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3 A CONSTRUÇÃO E PROJEÇÃO DA IMAGEM POLICIAL

3.1 Interacionismo simbólico e dramaturgia

3.1.2 Definição de imagem

Quando falamos de imagem da polícia há várias possibilidades de recortes. Muitos trabalhos tratam da imagem ou representações que a população tem a respeito da polícia, como opinião pública, e através de pesquisas quantitativas é possível identificar como a polícia é avaliada por uma comunidade (Martín, 1996; Miller et al., 2003; Cebulla e Stephens, 2010 etc.). Outros tratam das representações que os policiais têm sobre o seu trabalho (Porto, 2004; Bajotto, 2009, Souza, 2014 etc.) e ainda é possível identificar a imagem projetada da polícia na mídia e nas novas mídias (Surette, 1998; Njaine et al., 2009; Colbran, 2014 etc.). Aqui como já

viemos discutindo, estamos mais interessados na imagem projetada diretamente pela organização policial, já que estamos olhando a polícia através da lente do Interacionismo Simbólico e entendemos que enquanto organização a polícia precisa executar performances para manter uma imagem positiva e lidar com as incertezas que permeiam seu trabalho.

Ao discutir imagens e performances da polícia ostensiva é preciso identificar os vários âmbitos em que elas são produzidas e difundidas. Existe o nível mais micro que abarca as interações face a face entre policiais e cidadãos onde a imagem da polícia é negociada na interação e envolve uniformes, símbolos, linguagem, armamentos etc. Nesse nível, a imagem da polícia se faz no dia a dia, nas situações em que a polícia é chamada ou identifica que deve agir. Esse aspecto da produção da imagem policial dialoga com o que foi discutido antes sobre discricionariedade. Aqui, nas interações face a face e no dia a dia é onde a imagem da polícia vai sendo construída na comunidade.

A maior parte dos cidadãos, porém, não tem experiência direta com a polícia, o que nos leva a um outro nível de produção e projeção da imagem policial enquanto organização e que abarca o âmbito dos órgãos de comunicação social. Neste caso a imagem da polícia é mediada e filtrada pelos meios de comunicação que tem os seus próprios interesses na busca por audiência. A polícia é uma fonte de informação para a mídia e a mídia tende a mistificar as atividades policiais buscando transmitir, especialmente através da TV o lado mais emocionante, ainda que não tão frequente, do trabalho policial que envolve ação, perigo, violência e crime. Muitas vezes existe uma parceria da polícia com a mídia para divulgação de fotos, vídeos, estatísticas, informação sobre operações etc. e outras vezes há conflito de interesses quando a mídia divulga informações que podem criar uma crise na imagem na organização policial. Para lidar com as demandas da mídia e as possíveis crises de imagem é cada vez mais comum a existência de um órgão dentro da polícia responsável pela comunicação social, uma assessoria de comunicação. No capítulo 3 discutiremos mais detalhadamente esse fenômeno de institucionalização da projeção da imagem oficial no caso da PMPE e PMM.

A centralidade da projeção de uma imagem positiva nas organizações policiais é ressaltada por Mawby (2002), em um estudo das imagens da polícia Britânica. O autor aponta que a polícia enquanto organização é constantemente avaliada e a mídia joga um papel importante nesse processo. A polícia tem que manter sua posição institucional e lidar com as demandas dos seus públicos, manejando sua imagem pública. Apesar de se tratar de um estudo de caso, o autor aponta que tal fenômeno permeia as organizações policiais imersas nas sociedades modernas onde a comunicação social tem um papel fundamental: “This is a

manifest in the political and social conditions and, particularly, the mass mediated environment, of contemporary Britain” (Mawby, 2002, p. 54).

Outro âmbito em que a imagem da polícia é projetada é o da ficção. A polícia é tema recorrente de filmes e séries de televisão que também constroem imagens envolvendo mais uma vez os aspectos mais emocionantes do trabalho policial onde a ação e a oposição bem e mal, polícia e criminoso, herói e bandido são a tônica geral. Através da ficção também se cria imagens sobre a polícia real já que nos aproxima de situações e cenários que não temos experiência direta. Entra em jogo o papel da ficção na composição do que compreendemos do mundo, ainda que um expectador adulto normal tenha total consciência da distinção entre ficção e realidade:

How many of us have ever been in an operating room, a criminal courtroom, a police station or jail, a corporate board room, or a movie studio? How much of what we know about such diverse spheres of activity, about how various kinds of people work and what they do – how much of our real world has been learned from fictional worlds? (Garber e Gross, 1976, p. 244).

Finalmente, existe o âmbito das novas mídias, onde a imagem da polícia tem ganhado força. Aqui há uma multiplicidade de espaços onde a imagem policial é projetada e desde várias fontes. É cada vez mais comum que as polícias do mundo tenham não apenas sites oficiais, mas contas oficiais em redes sociais onde diariamente postam informações sobre o trabalho policial. Além disso, grupos de policiais de modo não oficial também produzem muita informação online sobre o trabalho da polícia através de blogs, canais no YouTube, Twitter, Facebook.... Esse tipo de projeção de imagem tem sido muito mais controlado desde a organização e é normalmente coordenado por órgãos de comunicação internos, como assessorias de comunicação social. O âmbito da internet é particularmente delicado porque dá voz e grande alcance a uma grande quantidade de atores. As informações e imagens que circulam nesse meio são difíceis de controlar e filtrar, o que pode gerar dificuldades de uma projeção de imagem coerente da organização. Discutiremos melhor esse ponto mais adiante, no ponto em que apresentaremos as funções, objetivos e sentidos desses órgãos de comunicação das polícias aqui estudadas.

Dentre as múltiplas imagens das polícias, o objetivo aqui é identificar as imagens projetadas deliberadamente pelas organizações policiais como imagens oficiais através do órgão competente para tal, no caso da PMPE a Assessoria de Comunicação Social e no caso da PMM o Gabinete de Protocolo y Prensa. Estamos interessados no funcionamento, objetivos e sentidos desses órgãos e nas imagens projetadas diretamente por eles no ambiente online, nos sites e perfis sociais oficiais das organizações. Estamos interessados nas representações ou

performances oficiais da polícia, aquelas que são mais controladas e pensadas como imagem institucional a ser projetada.

Já que o foco aqui está na performance das organizações policias planejadas e pensadas desde os departamentos de comunicação das polícias através das novas mídias, mais que representações, chamaremos de projeções de imagem, pois se tratam de representações pensadas e divulgadas ao público externo por meio de quase-interações mediadas. Também nos interessa conhecer como funciona a relação desses órgãos com as mídias externas, já que as empresas de comunicação social também projetam ativamente imagens que envolvem a polícia diariamente com grande alcance de audiências através da TV e jornais, além de terem a polícia como grande fonte de informação oficial sobre segurança e criminalidade. As organizações policiais sabem da importância e alcance das imagens projetadas pelas mídias externas e parte do trabalho dos órgãos de comunicação internos das polícias é lidar com as demandas midiáticas, como veremos no capítulo 3. Antes de apresentar a estrutura e funcionamento dos órgãos de comunicação das polícias aqui analisadas, no próximo capítulo apresentaremos o contexto socio-histórico em que a PMPE e a PMM estão inseridas, o que nos permitirá compreender melhor seus órgãos de comunicação, suas estratégicas comunicativas e imagens projetadas.

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