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CAPÍTULO V A FORMAÇÃO PROFISSIONAL E O SISTEMA NACIONAL DE

5.2. A Reforma do Ensino Técnico

As discussões sobre a reforma do ensino técnico recentemente aprovada remontam aos debates sobre a LDB, antes e depois da promulgação da Constituição Federal de 1988. As alternativas consideradas naquele momento iam desde a estadualização do sistema de ensino técnico até a sua privatização, via transferência para o âmbito do SENAI e SENAC. Em dezembro de 1994, aprovou-se uma lei federal (Lei no 8948/94) criando um Sistema Nacional de Educação Tecnológica, que seria responsável pela coordenação nacional do sistema de educação técnica de nível médio. As ETFs seriam transformadas em CEFETs, podendo assim oferecer cursos de ensino superior. Após avaliação de desempenho, as escolas agrotécnicas federais também seguiriam o mesmo caminho. Por sua vez, as escolas técnicas privadas (e.g SENAI, SENAC) também seriam integradas ao sistema. Haveria ainda um conselho nacional de educação tecnológica, como órgão normativo do sistema.

Entretanto, nenhuma das disposições daquela legislação de 1994 chegou a ser implementada, principalmente devido às mudanças políticas ocorridas no período. Com a instalação do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, houve certa reorientação no rumo das políticas públicas para o setor. Tal reorientação passava pela declaração de princípios quanto à prioridade para o ensino básico, com o ensino de primeiro e segundo grau sendo vistos como fundamentais para a formação da cidadania, enquanto o ensino profissional passaria a integrar outra linha de política pública, que se orienta para a geração de emprego e renda.

Nesse sentido, os ministérios da Educação e do Trabalho desenvolveram um esforço conjunto para discutir e formular uma nova política para o setor. Alguns documentos preliminares foram elaborados conjuntamente, mas, inesperadamente, o MEC enviou para o Congresso o Projeto de Lei 1.603/96, propondo a criação de um Sistema Nacional de Educação Profissional. Contrariando toda a discussão feita até aquele momento, o ministério da educação redirecionou significativamente os rumos da reforma do ensino técnico. O PL 1603/96 foi criticado por vários segmentos da sociedade e, durante sua tramitação na comissão de educação da Câmara dos Deputados, foram acrescidos a ele mais de 300 emendas. Com a promulgação da LDB no 9304/96, que dedica um capítulo específico para a educação profissional, o governo retirou o PL enviado para o Congresso, evitando

assim que as emendas apresentadas fossem sequer discutidas. Em seguida, o poder executivo estabeleceu o decreto no 2.208/97 que, segundo seus críticos8, acentuou os aspectos negativos do projeto de lei no 1603/95.

A educação profissional passou a ser regulamentada pelo capítulo III da LDB e o referido decreto. Segundo o governo federal o objetivo principal seria a melhoria da oferta educacional, num contexto onde os novos padrões de produção e inovação obrigam o país a uma acelerada inserção internacional em termos “competitivos”. Além dos textos legais já mencionados, foram elaborados um conjunto de atos que têm a ver com a conceituação, a caracterização, a operacionalização e a implementação da reforma da educação profissional9.

Assim, alguns dos pontos principais da reforma do ensino técnico iniciada no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) são:

• desvinculação entre ensino médio e ensino técnico, o qual passa a ser ofertado em módulos que podem ser cursados paralelamente ou após a conclusão do nível médio;

• flexibilidade da educação profissional, cujo currículo passa a ser organizado em módulos independentes e complementares;

• a certificação na educação profissional passa a ser feita em três níveis de qualificação: a) nível básico, destinado à qualificação, requalificação e reprofissionalização de trabalhadores, independentemente de escolarização prévia. Os cursos do nível básico não estariam sujeitos à regulamentação curricular. b) nível técnico, que proporciona habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio. Esses cursos teriam organização curricular própria e independente do ensino médio, sendo ofertados sequencial ou concomitantemente a esse. c) nível tecnológico, destinado aos egressos do ensino médio. Os chamados cursos tecnológicos seriam cursos de nível superior para a formação de tecnólogos em diversas especialidades;

8 Segundo Carmem Sylvia V. Moraes, em julho de 1998 estava tramitando no Congresso Nacional,

em regime de urgência , um projeto de Decreto legislativo para sustar os efeitos do Decreto 2.208. Essa iniciativa dos deputados Luciano Zica, Miguel Rosseto e Walter Pinheiro indica o grau de articulação dos que se opõem à reforma nos termos que vêm sendo proposta. Cf. MORAES (1998: 107-108).

9 A SEMTEC publicou um volume com os principais atos relacionados com a Educação Profissional,

atualizado até janeiro de 1998. Após essa data, os demais documentos elaborados são acessíveis no site da Secretaria: < http://www.mec.gov.br >

• democratização do ensino profissional através do aumento de vagas;

• maior demanda para que os IFETs atendam alunos egressos do ensino médio em cursos pós-médios, voltados para a habilitação profissional e para o ingresso no mercado;

• parcerias com instituições privadas e sindicais, no sentido de qualificar, requalificar e especializar mão de obra;

• desresponsabilizar gradativamente as escolas técnicas com o ensino médio. Independentemente dos problemas ou eventuais méritos, a política do governo federal não opera num vácuo institucional, histórico ou político. Outras iniciativas e propostas estavam sendo articuladas entre as próprias instituições federais de ensino técnico.

Por exemplo, é importante destacar o movimento de reforma curricular que se desenhava desde 1993 entre as instituições da rede federal de ensino técnico. Durante o ano de 1995, ocorreram quatro encontros nacionais, realizados em Natal-RN, Porto Alegre-RS, Vitória-ES e Maceió-AL. Como resultado desses encontros, dos quais a SEMTEC também participou, foi elaborado um projeto chamado “Construindo o Projeto Político Pedagógico nas EAFs, ETFs e CEFETs”. Segundo MILITÃO (1998b: 102-113), o objetivo maior desse movimento era o de superar os entraves a uma sólida formação tecnológica, buscando uma articulação real entre a educação propedêutica e a tecnológica. Propunha-se atingir um número maior de alunos, com expansão das vagas para o ensino médio e um aporte adequado de recursos para que as instituições conseguissem se manter ao par dos desenvolvimentos e inovações tecnológicas. Em síntese, as instituições colocavam ainda que o maior desafio de uma reforma seria estabelecer vínculos estreitos entre cidadania e tecnologia.

O encontro, ou melhor, desencontros entre o movimento de reforma curricular das instituições e o decreto federal de reforma do sistema apontam para conflitos inevitáveis. Isso, dentre outros motivos, justifica minha decisão em pesquisar a implementação da reforma governamental no SENAI em Montes Claros/MG.