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CAPÍTULO I TENSÃO NA DEFINIÇÃO E DELIMITAÇÃO DO TEMA

1.1. Definição e delimitação do objeto

Já na década de noventa, manifestava-se minha preocupação com a ação educativa no seu aspecto profissional. Preocupação que se foi reiterando e se tornou mais aguda no trato da docência refletida na sociologia do trabalho. Não foi o acaso, nem uma eventual oportunidade de acesso, mas uma escolha de afinidade, o que marcou o encontro da inspiração básica na obra de Manacorda (1989),

apresentada por Paolo Nosella como “uma verdadeira busca, às vezes mais, às vezes menos esperançosa, do momento decisivo em que a história tenta produzir o homem democrático, isto é, o homem culto e, ao mesmo tempo, produtivo” (Ibidem, p.2).

Tal obra tratou de convencer-me de que as reformas assistidas nessa década apresentavam um cunho ideológico e político cujo fundamento era uma educação para os trabalhadores voltada para o mercado, num contexto em que problemas no âmbito do Estado brasileiro eram apontados como causas centrais de profundas crises econômicas e sociais vividas pelo país desde o início dos anos oitenta do século passado. Tudo isso num cenário em que as forças de resistência se encontravam fragmentadas, particularmente o movimento dos trabalhadores, em função do desemprego, da precarização e flexibilização das relações de trabalho e dos direitos.

Para estudiosos como Antunes (1998), Araújo (1999), Cunha (1997), Castro (1997), Dugué, (1998), Fidalgo (1999), Kirschner (1993), Kuenzer (1997), Machado (1996) Moraes (S/D), Salm E Fogaça (1997), Soares (1999 A), dentre outros, embora o termo reforma tenha sido largamente utilizado pelo projeto em curso no país, nos anos 1990 para designar as novas orientações para a educação profissional, a perspectiva da reforma esteve apropriada de uma forte ideologia da ideia reformista, a qual é destituída de uma perspectiva de melhoria de condições de vida e trabalho para as maiorias.

Um pouco antes desse momento, em 1986, além de professora, comecei a trabalhar como técnica no Sistema Nacional de Emprego (SINE), no Núcleo Microrregional de Montes Claros, vinculado à Secretaria de Estado do Trabalho, da Assistência Social, da Criança e do Adolescente de Minas Gerais (SETASCAD/MG). Nesse período, verificaram-se profundas mudanças em todos os níveis da sociedade brasileira; envolvendo, particularmente, a economia e a organização do Estado que refletiram sobre o mundo do trabalho e sobre a educação.

As minhas atividades profissionais ligadas à operacionalização das políticas de formação profissional, permitiam-me acompanhar as propostas governamentais (Prática) e em contrapartida me faziam perceber uma conexão com a teoria vivenciada na vida acadêmica (Teoria).

Dessa forma, pude perceber como nunca havia visto anteriormente, que as mudanças verificadas a partir do final da década de oitenta foram acompanhadas de um maior apelo à educação profissional, tanto por parte das instâncias públicas quanto do setor empresarial que passaram a sustentar, com veemência, a tese de que a baixa qualificação dos trabalhadores brasileiros era uma das principais razões para justificar o enorme desemprego no país.

A dedicação ao aprofundamento de estudos sobre os vínculos entre educação e políticas públicas, fez-me procurar um curso de especialização. Assim, no período do curso de especialização em Políticas Públicas, a contrapartida no plano intelectual das atividades desenvolvidas por mim nos programas de qualificação profissional e o meu retorno à docência do ensino superior na Universidade Estadual de Montes-Claros (UNIMONTES), fizeram com que fosse amadurecida a ideia de submeter um projeto de dissertação ao Programa de Mestrado em Educação e Políticas Públicas da UFMG em 2000.

Em maio de 2002, a ideia do projeto materializa-se e a minha dissertação de mestrado, submetida à Universidade Federal de Minas Gerias. Essa história confunde-se muito com minha própria história, exatamente pelo fato de a origem deste trabalho estar relacionada não só a uma curiosidade acadêmica, mas a minha experiência profissional na SETASCAD, através do Programa de Geração de Emprego e Renda – PROGER, a Intermediação de Emprego, o Seguro- desemprego, e principalmente no Programa Nacional de Qualificação do Trabalhador – PLANFOR.

Muitas questões precisavam ser respondidas, tendo em vista os objetivos que vinham sendo atribuídos à educação profissional no novo contexto de mudanças do país, pelas entidades sindicais, governo ou empresários, visando a se realizar uma política de requalificação profissional. Percebia, no nível das políticas públicas para o emprego no Brasil, uma associação entre política de emprego e formação profissional que não se registra em épocas precedentes. Tal vínculo tinha chamado a minha atenção, especialmente quando programas de geração de emprego e renda, apresentados nos anos noventa, reforçavam a dimensão educacional.

Por tudo isso, a preparação da minha dissertação de mestrado representou para mim um momento de reflexão e uma oportunidade de registrar

parte da memória desse processo, extremamente rico em suas possibilidades de desdobramento.

Quanto à argumentação que sustentei na minha dissertação, seu núcleo principal é o seguinte: mudança no paradigma produtivo → centralidade do conhecimento → crise do Estado do Bem-Estar/ neoliberalismo/ privatização → crise do direito ao trabalho / do “pleno” emprego → empregabilidade → qualificação profissional / competência → políticas públicas de emprego no contexto de afastamento do Estado da área social → nascimento do PROGER [centralidade do conhecimento → empregabilidade → políticas públicas de emprego com base na qualificação profissional – PROGER/ PLANFOR – e sua dimensão educacional.

Esse esquema, com certeza, oferece apenas uma visão sintética das questões por mim abordadas. O mais importante a dizer, no entanto, é que o PROGER/PLANFOR, política pública de emprego baseada na oferta de qualificação profissional visando a ampliar a “empregabilidade” do trabalhador, insere-se num processo de passagem do direito do cidadão ao trabalho (dimensão pública) para a instituição do dever do indivíduo para com o seu próprio trabalho (dimensão privada).

Desse modo, procurei explicar a relação entre “centralidade do conhecimento” e mudanças no mundo/mercado do/e trabalho. Tal relação, no contexto do pós-fordismo, Estado neoliberal, entre outros, aparece sob a complicada questão da “empregabilidade”. Minha preocupação, então, passa a ser a de explicar o nexo entre “centralidade do conhecimento” e “empregabilidade”. Para isso, parti dos múltiplos problemas, dentre os quais uma crise generalizada de emprego, em todo o mundo ocidental, surgidos no contexto desse novo paradigma produtivo. É nesse quadro que, a meu ver, surge o conceito de “empregabilidade”.

Com isso, desenvolvi a tese central do meu trabalho: de questão social e política, pretende-se converter o emprego numa questão privada.

O processo de produção da dissertação foi, certamente, mais rico que seu resultado, uma vez que envolveu aspectos relevantes da vida acadêmica com o reconhecimento em comunidades de produção de conhecimento e o desenvolvimento de projetos coletivos, que evidenciaram a interlocução entre teoria e prática para além dos muros da universidade.

Uma maior familiaridade com a pesquisa, então, vem sendo desenvolvida, desde o mestrado até o momento. Com isso, a conquista da clareza, em especial pelo exercício docente que realizo, no sentido de que o ensino, numa perspectiva plena, não pode estar dissociado da pesquisa, ou seja, da produção de conhecimento científico, especialmente nas oportunidades decorrentes dos estudos de pós-graduação. Aliado a isso, a crença de que através do ensino, pesquisa e extensão poderemos lutar para a construção de um mundo melhor e, assim, filiarmos ao “sindicato” dos que acreditam que por meio da educação é possível a (re)construção de uma sociedade mais igualitária e, sobretudo, mais humana.

Nesse sentido, a trajetória dos estudos induz a uma reflexão mais específica no que tange a abordagem da educação profissional brasileira que, aqui proposta, pretende enfatizar a questão conceitual em sua historicidade, desvendando linhas de pensamento e sua relação com objetivos e metas de setores sociais, expressas nos discursos argumentativos e normativos, estabelecendo a relação das discussões e proposições com a formulação da norma legal. Por isso, a busca de referenciais deverá encontrar o caminho de sua sistematização ocupando- se tanto no campo epistemológico do conhecimento da realidade, quanto na sua necessária situação histórica e expressão.

Analisar o que significam tais proposições implica identificar a lógica presente no discurso do modelo que se propõe a desenvolver as chamadas competências. Para tanto, é necessário reconhecer seus argumentos, analisar em que consistem as dificuldades por ele apontadas, as conclusões a que chegam e as possíveis contradições inerentes a si próprio.

Portanto a análise do discurso enunciativo constituirá a nossa base teórica para a compreensão da prática discursiva do SENAI. Investigar essa prática, nesse contexto específico, faz-se necessário para que compreendamos a instituição em que se desenvolvem essas práticas, assim como os prescritos que regulamentam aquilo que (não) pode ser dito na relação entre educação profissional e trabalho, sob a ótica das competências. Para isso, desenvolveremos explicitações teóricas e conceituais que embasarão a nossa análise enunciativo-discursiva e que dialogarão com as contradições percebidas pelo modelo de qualificação profissional e a pedagogia de competências.