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PARTE II O ESTUDO DE CASO DO BAIXO 4° DISTRITO DE

CAPÍTULO 1 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E O PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO URBANA CONTEMPORÂNEO

1.2 DEFINIÇÃO DOS AGENTES PRODUTORES DO ESPAÇO URBANO E SUA CARACTERIZAÇÃO

Diversos agentes atuam na produção do espaço urbano. Neste subcapítulo definimos o que entendemos por agentes e analisamos suas ações sobre o espaço, com particular atenção à atuação do Estado em suas diversas esferas, uma vez que é ele o principal agente na produção e reprodução do espaço urbano.

Aqui usaremos a terminologia de agentes, e não a de atores, uma vez que julgamos ser o primeiro o articulador direto na construção do espaço urbano. Vasconcelos (2012) ilustra o caso com o exemplo do promotor imobiliário, considerando este um ator quando negocia uma licença para a implantação de um imóvel, e um agente quando constrói o imóvel, isto é, quando o mesmo intervém de fato no espaço urbano.

Segundo Botelho (2007) nenhum capitalista pode controlar sozinho os processos de formação e renovação do urbano, cabendo esta função ao Estado. Aos outros agentes sociais cabe a apropriação de seus usos mais rentáveis que são aqueles que geram sobre lucros, isto é, parcela da renda da terra que não foi paga integralmente ao proprietário.

Para a caracterização desses agentes sociais utilizaremos, como base inicial, a classificação de Corrêa (2012), que identifica 5 grupos que atuam diretamente na produção do espaço urbano: i) os proprietários dos meios de produção; ii) os promotores imobiliários; iii) os proprietários fundiários; iv) o Estado; e v) os grupos sociais excluídos. Para o autor, cada um desses agentes se organiza em diferentes segmentos: grandes empresas industriais e de serviços se fazem representar através dos proprietários dos meios de produção; os corretores imobiliários, loteadores, construtoras e incorporadoras seriam os promotores imobiliários; enquanto o Estado se faz representar nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal). O mesmo autor destaca que no estágio atual do capitalismo os três primeiros agentes podem se confundir, estando integrados direta ou indiretamente em grandes corporações, que “compram, especulam, financiam, administram e produzem o espaço urbano” (CORRÊA 1995, p.13). Cabendo ao Estado, através de seus órgãos estatais, a dupla função de agente

produtor de operações concretas sobre o espaço da cidade, e árbitro dos conflitos surgidos entre os outros agentes4.

Segundo Corrêa, a localização das grandes empresas industriais e de serviços (o segmento dos proprietários dos meios de produção) influencia diretamente no ordenamento urbano, formando zonas de atração e expansão. Ele destaca o fato das grandes empresas se localizarem inicialmente na zona central da cidade e, com a expansão da tecnologia, o aumento do preço do solo e as mudanças na legislação, se dispersarem para as áreas mais periféricas com o passar do tempo. Tal processo de dispersão das atividades industriais é observado nas diversas fases de transformação socioeconômicas e espaciais ocorridas na área do Baixo 4° Distrito de Porto Alegre (nosso estudo de caso, que será delimitado espacialmente no capítulo 3, e analisado em maior detalhe no capítulo 5).

Os promotores imobiliários são compostos pelos diversos agentes que realizam as incorporações, os financiamentos, o estudo técnico, a construção e a comercialização. Muitas vezes um único agente do mercado imobiliário pode exercer mais de uma das funções mencionadas. Em relação aos proprietários fundiários devemos destacar uma certa dificuldade em caracterizá-los como um grupo homogêneo (CORRÊA, 1995), uma vez que os mesmos se constituem em uma classe diversa, que inclui desde donos de pequenas propriedades, a grandes proprietários e especuladores imobiliários5. Isto porque investimentos em terrenos são muito atraentes, especialmente frente à possibilidade de espera para uso futuro em momentos de maior valorização e reserva de valor em momentos de crise. Constitui, portanto, uma forma de manter o investimento e ainda obter ganhos reais.

Logo, a propriedade do solo é um investimento, sendo que os lucros da atividade especulativa podem superar os lucros gerados pelas atividades produtivas. Assim, uma das 4 Na visão de Botelho, o Mercado (financeiro), os Produtores e a Propriedade compõem a estrutura principal que

define o Setor Imobiliário, onde, por vezes, também podemos observar a ação do Estado, participando e contribuindo junto à este Setor, como parte do Mercado, através de agentes e instituições financeiras públicas. “De qualquer maneira que se analise o setor imobiliário, trata-se de um setor complexo, que envolve, como participantes: consumidores, agentes financeiros, produtores de materiais de construção, comerciantes de materiais de construção, empresários (empreendedores e sub-empreendedores), proprietários fundiários, o capital comercial, promotores e equipe de projeto.” (OSEKI apud BOTELHO, 2007, p. 46).

5 Entendemos a especulação imobiliária como a reserva de lotes ou glebas de terras para uso futuro, com o objetivo

de se alcançar uma maior valorização do mesmo (CAMPOS FILHO, 1992). Tal processo tem como consequência o aparecimento de grandes vazios não urbanizados no perímetro urbano. Para Campos Filho, o Estado também é um agente fundamental da especulação imobiliária, devido a oferta desigual de áreas urbanizadas, e a falta de um planejamento integrado para a cidade. A especulação também pode ser entendida enquanto a junção dos fatores naturais aos fatores sociais (investimentos), como destaca Santos (1996): “A especulação imobiliária deriva, em última análise, da conjunção de dois fatores convergentes: a superposição do sitio social ao sítio natural.” (Ibid., p.106).

práticas mais comuns dos grandes proprietários é manter sua propriedade a espera do momento propício para a venda. Tais estratégias são variadas, e visam obter a maior renda. Na atualidade, é comum que os grandes proprietários fundiários exerçam pressões sobre o governo para aprovação de zoneamento e implantação de infraestrutura que beneficiem suas propriedades.

Côrrea (1995) destaca que a ação dos grandes proprietários fundiários pode ser conflitante com a dos proprietários dos meios de produção e promotores imobiliários, já que os primeiros querem valorizar suas propriedades, enquanto os demais necessitam de solo urbano a preços acessíveis. No caso do mercado imobiliário, o solo é o fator primordial para a organização de qualquer negócio. Para cada novo processo produtivo é necessário um novo solo, sendo a propriedade da terra de suma importância para capitais investidos no setor. O solo constitui o fator de maior peso na produção de moradias, representando 30% dos custos totais (BOTELHO, 2007).

Sob a ótica da realidade urbana brasileira, e sob o jugo de uma sociedade capitalista, encontramos os grupos sociais excluídos, que não participam do processo oficial de tomada de decisões sobre o futuro da cidade, ficando a sua atuação restrita a produção desorganizada e informal do espaço residencial, uma vez que a habitação constitui um bem seletivo ao qual a população de baixa renda não tem acesso. Sua atuação no espaço urbano está relacionada ao fato de que o mercado imobiliário formal privado é excludente para a maior parte da população, concentrando sua produção nos eixos de maior valorização e, consequentemente, direcionando as camadas mais pobres às áreas de menor valorização, ou mesmo impróprias à urbanização. Neste contexto, o valor de troca prevalece sobre o de uso, uma vez que o financiamento da habitação é guiado pelo mercado (BOTELHO, 2007).

Entretanto, mesmo sem participação direta ou influência na gestão urbana junto ao Estado, ou participação no mercado imobiliário formal, os impactos das suas ações sobre a morfologia urbana são diretos e consideráveis: segundo Alfonsin (1997) morar na cidade “fora da lei” é uma realidade que atinge entre 25% e 50% da população urbana brasileira.

Expandindo a classificação proposta por Corrêa, em 2012, vemos como necessário, e pertinente, a inclusão de mais dois agente da produção do espaço urbano: vi) as agências multilaterais; e vii) as comunidades e organizações civis (Quadro 1.1.):

Quadro 1.1. Classificação e caracterização dos agentes sociais que atuam na produção do espaço urbano.

AGENTE

SOCIAIS

COMO SE