• Nenhum resultado encontrado

4 POLÍCIAS OSTENSIVAS NO RECIFE E EM MADRI: CONTEXTOS

4.1 Brasil e Espanha: um breve panorama histórico da segurança pública

4.1.2 Polícia na Espanha: do militar e centralizado ao civil e local

A história da polícia na Espanha também está relacionada com uma forte presença militar. Desde a primeira constituição Espanhola em 1.812 há referência a corpos policiais centralistas e com funções não diferenciadas do Exército. “la historia de la seguridad pública

a lo largo de nuestro siglo XIX se caracteriza por la lucha entre un modelo de seguridad publica centrado en la supremacía del poder civil y un modelo de seguridad pública controlado por el aparato militar” (Marquez, 2011, p.71). Nessa disputa, prevaleceu a segurança pública como

assunto militar durante o século XIX e XX, especialmente durante a ditadura militar de 1923 a 1931.

Na Segunda República (1931-1939) há uma tentativa de desmilitarização da segurança pública, com a criação de corpos de segurança de caráter civil e unificados, bem como desvinculando a Guardia Civil (criada desde 1844 como corpo militar) do então “Ministerio de

la Guerra” e o vinculando ao “Ministerio de la Gobernación”. A administração policial, porém,

continua sendo militar. Nesta época, já há registros de atividades de policiamento local, porém apenas relacionado com o controle do trânsito na cidade de Madri.

Com o Regime Franquista (1939-1975) o aparato policial é reorganizado e aparece novamente fortemente centralizado e militarizado. Fundamental para a manutenção da ditadura, a policía atuava "como policía política, encargada principalmente de mantener la tranquilidad

en la calle y escasamente capacitada para cumplir las competencias que la ley le asignaba en otros campos" (Ballbé, 1978, p.144).

Em 1940, a Guardia Civil volta a ser diretamente vinculada ao Exército e foram criados o Cuerpo General de Policía que era civil, porém fortemente hierarquizado e tinha a função de polícia investigativa; e o Cuerpo de Policía Armada y de Tráfico que tinha a função de polícia ostensiva e era militar. Qualquer desrespeito a esse corpo militar era considerado insulto às Forças Armadas e julgado pelo código castrense. Nesta época, questões de ordem pública envolvendo civis eram muitas vezes resolvidas através de jurisdição militar. Em 1959 a

vigilância das estradas e as prisões passam a ser responsabilidade da Guardia Civil e a Policía

Armada passa a estar ainda mais presente nas cidades que estão se desenvolvendo neste período.

Durante a transição, em 1978, é criado o Cuerpo Superior de Policía em substituição do

Cuerpo General de Policía, do regime Franquista, porém sem mudanças profundas na sua

estrutura, funcionamento e membros. No mesmo ano, A Policía Armada é substituída pelo

Cuerpo de Policía Nacional (CPN) que apesar de civil, se regia por normas militares.

É com a Ley Orgánica 2/86, de 13 de marzo, de Fuerzas y Cuerpos de Seguridad que o

Cuerpo de Policía Nacional e o Cuerpo Superior de Policía são unificados criando o Cuerpo Nacional de Policía (CNP), responsável tanto pelo policiamento ostensivo quanto pela

investigação no âmbito nacional. Também se regulariza as polícias das comunidades autônomas e polícias locais. A Guardia Civil é a única força policial que mantém vinculação com as Forças Armadas pois é definida como um instituto armado de natureza militar, mas depende do

Ministerio del Interior para suas atividades policiais e do Ministerio de Defensa,

exclusivamente, em caso de guerra ou estado de sítio e em casos de missão militar encomendada pelo Governo.27

Com a democratização, há uma descentralização do poder do Estado, reconhecendo na Constituição três níveis de Administração: Central, Autonómico e Local. A Espanha é um país com muitas diferenças regionais e tal descentralização pretendia dar mais autonomia às diferentes regiões do país. Na prática, esse processo de mudança não aconteceu de modo imediato. Ballbé (1990) aponta, porém, a necessidade de transferir para o nível mais local os assuntos de segurança pública, dez anos após a Constituição que pretendia dar mais poderes as comunidades autônomas e municípios:

La herencia histórica y administrativa del secular Estado centralista todavía tiene en nuestro sistema democrático y pluralista un peso notable, como ponen de relieve la cultura, las actitudes y las concepciones actuales sobre la policía. Ello explica que el poder central tenga una clara tendencia a monopolizar la Administración policial abarcando el máximo de competencias en materia de seguridad, y que se muestre injustificadamente desconfiado respecto a otras administraciones policiales o que siga una línea de conducta paternalista en sus relaciones interadministrativas (p.113).

Assim como aconteceu na Constituição brasileira de 1988, o policiamento local na Espanha foi designado na Ley Orgánica 2/86 como facultativo. Ao ganhar a categoria de polícia, porém, as polícias locais espanholas são pela primeira vez colocadas em pé de igualdade

27 Discutiremos melhor sobre a natureza militar da Guardia Civil e a configuração atual da segurança pública na Espanha no próximo ponto.

com as forças do Estado e as polícias autonômicas. Além disso, aparece no preambulo da lei que “sobre la base de la práctica indivisibilidad de la seguridad pública se establece el

principio de cooperación recíproca y de coordinación orgánica. Lo que supone […] la admisión de la Policía Local como un Cuerpo de Seguridad más” (Sacristán, 1998, p.379)

Apesar disso, o seu papel ficou em segundo plano e durante quase duas décadas não exerceu uma função notável em matéria de segurança nem recebeu investimentos necessários para tal, se limitando a questões administrativas, de trânsito e cuidado de prédios públicos municipais. Alguns autores como Ballbé (1990), Fernández (1992), Sacristián (1998) etc. discutiam sobre o papel que as polícias locais deveriam ocupar na segurança pública, como apontam também Garcia, Arroyta e Camps (1994):

La Policía Local necesita un replanteamiento en profundidad. Integrada en un sistema global, debe profundizar en su papel de policía comunitaria, integrada en la población y desplegada en el territorio convirtiéndose en la base y la punta de lanza del sistema de seguridad. […] debe estar integrada también en el tejido social, ser útil al ciudadano para poner orden y resolver los problemas que se puedan plantear, ayudar a mejorar la calidad de vida en el amplio campo que se presenta en el terreno de la Seguridad y la convivencia. En este sentido […] jugaría un papel primordial en la base de un sistema muy relacionado con la convivencia segura y la calidad de vida de los ciudadanos (p. 287).

Anos mais tarde, concretamente a partir de 2003 no caso da Policía Local de Madrid é que ocorrem mudanças significativas na segurança pública em nível local. As funções e importância das Polícias Municipais nas grandes cidades espanholas foram ganhando força e preenchendo um espaço na segurança pública de prevenção e proximidade, o que tem proporcionado conhecer mais de perto as realidades e necessidades cotidianas para lidar com problemas do dia a dia:

Los Cuerpos de Policía Local, sobre todo los de las grandes ciudades, han crecido de manera notable en los últimos tiempos, principalmente porque han ido asumiendo paulatinamente un mayor protagonismo en las tareas de Policía Preventiva y de represión de la pequeña delincuencia sin dejar de realizar, por otra parte, lo que ha sido su misión fundamental: hacer cumplir las ordenanzas municipales y regular y controlar el tráfico en el ámbito urbano (Marquez, 2011, p.151).

Como podemos ver, o modelo de polícias na Espanha viveu grandes transformações desde a Constituição de 1978. As polícias nacionais passaram a cumprir o ciclo completo, com atribuições de polícia ostensiva e investigação, bem como o policiamento em nível nacional

pouco a pouco cedeu espaço para polícias autonômicas nas comunidades autônomas e nas grandes cidades para o policiamento local.

Documentos relacionados