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O papel dos meios de comunicação na difusão da memória

No documento Download/Open (páginas 38-42)

Os meios de comunicação desempenham um papel fundamental na preservação da memória ao registrar fatos marcantes ou mesmo ocorrências do cotidiano, mantendo vivas essas lembranças. As civilizações mais remotas já procuravam perpetuar o seu tempo com os recursos disponíveis em cada época, seja por meio de imagens gravadas nas paredes das cavernas e inscrições em pedras até o uso de papiros e pergaminhos para a difusão de textos e desenhos.

O surgimento da escrita possibilitou ao homem armazenar informações e rememorar eventos do passado, consolidando sua identidade comunitária. Como bem destaca Halbwachs (2003, p.80), a escrita propiciou a conservação de lembranças porque “as palavras e os pensamentos morrem, mas os escritos permanecem”.

O aparecimento da escrita, portanto, está ligado a uma profunda transformação da memória coletiva. No documento escrito, é possível guardar informações, comunicar através do tempo e do espaço e, principalmente, fornecer ao homem a capacidade de registro e memorização de fatos.

Com o advento da imprensa, o jornalismo ganhou relevância histórica ao desenvolver a narrativa escrita no registro dos grandes acontecimentos sociais e de aspectos da vida cotidiana. As novas tecnologias produzem constantes mudanças e atualização de conhe- cimentos e, consequentemente, aumentam nossa capacidade de armazenar dados. Nora destaca o papel dos meios de comunicação de massa na propagação dos acontecimentos históricos, dizendo que “imprensa, rádio, imagens não agem apenas como meios dos quais os

acontecimentos seriam relativamente independentes, mas como a própria condição de sua existência” (1993, p.181). Le Goff também ressalta o valor do jornalismo impresso como documento histórico. Nesse contexto, a memória jornalística marca "a entrada em cena da opinião pública (...) que constrói também a sua própria história" (LE GOFF, 1996, p. 461).

O jornalismo esteve presente na formação de muitos povos e civilizações e, em função do empenho em noticiar os fatos, a história da humanidade segue documentada, comprovando o valor que possui a cobertura de notícias e acontecimentos. “A sociedade se enriquece com a experiência do passado, o relato do presente e as especulações e projetos do homem para o futuro” (BELTRÃO; QUIRINO, 1986, p.22).

A informação jornalística possibilita o vínculo com o passado e contribui para a compreensão dos acontecimentos do presente em toda a sua abrangência. Não é possível existir uma sociedade bem informada culturalmente se não receber informações; há uma relação entre o jornalismo e a sociedade, pois é por meio de notícias atuais e apuradas que há a contribuição para a formação cultural da sociedade.

A sociedade se confunde em sua estrutura com a cultura, na medida em que representa um fenômeno gerado simbolicamente pela comunicação. A comunicação é o mecanismo de coordenação da interação social, ela torna possível o consenso entre as pessoas. Em função disso, conforme Francisco Rudiger (1998, p.37), não pode ser reduzida à pura e simples transmissão de experiências, porque consiste no processo pelo qual os sujeitos têm uma experiência comum da realidade, constroem seu mundo como coletividade.

Por meio das narrativas jornalísticas do presente, a sociedade vê sua memória representada nos padrões e tendências expostos na composição e recuperação de informações jornalísticas. O jornalismo passa a ser entendido como uma prática social, que estabelece relações com o mundo material e com o mundo simbólico dos indivíduos. Sua conduta, segundo Nelson Traquina (2005, p.34) é balisada por valores como a busca pela verdade, a precisão, e a noção do jornalismo como um serviço ao público – ideias que forjam o emergente “polo ideológico” do jornalismo.A mídia passou por profundas transformações ao longo do século XX, quando a questão da objetividade tornou-se referência para o novo modelo de jornalismo. Com a adoção das técnicas de jornalismo norte-americano, o repórter transformou-se em um profissional que tinha como missão ser a testemunha do acontecimento e de levar o fato aos demais, tentando fazê-lo com imparcialidade. A opinião, por sua vez, ficaria limitada a espaços determinados, como os editoriais, crônicas e artigos. Contudo, diante da falta de tempo e de espaço para registrar tudo o que acontecia na sociedade, o jornalista assumiu a tarefa de selecionar e hierarquizar as informações que seriam repassadas

ao público. Como afirma Roger Silverstone (2005, p.235), “na ausência de outras fontes, a mídia tem o poder de definir o passado, de apresentar e representá-lo”.

Com isso, os meios de comunicação passaram a ser um dos principais responsáveis pela representação do cotidiano, pois cabe a eles registrar os sequentes acontecimentos e interpretá-los, tornando-se ferramenta de difusão e armazenamento da memória social. A partir do testemunho de fontes qualificadas, os órgãos de comunicação fazem a mediação entre o fato e o público receptor da comunicação, resultando na expressão de valores e identidades.

Segundo Silverstone (2005, p. 20), a mídia “filtra e molda realidades cotidianas, por meio de suas representações singulares e múltiplas, fornecendo critérios, referências para a condução da vida diária, para a produção e a manutenção do senso comum”. É evidente que as narrativas e imagens divulgadas pelos meios de comunicação são reproduzidas, mas também contestadas e reformuladas. Por isso, “nossa mídia, tanto intencionalmente como à revelia, é instrumento para articulação da memória” (SILVERSTONE, 2005, p. 234).

O panorama dos meios de comunicação transformou-se radicalmente com o surgimento da internet e de suas múltiplas possibilidades de produção e divulgação da informação. Para Nilson Lage (1999, p.8),“as trocas de informações atingiram intensidade e amplitude antes difíceis de imaginar. E a notícia, antes restrita e controlada pelo estado e pela Igreja, tornou-se bem de consumo essencial”.Mas Nora chama a atenção para a aceleração da história, que se dá no contexto da mundialização, pela qual a percepção histórica, com a ajuda da mídia, “dilatou-se prodi-giosamente, substituindo uma memória voltada para a herança de sua própria intimidade pela película efêmera da atualidade” (NORA, 1993, p.8). A aceleração da história e a febre de atualidade imposta pela globalização apontam para a velocidade com que os fatos vêm ocorrendo, o que torna a novidade obsoleta rapidamente. Nesse processo em que o novo é que dá as cartas e conduz as vidas, o passado é descartável, não há lugar para a memória. Nora atribui esse fenômeno ao:

(...) fim das sociedades-memória, como todas aquelas que asseguravam a conservação e a transmissão dos valores, igreja ou escola, família ou Estado. Fim das ideologias-memórias, como todas aquelas que asseguravam a passagem regular do passado para o futuro, ou indicavam o que se deveria reter do passado para preparar o futuro, quer se trate da reação do progresso ou mesmo da revolução (NORA, 1993, p. 8).

Para Silverstone (2005), a mídia tem importância central na construção da memória contemporânea, embora ela nos ofereça versões do passado.

Essas memórias midiáticas estão aí para apanharmos e lutarmos por elas. Toda memória é parcial. E, na retórica da mídia, o que se está oferecendo é uma visão do

passado que inclui, mas também exclui. É por isso que as batalhas da memória são travadas com tanta veemência, porque outros reivindicam passados diferentes e recusam os limites de uma interpretação de eventos (SILVERSTONE, 2005, p.244).

Se as narrativas jornalísticas nos possibilitam preservar e reconstruir versões de passados comuns, o esquecimento sobre acontecimentos pretéritos representa perdas no presente. Curiosamente, o mesmo acontece em relação à memória dos próprios meios de comunicação, como critica José Marques de Melo:

O descaso em relação à memória da imprensa traduz em certo sentido a atitude pátria referente à própria memória nacional, principalmente no âmbito da cultura não erudita, condenando ao esquecimento as instituições, os fatos e os personagens que também fizeram história (MARQUES DE MELO, 2005, p. 8).

O professor Marques de Melo, um dos pesquisadores que mais se preocupou com a história midiática, organizou a edição da obra “Imprensa brasileira: personagens que fizeram história”, lançada em três volumes, como uma forma de recuperar a história da imprensa no Brasil. No prefácio do primeiro volume, ele justifica essa necessidade de resgatar a memória dos veículos e dos personagens que desenvolveram a imprensa em nosso País:

(...) as novas gerações de profissionais midiáticos - jornalistas, publicitários, radialistas ou teledifusores - formados pelas nossas universidades mostram escasso conhecimento sobre a trajetória midiática brasileira. Isso os transforma em reféns involuntários dos gêneros e formatos alienígenas, reproduzindo continuamente modelos oriundos das matrizes geradoras da cultura pós-moderna, quase sempre à margem da nossa realidade. Trata-se de fenômeno determinado pela ignorância em relação aos padrões midiáticos já testados em território nacional, ausentes das lições que tiveram dos seus mestres, tanto na academia quanto na indústria. Foi precisamente com a intenção de neutralizar essa lacuna cognitiva que tomamos a iniciativa de encetar um novo movimento cultural, buscando ao mesmo tempo preservar a memória da imprensa e construir a história midiática nacional. Nossa meta é desenvolver ações voluntárias e independentes, embora metodologicamente articuladas, no sentido de completar o inventário desencadeado há um século e ao mesmo tempo tecer a malha que dá sentido ao complexo midiático brasileiro (MARQUES DE MELO, 2005, p.8).

Portanto, assim como cabe ao profissional de Comunicação ter a consciência de seu papel social no registro dos acontecimentos do presente e da importância do seu relato comodocumento histórico para as futuras gerações, é necessário termos a noção da essencialidade da memória da imprensa para compreendermos melhor a sociedade em que vivemos.

3 CAPÍTULO II – DIFERENTES VISÕES SOBRE A

IMPRENSA ALTERNATIVA

Este capítulo analisa a imprensa alternativa que se notabilizou na resistência à ditadura e pelo modelo editorial diferenciado em relação às grandes empresas de comunicação, recorrendo a uma pesquisa bibliográfica que envolve não só estudiosos de Comunicação, mas também jornalistas que trabalharam em órgãos alternativos e historiadores. A revisão procurou trazer considerações que abarcam desde as particularidades da imprensa tradicional - para melhor diferenciá-la em relação à imprensa alternativa - até as polêmicas entre os autores sobre alguns dos aspectos dos alternativos, como sua linguagem, linha editorial, nomenclatura e o surgimento dos veículos pioneiros.

As consequências da censura e a possível vinculação do encerramento dos jornais alternativos com o fim dos instrumentos de exceção também são abordadas nesse capítulo. Em seu último item, discute-se o florescimento de novas mídias alternativas e suas semelhanças e diferenças com a imprensa alternativa que emergiu após o golpe de 1964.

No documento Download/Open (páginas 38-42)