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Definições sobre a imprensa alternativa

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Sobre a imprensa alternativa, Kucinski (2001, p.15), um dos principais estudiosos do tema, informa que os jornais que circularam durante a ditadura militar receberam inicialmente o nome de underground, dado na coluna “Jornal dos jornais” na Folha de S. Paulo, em julho de 1975, pelo jornalista Alberto Dines. No mesmo ano, em artigo publicado no jornal O

Pasquim, na edição da semana de 1 a 7 de agosto, o escritor João Antônio cunhou a expressão

“imprensa nanica”, que passou a ser bastante adotada na época.

Através de uma brincadeira, eu queria dizer nanica no sentido de pequena, anã, mas poderia tê-la batizado melhor, por exemplo, de garnizé. Porque também é anão, também é pequenino, mas é de briga. A característica dessa imprensa alternativa era ir à verdadeira fonte. E vocês podem tomar nota, só se chega à verdadeira fonte, remando contra a maré (ANTÔNIO, 1994, p.158).

No artigo de João Antônio, intitulado “Aviso aos nanicos”,o jornalista critica a grande imprensa, chamando-a de “omissa e comportada” e reverencia os jornais nanicos, que “vão mandando bala, levantando as melhores pistas e, principalmente, usando um poder que o

jornalismo realmente deve ter quando conduzido à condição de imprensa – indagar, questionar, duvidar, abrir para o diálogo e para o debate” (1975, p. 9).

Segundo Kucinski (2001, p.15) e Chinem (2004, p.8), em abril de 1976, novamente em sua coluna na Folha, Dines preferiu chamar esse conjunto de pequenos jornais de “imprensa alternativa”, qualificativo que acabou se tornando mais popular que “nanica”.

Os jornais alternativos cobravam com vigor a restauração da democracia, o respeito aos direitos humanos e criticavam o modelo econômico em contraste com a complacência da grande imprensa para com o discurso triunfalista da ditadura militar, segundo Kucinski, e apresentavam, como traço comum, “a oposição intransigente ao regime militar” (2001, p.13).

Rivaldo Chinem, outro pesquisador que se aprofundou no tema da imprensa alternativa, acrescenta outras designações para essa imprensa, como sendo “de leitor”, “independente” e “underground”, e emprega exatamente as mesmas palavras de Kucinski para afirmar que a imprensa alternativa caracterizava-se “pela oposição intransigente ao regime militar” (2004, p. 7).

Era a única imprensa que fazia perguntas; as demais, que tinham estrutura para fazer a resistência, com poucas exceções se calavam. Uma das funções da imprensa é tentar propor caminhos, e não apenas repassar notícia. É ter uma postura, questionar, fazer perguntas, enfim, realizar o sonho de muitos profissionais do setor: fazer um jornal feito por jornalistas. Fazer imprensa alternativa (CHINEM, 2004,p. 7 e 8).

Jornalistas que participaram ativamente dos jornais alternativos divergem sobre esses termos. Marcos Faerman, que foi colaborador de O Pasquim e editor de Ex e Versus, diz que “não se chega à realidade pelo conceito, mas chega-se ao conceito pela realidade”, alegando que “nanica, pequena, do leitor: esta não é a discussão fundamental” (1977, p.31). Para ele, a pequena imprensa se restringe a três palavras: “tarefa”, “imperativo de consciência” e “trabalho de organização da cultura” (1977, p.32),

Já Fernando Gasparian, fundador do semanário Opinião, considera o termo imprensa alternativa “correto” e por não depender da publicidade como a grande imprensa, ele a define resumidamente como “uma imprensa com um só compromisso: o leitor” (1977, p.32).

Um dos fundadores do Pasquim, o cartunista Ziraldo Alves Pinto, não vê como importante o debate sobre o adjetivo. “Imprensa alternativa é um nome dado para identificar a imprensa pobre, não pertencente a grandes empresas ou a famílias tradicionais. Podia ser qualquer outro nome” (PINTO, 1977, p.33). Ziraldo defende que ela pode servir de contraponto em aspectos ideológicos, formais, temáticos ou de público, mas é principalmente

uma imprensa dirigida por jornalistas e não por empresários: “É a imprensa pela imprensa, e não a imprensa pela empresa” (1977, p.33).

O cartunista encara a imprensa alternativa como um espaço de debate e de esclarecimentos do público leitor, ávido por informação, e ao possibilitar a troca de ideias, contribui para influenciar as pessoas para as mudanças nos destinos do país. “A imprensa alternativa é – neste sentido – a imprensa do futuro” (PINTO, 1977, p.36).

Por sua vez, Raimundo Pereira (1977, p.33), ex-editor de Opinião e Movimento, acha que o que diferencia a pequena imprensa da grande imprensa é o tamanho da empresa e não sua tiragem, lembrando a existência de tabloides, como o Pasquim, que chegaram a alcançar tiragens semelhantes aos dos jornais de maior porte. Pereira aponta o conteúdo como o diferencial dos alternativos. “A imprensa alternativa que nos interessa analisar é a que tem um conteúdo diferente, uma posição social - cultural, econômica e política – diferente da que tem o jornalismo das grandes empresas” (PEREIRA, 2005, p. 65),

Outro destacado representante do jornalismo alternativo, Hamilton Almeida Filho, que trabalhou em Ex e Bondinho, declara que a imprensa alternativa surgiu contra a censura política, mas também contra a censura dos patrões. O jornalista diz que os jornais nanicos, mesmo sem suporte econômico, passaram a competir com a grande imprensa porque a informação era o seu maior valor (1980, p.191-192).

A meu ver, o valor da imprensa alternativa foi: 1) chamar aos brios os empresários; 2) contestar o regime, não tanto com ideologia mas com informação; 3) provar aos empresários que aquele é que era o seu papel, tanto é verdade que acho que depois de 1975 tiveram uma melhora acentuada; 4) estimular os profissionais de imprensa e proporcionar um feedback para quem não estava trabalhando que são politicamente ativos – estudantes, sociedades de bairro, igreja – que fazer jornal era coisa fácil de ser feita (ALMEIDA FILHO, 1980, p.192).

Os jornais Opinião, Movimento e Em Tempo, na opinião de Flávio Aguiar, ex-editor de Cultura do jornal Movimento, foram mais preocupados com a disputa com a grande imprensa que os demais jornais alternativos porque eles encaravam a imprensa convencional como uma “imprensa minúscula, por serem subalternos, apequenados e menores do ponto de vista jornalístico” (2008, p.238).

Tanto é assim que nesses jornais não se aceitava tranquilamente a classificação de “imprensa alternativa”, muito menos “nanica”. Não, a Imprensa, assim com maiúscula, deveria, de acordo com os envolvidos na feitura desses jornais, ser aplicada a eles, que se consideram os efetivos defensores do povo brasileiro, ou dos trabalhadores, ou nacionais, o que fosse (AGUIAR, 2008, p.237).

O termo nanico teve grande aceitação na época, mas logo caiu em desuso, de acordo com Sérgio Caparelli, que pergunta: “Como chamar nanico o Pasquim, `nanico gigantesco`,

que chegou à tiragem de 100 mil exemplares?” (1986, p.43). Assim, Caparelli é adepto do termo imprensa alternativa, que reputa como o mais apropriado.

Alternativa indica uma relação com outro, um alter que chama a si os que se desviam de um caminho inicial, no caso, a imprensa tradicional. Aqui, alternativa poderia ser do ponto de vista do produtor, que, não contente com a imprensa tradicional, se propõe elaborar ele mesmo seu produto. Ou do leitor, que no mercado capitalista das ideias, tem opção a uma maior diversidade de conteúdos, fugindo ao monopólio dos grandes grupos que reforçam o status quo (CAPARELLI,1986, p.45).

Millôr Fernandes, que foi desenhista e diretor do Pasquim, destaca o papel da imprensa alternativa e a imagina como algo que transcende as definições que normalmente se dá a esse tipo de jornalismo.

A imprensa alternativa a gente naturalmente sempre vê como um tabloide e como uma coisa feita marginalmente, fora do sistema industrial e fora do sistema de imprensa normal. Mas acredito que a imprensa alternativa, o espírito alternativo é realmente um estado de espírito, é realmente uma vocação intelectual e uma vocação psicológica de não se deixar envolver de maneira nenhuma pelas ideias que estão em torno de você e que tendem a tolher de você uma visão verdadeira do que está acontecendo (FERNANDES, 1987, p.12).

No sentido estrito do termo, essa imprensa nunca foi de fato uma alternativa à grande imprensa ou imprensa burguesa, no entender de Perseu Abramo (1988, online). Isso por ser periódica, enquanto os grandes jornais são diários, e por não oferecer ao leitor uma opção de leitura, “do tipo que levaria um cidadão a deixar de ler o Jornal do Brasil para ler o Opinião, ou trocar O Estado de S. Paulo por Movimento”. Além do mais, conforme Abramo, os tabloides nunca conseguiram enfrentar “a máquina poderosa da grande imprensa”. Nesse contexto, caberia à imprensa alternativa o papel de apenas fazer a contraposição à imprensa burguesa do que substituí-la efetivamente.

O verdadeiro sentido alternativo, para Abramo, encontra-se na abordagem da matéria, nos informantes ouvidos em off, na orientação oposicionista da análise e da interpretação, e no posicionamento ideológico e político retratado nos títulos, nas fotos, nas charges e nos editoriais. Classificando-a de “pobre, frágil, improvisada, ousada, heroica”, Abramo assinala que a imprensa alternativa “inegavelmente foi uma das forças que abalaram a ditadura e abriram perspectivas de mudanças democráticas que ainda estão por se realizar” (1988,

online).

Analisando o florescimento da imprensa alternativa durante o regime militar, José Hamilton Ribeiro recorda que muitos jornalistas partiram para o que ele chama de “imprensa de protesto, ou diretamente de contestação política ou derivativa existencialista”. O jornalista

afirma que foi um momento de grande criatividade. “O preço, no entanto, para quem fez essa imprensa, foi alto demais” (1998, p.143).

Em São Paulo, essa imprensa alternativa, batizada na época de imprensa nanica por causa do tamanho tabloide, teve expressiva representação. Jornalistas do primeiro time, tipo Marcos Faerman e Mouzar Benedito, saíram por esse caminho que teve duas vertentes principais. A vertente de Raimundo Pereira, voltada para o jornalismo político, e a de Sérgio de Souza/Narciso Kalili/Hamiltinho de Almeida, dedicada a variações jornalísticas: desde revistas de reportagem e serviço (tipo Bondinho), até quadrinhos. Fotografia, literatura (Jornalivro) ou pau puro (tipo Ex, Extra, Mais Um)(RIBEIRO, 1998, p.143)

A investigação sobre a imprensa alternativa não se limitou aos pesquisadores que se dedicaram ao tema e foi motivo de relatório do Centro de Informações do Exército (CIE). Elaborado em 1978, o documento tinha como finalidade propor medidas para sufocar a imprensa alternativa. Ele indicava as características “básicas e comuns” dessa imprensa: tiragem e repercussão reduzida, falta de esquema empresarial, ausência de suporte financeiro adequado e elevado número de pessoas na direção, administração e redação. Conforme Paolo Marconi (1980, p.309), o relatório do CIE assegurava que a grande maioria desses “elementos” pertencia a diversas facções esquerdistas e divulgava nos jornais a filosofia de Marx.

(...) “o que se vê (...) é a pregação de ideias marxistas nos diferentes aspectos e disfarces. A anunciação de fatos negativos sob a capa do sensacionalismo e a acusação injuriosa e difamante sem o ônus mínimo da responsabilidade e da compreensão”, concluía o relatório do Exército (apud MARCONI, 1980, p.310).

O espectro da imprensa alternativa é ampliado por Dalila Veras, que incorpora as publicações mais artesanais, “conhecidas pelos rótulos de imprensa marginal, independente, nanica e de mimeógrafo”, que abordavam temas como humorismo, ecologia, homosse- xualismo, negritude, feminismo, política, quadrinhos, teatro, cinema e tantos outros, “mas a esmagadora maioria era poética” (1991, online). Veras também amplia a concepção de uma imprensa alternativa à mídia tradicional, entendendo que, além de estar relacionada à “ausência de compromissos comerciais” e “liberdade de temário e crítica”, ela era opção “ao padrão da indústria cultural que justamente nos anos 60 implantava a ´integração nacional`, ou seja, a massificação da cultura através dos meios de comunicação, especialmente a televisão”. (1991, online).

Regina Festa (1986, p.10) não se restringiu aos veículos impressos e passou a falar em comunicação alternativa, destacando-a também da comunicação popular, justificando essa posição pela “atomização” ocorrida no setor a partir de 1982-1983, após o abrandamento das restrições políticas e “pelo quase desaparecimento da comunicação alternativa”. Para Festa

(1986), os “anos de chumbo” da ditadura militar caracterizaram-se pela existência de uma comunicação alternativa marcada pela resistência e a denúncia, enquanto o processo de abertura política permitiu desabrochar uma série de iniciativas de comunicação popular, apoiadas em movimentos sociais que se originavam de setores da Igreja Católica, do sindicalismo e de outras associações de base. Três processos diferentes de comunicação alternativa e popular, segundo Festa, estariam ligados a fases distintas da vida política, econômica e social do Brasil.

A primeira fase, que corresponde ao período de 68 a 78 - entre o AI-5 e a abertura política -, caracteriza-se por uma comunicação de resistência, denúncia e acumulação de forças por parte das oposições; a segunda fase, de 78 a 82, período de explosão social, eleições nacionais, abrandamento das restrições políticas, caracteriza-se por projetos políticos mais definidos e pela existência de uma comunicação popular, multiplicadora de meios nas bases e pelo quase desaparecimento da comunicação alternativa; e o terceiro período, de 82-83, caracteriza-se por uma atomização do processo de comunicação popular e alternativa na mesma medida em que reflete a incapacidade das forças de oposição para articularem uma alternativa política à crise atual vivida pela sociedade brasileira (FESTA, 1986, p.10).

Ainda assim, ela admite que o termo imprensa alternativa consolidou-se:

(...) é de domínio comum na sociedade brasileira e identifica um tipo de jornal tabloide ou revista, de oposição, dos anos 70, cuja venda era feita em bancas ou de mão em mão. Eram publicações de caráter cultural, político e expressavam os interesses da média burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia. Eram espaços nos quais os grupos de oposição ou frentes políticas emitiam uma corajosa condenação ao regime político (FESTA,1986, p.16).

Posteriormente, Cicília Peruzzo (2015, p.13) revisitou o termo com mais profundidade e diferenciou a comunicação alternativa da comunicação popular e comunitária, porque o encerramento da ditadura militar trouxe um novo cenário às mídias que se contrapunham à imprensa comercial e optar por um ou outro adjetivo significaria deixar de abarcar o mosaico que elas representam.

(...) lembramos que esta já foi chamada também de participativa, horizontal, comunitária, dialógica e radical, pois o nome que lhe é atribuído remete a práticas concretas, depende do conceito que a orienta e de como o fenômeno se revela numa determinada época e lugar. Desse modo, o nome não diz tudo. O que mais importa é entender os processos por meio dos quais a comunicação de segmentos subalternos organizados da população se materializa. Portanto, conceitos definidos a priori – sejam eles popular, comunitário, alternativo, participativo etc. – tendem a não dar conta da realidade no seu conjunto, pois ela é dinâmica e avessa a se enquadrar na lógica conceitual. Os conceitos é que necessitam refletir as práticas sociais e não estas se enquadrarem em conceitos. (PERUZZO, 2015, p.13)

A existência de diferentes práticas e o emprego de denominações diferenciadas para caracterizar essa vertente comunicacional, na opinião de Peruzzo, convergem para algo em

comum, que é a “resistência às condições desfavoráveis à igualdade social e, simulta- neamente, a interferência política para modificar essa mesma realidade que promovem” (2015, p.13).

Peruzzo (2008, online) define a imprensa alternativa, “dos anos 1960 aos 1980”, como “jornais dirigidos e elaborados por jornalistas de esquerda, alguns ligados à pequena burguesia, que, cansados do autoritarismo, aspiravam um novo projeto social e preocupavam- se em informar a população sobre temas de interesse nacional numa abordagem crítica”. Ela ressalta que a comunicação alternativa se recria continuamente, assumindo diversas feições, especialmente devido ao avanço tecnológico e à interatividade, proporcionando espaço para outras modalidades de formatos e de meios de comunicação característicos dos novos tempos, como sites alternativos, blogs, rádios comunitárias, fanzines, canais comunitários na televisão a cabo, entre outros (2008, online).

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