sul como palco prioritário

71 Cf. a ideia de arielismo, originada com as obras do uruguaio José Rodó (MERQUIOR, 1990).

72 Carmo (2013, p. 139) afirma que a “ideia de uma periferia exportadora de produtos primários que necessita se industrializar para superar as restrições externas se tornou um discurso aglutinador dos projetos políticos de desenvolvimento abaixo do Rio Grande. Apesar das diferenças econômicas internas significativas e dos diferentes graus de viabilidade dos projetos de industrialização, o discurso foi verbalizado por diferentes governos, de diferentes tonalidades ideológicas, em diferentes momentos da história no decorrer do ciclo do desenvolvimentismo, dos anos 1940 aos anos 1970”

do fenômeno da liderança regional brasileira. A atuação e interesses de Brasília em delinear tal espaço serão discutidos em detalhe na porção deste capítulo sobre Pertencimento (Seção 6.2.1). Para esta introdução, convém avançar algumas distinções adicionais que permitam diferenciar, de um ponto de vista estrutural, os países sul e latino-americanos.

As características históricas, culturais e econômicas supracitadas são em boa medida compartilhadas entre países sul e latino-americanos. Uma fronteira mais clara entre ambos os agrupamentos pode ser encontrada no papel legado à alteridade norte-americana. Enquanto os países da América Central e Caribe mostram dependência muito mais severa dos EUA73 e um registro de intervenções mais explícita, os países abaixo do Panamá conseguiram preservar alguma distância de Washington (SKIDMORE; SMITH; GREEN, 2014). Assim, a recusa das políticas imperialistas, expansionistas ou unilaterais dos EUA, bem como o desejo de balancear sua colossal influência, unem os diferentes governos sul-americanos ao longo do tempo. Todavia, tal disposição jamais se aproximou de um consenso. Em um espectro indo do confronto frontal e demonização dos ianques até a aceitação entusiasmada, passando pelas posições conciliadores e intermediárias, encontramos governantes sul-americanos em praticamente todos os pontos da escala (FLEMES, 2010b; SANAHUJA, 2012).

Ademais, o ecossistema institucional que se desenvolveu ao longo do século XX na América Latina também especificou e compartimentalizou os subsistemas caribenho, centro- americano, andino e sul-americano com mais nitidez. Desse modo, a atividade política pelo período que analisarei se desenrola já dentro de fronteiras institucionais e simbólicas que constituem a América do Sul como uma região.