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4 POLÍCIAS OSTENSIVAS NO RECIFE E EM MADRI: CONTEXTOS

4.3 A estrutura e o papel da PMM em Madri e da PMPE no Recife

4.3.2 Polícia Militar de Pernambuco

O policiamento no Brasil é, de acordo com a Constituição de 1988, composto pela Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, responsável pelo patrulhamento ostensivo das rodovias federais; Polícia Ferroviária Federal, responsável pelo patrulhamento das ferrovias federais; Polícias civis que tem função de polícia judiciária no âmbito dos estados federados; Polícias Militares que atuam como polícia ostensiva no âmbito dos estados federados e Corpos de Bombeiros Militares incumbidos de atividades de defesa civil. As Guardas Municipais aparecem como órgão facultativo aos municípios, com a função de proteger bens, serviços e instalações municipais.

A competência em segurança pública no âmbito do município, apesar da aprovação da lei nº 13.022, de 8 de agosto de 2014, que institui normas gerais para as guardas municipais, disciplinando o § 8o do art. 144 da Constituição Federal, continua sendo de responsabilidade das polícias estaduais Civil, no âmbito investigativo, e Militar, no policiamento ostensivo e preventivo. Assim, consideramos que o critério de comparação para analisar a projeção das imagens das polícias seria identificar as responsáveis pelo patrulhamento, estando na rua para lidar com as demandas da comunidade e situações na qual é chamada a agir. Ao ter competências e efetivo limitados e não ter sido ainda regulamentado o porte de armas em nível municipal, a Guarda Municipal do Recife não desempenha na cidade o papel de polícia no qual estamos interessados aqui. É a Polícia Militar de Pernambuco que tem a função de polícia ostensiva e patrulha as ruas da cidade do Recife, sob o comando do Governo do Estado43.

43A escolha de comparar aqui organizações policiais responsáveis pelo patrulhamento das cidades se deu por ser a polícia que está na rua, tendo que lidar com as demandas que surgem no dia a dia. Interessa-nos a projeção da imagem da polícia que está potencialmente mais próxima do cidadão comum. Apesar da proximidade física, no dia a dia o cidadão não tem necessariamente experiências diretas com a organização, mas tem contato com as atividades policiais mediadas principalmente pela mídia, bem como pelas novas mídias. Interessa-nos

Em 2007 o Governo do Estado de Pernambuco apresentou um Plano Estadual de Segurança Pública e elaborou, através de do Fórum Estadual de Segurança Pública com participação da sociedade civil, o Pacto Pela Vida. O principal enfoque do programa estava na prevenção de homicídios e tinha como meta a redução em 12% ao ano das taxas de mortalidade violenta intencional em Pernambuco. Pela primeira vez a segurança pública torna-se alvo de uma política pública continuada no Estado.

Uma das diretrizes do Pacto foi a maior integração das Polícias Civil e Militar, para a maior eficácia da repressão e prevenção da criminalidade violenta. Um Comitê Gestor foi criado para monitorar os resultados através de indicadores de resultado semanais do trabalho das polícias. Metas e gratificações foram estabelecidas para os policiais. Também houve uma divisão de áreas do trabalho policial, as chamadas áreas integradas de segurança, um total de 26 no estado (Ratton, Galvão e Fernandez, 2014).

Tais medidas tiveram impacto nas estatísticas criminais do estado: os dados da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (INFOPOL/SDS) apontam para uma redução de 39% da taxa de crimes violentos intencionais em Pernambuco e de 60% na cidade do Recife entre janeiro de 2007 e dezembro de 2013 (Ratton, Galvão e Fernandez, 2014). Especificamente relativo a homicídios, houve uma redução em 35,5% em Pernambuco e no Recife, a queda chegou a 51,8%. Em 2013 O Pacto Pela Vida foi premiado na categoria “Melhoria na Entrega de Serviços Públicos” do United Nations Public Services Forum Day and Awards, que premia boas práticas administrativas desenvolvidas em todo o Mundo.

Críticas ao Pacto Pela Vida apontam que o programa privilegia a repressão em detrimento da prevenção. Há uma busca por metas e resultados mais imediatos em detrimento de um trabalho mais profundo e demorado como seriam projetos de prevenção da criminalidade violenta. Na mesma linha, o programa dá mais atenção a produção de encarceramentos à melhoria das prisões. Outro ponto criticado é a interrupção do diálogo com a sociedade civil, que em um primeiro momento participou ativamente na construção do programa (Ratton, Galvão e Fernandez, 2014).

especialmente esse tipo de polícia por ser a que tem de lidar com as demandas da população de maneira direta, tendo que resolver problemas quando eles se apresentam, muitas vezes utilizando-se de poder discricionário para tal. É nesse tipo de policiamento em que a dupla demanda da polícia (manutenção da ordem pública e salvaguarda dos direitos dos cidadãos) é mais explícita e a necessidade de possuir e projetar uma imagem coerente pode ser mais necessária. Outras incertezas do trabalho policial ostensivo como o poder discricionário e o controle do crime também contribuiem para a necessidade de dramatização do trabalho policial, como vimos no capítulo anterior.

Em 2013 foi lançado o Plano Municipal de Segurança Urbana e Prevenção da Violência, o Pacto Pela Vida Recife, numa tentativa de complementar o Pacto Pela Vida Estadual através da maior participação Municipal na área de segurança. O programa foi criado por meio de um documento inicial produzido pela Prefeitura do Recife e foi submetido à consulta pública no início de 2013.

Diferente do Madrid Seguro que se configurou como um programa de reforma da Polícia Municipal, não se trata de um programa com a atenção focada no policiamento desde os municípios. A Guarda Municipal é mencionada no programa para trabalhar em conjunto com a Polícia Militar no policiamento preventivo e também é mencionada a necessidade de requalificar o tipo e qualidade da atuação da Guarda Municipal, mas não há ações concretas de que papel deve assumir em termos de segurança na cidade para além das tradicionais funções de vigilância de edifícios municipais e trânsito. Houve um aumento do efetivo de Guardas Municipais em 2015, mas não chega a cumprir o número inicialmente proposto pelo Pacto Pela Vida do Recife.44 A falta de operacionalização do PPVR é sintomática da pouca participação efetiva do município no tema da segurança pública.

Houve um avanço no campo da segurança pública em Pernambuco com a implementação do PPV em 2007, para além da redução dos números de homicídios no Estado à época, a segurança pública entrou na agenda pública e agora existem parâmetros para avaliação e erros a corrigir. Diante de um cenário com altas taxas de homicídios é compreensível que a busca por resultados e metas a serem cumpridas em termos de repressão sejam mais notórias que medidas de prevenção, dada a urgência de diminuição de mortes no Estado. A segurança pública, porém, precisa integrar melhor prevenção, repressão do crime e ressocialização para resultados duradouros e em consonância com o Estado de Direito Democrático. Como já discutimos, controle social não é sinônimo de policiamento. Desse modo, a queda dos CVLI pode ser atribuída à uma intensificação da vigilância e o impacto de sua divulgação, mas a longo prazo esses resultados não se sustentam sem a implementação de outras estratégias sociais e políticas para além do papel da polícia.

A efemeridade dos efeitos trazidos pelo PPV aparece nos números crescentes de criminalidade violenta no Estado. A taxas de crimes violentos letais intencionais (CVLI45) no Estado de Pernambuco voltou a subir desde 2014. A taxa de CVLI por 100 mil habitantes

44 Fonte: http://www2.recife.pe.gov.br/noticias/05/10/2015/prefeitura-aumenta-em-cerca-de-30-efetivo-da-

guarda-municipal-do-recife

45A categoria "Crimes Violentos Letais Intencionais" agrega as ocorrências de Homicídio Doloso, Latrocínio e Lesão Corporal seguida de Morte.

passou de 34 em 2013 para 37, em 2014, e chegou a 42 em 2015, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2016. Em entrevista dada ao Jornal Valor Econômico em janeiro de 2017, José Luiz Ratton aponta os principais fatores que contribuíram para o fracasso do PPV: a falta de integração das polícias e dificuldades de aceitação de parte dos policiais da coordenação pelo Governo do Estado, a falta de investimento em programas de prevenção da violência que fossem capazes de dar sustentabilidade à redução dos homicídios, bem como a falta de transformações e reformas necessárias no sistema prisional e no sistema de medidas socioeducativas contribuíram para que os avanços obtidos não fossem institucionalizados. Como consequência, “houve o retorno a um conjunto de ações de segurança pública convencionais, realizadas de forma autônoma e descoordenada pelas polícias.46

É preciso avançar e ainda há muito a ser discutido, pensado e transformado no campo da segurança do Estado e da cidade do Recife. Esse processo envolve também o Governo Federal e mudanças mais profundas em como fazer segurança pública no Brasil. Na próxima seção apresentaremos alguns números que caracterizam o atual cenário da criminalidade e criminalidade violenta nas duas cidades estudadas, finalizando a contextualização aqui desenvolvida sobre as polícias que são objeto de estudo desta tese.

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