• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I TENSÃO NA DEFINIÇÃO E DELIMITAÇÃO DO TEMA

1.4. Educação Politécnica em Marx

Nas obras de Marx e Engels, a questão da educação é tratada de forma fragmentada. Esses autores não produziram especificamente uma obra sobre o tema, mas abordaram o assunto em várias produções, a saber: no Manifesto do Partido Comunista de 1848, em A Ideologia Alemã (1845/46), na Instrução aos Delegados para o I Congresso da Internacional dos Trabalhadores (1866), no primeiro volume de O Capital (1866) e na Crítica ao Programa de Gotha (1875). Apesar de seus escritos não conterem estudos específicos a respeito da educação, podemos encontrar textos pedagógicos distribuídos em várias produções, conforme abordaremos a seguir.

Basicamente a temática educacional tratada por esses autores, apresenta- se integrada à crítica radical das relações sociais capitalistas e à necessidade de sua superação para a construção da nova sociedade e do novo homem. Para tanto, a escola politécnica seria uma necessidade.

Nessas obras, Marx e Engels concebem as atividades de trabalho e a educação como integrantes de um único processo, articulando-se entre teoria e prática. A centralidade dessas articulações se efetivaria na chamada educação Politécnica, que se apresenta como uma síntese entre ciência, técnica e humanismo, através da qual seriam transmitidos os princípios gerais e de caráter científico de todo o processo de produção.

Para Machado (1991), além de uma iniciação ao manejo das ferramentas elementares das diversas profissões, as obras citadas propõem três objetivos: a intensificação da produção social, a produção de homens plenamente desenvolvidos e a obtenção de poderosos meios de transformação da sociedade capitalista.

Nas reflexões feitas sobre o tema: politécnica, escola unitária e trabalho, observamos que, mesmo enfrentando condições adversas, a nova educação, na concepção de Marx e Engels, deveria começar já no capitalismo, ou seja, uma proposta de escola única, uma proposição para uma educação do futuro. Suas afirmações partem das Instruções aos delegados do Conselho Central Provisório de 1866, elaboradas por Marx, que chama a atenção dos operários para a importância da educação e aponta a tentativa da politécnica ainda no capitalismo.

Nessas Instruções, Marx indica a educação reivindicada pela classe trabalhadora compreendida em três aspectos:

1- Educação Intelectual;

2- Educação Corporal, através dos exercícios de ginástica;

3- Educação Tecnológica, que recolhe os princípios gerais e de caráter científico de todo o processo de produção e, ao mesmo tempo, inicia as crianças e os adolescentes no manejo das ferramentas elementares dos diversos ramos industriais.

Na obra, O Capital, Marx aponta para uma educação que une o trabalho produtivo de todos os meninos, de uma certa idade, com o ensino e a ginástica, o que para ele, teria dois grandes méritos: permitiria elevar a produção social e desenvolveria plenamente os educandos.

Nesse sentido, a educação politécnica seria uma espécie de fermento da transformação social. Machado (1991) acredita que essa educação contribuiria para aumentar a produção, fortaleceria o desenvolvimento das forças produtivas e intensificaria a contradição principal do capitalismo (entre socialização crescente da produção e mecanismos privados da apropriação). Por outro lado, contribuiria para fortalecer o próprio trabalhador, desenvolvendo suas energias físicas e mentais, abrindo-lhe os horizontes da imaginação e habilitando-o a assumir o comando da transformação social.

Para Frigotto (1991), os elementos básicos e indissociáveis do conceito de politécnica são:

a) a concepção de homem omnilateral;

b) o trabalho produtivo e a articulação entre trabalho manual e intelectual; c) as bases científicas e técnicas comuns da produção industrial.

Por sua vez, Saviani (1989, p.15), aponta que a noção de politecnia caminha na direção da superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre instrução profissional e instrução geral. Acredita esse autor, que o ensino médio deveria ser organizado na forma de uma explicitação da questão do trabalho.

A politécnica postula que o processo de trabalho desenvolva, numa unidade indissolúvel, os aspectos manuais e intelectuais. Um pressuposto dessa concepção é de que não existe trabalho manual puro, e nem trabalho intelectual

puro. A separação dessas funções é um produto histórico-cultural, separação esta que não é absoluta, mas relativa.

O que a ideia da politécnica tenta introduzir é a compreensão da captação da contradição que marca a sociedade capitalista e a direção de sua superação.

Para Saviani (1989), a politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno. Assim o trabalhador terá um desenvolvimento multilateral que alavanca todos os ângulos da prática produtiva moderna na medida em que ele os domine.

Por sua vez, Kuenzer (2000) aponta que a politecnia significa o domínio intelectual da técnica e a possibilidade de exercer trabalhos flexíveis, recompondo as tarefas de forma criativa; supõe a superação de um conhecimento meramente empírico e de formação apenas técnica, através de formas de pensamento mais abstratas, de crítica, de criação, exigindo autonomia intelectual e ética. Nessa, evidencia-se que conhecer a totalidade não é dominar todos os fatos, mas as relações entre eles, sempre reconstruídas no movimento da história.

Do ponto de vista do currículo, da politecnia deriva o princípio pedagógico que mostra a ineficácia de ações meramente conteudistas, centradas na quantidade de informações que não necessariamente se articulam para propor ações que, permitindo a relação do aluno com o conhecimento, levem à compreensão das estruturas internas e formas de organização, conduzindo ao “domínio intelectual” da técnica, expressão que articula conhecimento e intervenção prática. A politecnia supõe, portanto, uma nova forma de integração de vários conhecimentos, através do estabelecimento de ricas e variadas relações que quebram os bloqueios artificiais que transformam as disciplinas em compartimentos específicos (Ibidem).

Do ponto de vista da organização do trabalho pedagógico, a politecnia implica em tomar a escola como totalidade. Propõe compreender a gestão como prática social de intervenção na realidade, tendo em vista a sua transformação, bem como, propiciar uma nova qualidade na formação dos profissionais da educação, a partir de uma sólida base comum que tome as relações entre sociedade e educação, as formas de organização e gestão do trabalho pedagógico, as políticas, os fundamentos e as práticas educativas que os conduzam ao “domínio intelectual da técnica”.

Para Markert (1996), uma proposta de formação do sujeito na perspectiva da politecnia deve expressar a síntese dialética entre formação geral, formação profissional e formação política, promovendo o espírito crítico no sentido de uma qualificação individual e do desenvolvimento autônomo e integral dos sujeitos como indivíduos e atores sociais, possibilitando não só sua inserção no mundo tecnológico e sociocultural que os circundam, mas a compreensão e o questionamento destes.

Frigotto (1988, p. 444) e Saviani (1988, p. 8-9), ao explicitarem as bases sobre as quais deveriam se assentar a educação escolar, afirmavam que o então ensino de segundo grau deveria se estruturar a partir da relação entre educação e trabalho, dentro da perspectiva politécnica. O que significa estabelecer um modelo de formação, através do qual os alunos seriam capazes de articular teoria e prática para dominar os fundamentos das diferentes técnicas utilizadas no interior da produção moderna, além de se tornarem cidadãos conscientes politicamente e capazes de se integrarem à tarefa da transformação social. A politecnia, dessa forma, funda-se numa concepção omnilateral, a qual estabelece que o homem não se reduz apenas ao trabalho produtivo material, mas, também, ao trabalho em outras dimensões, isto é, na arte, na estética, na poesia e no lazer, o que, em outras palavras, significa a entrada do homem no mundo da liberdade.

Evidentemente que uma das principais condições para desenvolver uma prática pedagógica fundada na politecnia como eixo estruturador dos currículos do ensino de segundo grau, em todo o sistema educacional do país, seria a reorganização da rede de escolas, dotando-as de equipamentos necessários, de modo a proporcionar ao educando uma formação que articulasse teoria e prática, capacitando-o para a compreensão das diferentes técnicas utilizadas no processo produtivo.

A concepção marxista para fundamentar a reforma da educação básica, sobretudo a do ensino médio e a da educação profissional de nível técnico polarizou o debate durante toda a trajetória da LDB.

O próprio Octávio Elísio, não escondia esse fato ao afirmar, no Seminário “Propostas para o Ensino Médio na Nova LDB” realizado em Brasília, que na matéria de sua autoria a principal dúvida que se tem colocado é a questão da politecnia.

Conforme mostram alguns estudos sobre a educação politécnica e a formação omnilateral, essas propostas foram se esvaziando ao longo da tramitação da LDB.

Assim, estas reflexões nos permitem confirmar aquilo que, historicamente, marca os processos de construção das reformas do nosso sistema educativo. Tal construção vem sendo atravessada por uma linha central, a qual se caracteriza por eliminar qualquer possibilidade de se colocar em prática um projeto alternativo de educação, de modo a possibilitar a emancipação das classes subalternas.