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CAPÍTULO II – AMBIENTE E SAÚDE: INTER-RELAÇÕES PARA A

2.4 Degradação Ambiental e Doenças

As modificações ambientais provocadas pela ação antrópica, com alteração significativa dos ambientais naturais, poluição do meio físico, consumo de recursos naturais sem critérios adequados, aumentam o risco de exposição a doenças e atuam negativamente na qualidade de vida da população (PHILIPPI JR. e MALHEIROS, 2005). As modificações ambientais decorrentes do processo de ocupação dos espaços e de urbanização, que ocorrem em escala global, especialmente as que vêm acontecendo desde os séculos XIX e XX, impõem taxas incompatíveis com a capacidade suporte dos ecossistemas naturais.

As mudanças ambientais globais, segundo Confalonieri et al. (2002, p. 140), constituem importante questão socioambiental graças à complexidade dos processos nelas envolvidos, bem como à magnitude dos impactos delas decorrentes. Os autores citam que têm sido definidas como aquelas que: “(...) alteram os envoltórios do Sistema Terrestre e, dessa forma, são experimentadas globalmente (...) e aquelas que ocorrem em áreas mais restritas mas, por serem

muito difundidas, adquirem caráter global”. Os mesmos autores citam ainda outros conceitos importantes, que são: “(...) aquelas que ocorrem a nível global e afetam o sistema global como um todo e as que ocorrem a nível local ou regional, mas têm consequências para o sistema global”; ou ainda “(...) aquelas que podem alterar a capacidade da Terra de sustentar a vida”.

Confalonieri et al. (2002, p. 140), apresentam um modelo conceitual para o entendimento da ação das forças propulsoras das mudanças ambientais e globais e suas implicações para a saúde, por meio de um fluxograma determinante (Figura 7). Os autores consideram que as “pressões”, no modelo, também denominadas de “fontes imediatas” (proximate sources) ou “fontes materiais”, são as atividades humanas que afetam diretamente o meio ambiente, tais como o desmatamento, a queima de combustíveis fósseis e as práticas agropecuárias; por “estado ambiental”, designam-se as situações concretas de degradação ambiental, tais como a perda de biodiversidade, as diversas formas de poluição, a perda de solos cultiváveis, a degradação dos estoques de água. Complementam citando que as etapas subseqüentes representadas do modelo dizem respeito à abordagem tradicional da epidemiologia ambiental no estudo das influências dos fatores do meio sobre a saúde humana.

Figura 7 Forças propulsoras das Mudanças Ambientais Globais e suas implicações para Saúde. Adaptado de Confalonieri et al. (2002, p. 140).

Neste contexto, a ampliação do acesso à Amazônia com a introdução de políticas públicas de ocupação do território por supor como espaço vazio, fez surgir uma migração crescente e, consequentemente, alteração irreversível do ponto de vista da qualidade do ambiente e a introdução de várias doenças e agravamento das endêmicas.

Confalonieri et al. (2002, p. 151) analisam alguns exemplos de projetos de desenvolvimento que envolvem grandes empreendimentos, quer por sua interferência no ambiente, quer pelos aspectos sociodemográficos associados, têm mostrado importantes modificações epidemiológicas como consequência. A seguir são apresentadas algumas considerações dos autores a cerca destes empreendimentos e suas consequências:

(1) a alteração no perfil epidemiológico da hanseníase na região dos chamados “rios borracheiros” no Amazonas, devido à migração de nordestinos no final dos anos 1970 do século XIX, onde fugiam da grande seca ocorrida no semiárido e chegaram a região para o trabalho como mão-de-obra para os empreendimentos seringalistas;

(2) a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no início do século XX, no atual Estado de Rondônia, atraiu grandes contingentes de mão de obra estrangeira, resultando no aumento da malária, inclusive com a introdução de cepas importadas; (3) no início dos anos 1960, com a abertura da rodovia Belém-Brasília, foram observados, pela primeira vez, casos importados de leishmaniose visceral (calazar), esquistossomose e doença de Chagas em Belém;

(4) nos anos 1970, o governo militar, em sua geopolítica amazônica, iniciou ambicioso programa de abertura de rodovias, como a Transamazônica, a Perimetral Norte e a BR-174 (Manaus-Caracaraí). Surgiram assim, importantes surtos epidêmicos como resultado da introdução de agentes infecciosos desconhecidos das populações indígenas, com efeitos devastadores sobre elas (exemplo: dizimação de comunidades Ianomâmi na Perimetral Norte) ou em função da vulnerabilidade de migrantes do sul do país (febre hemorrágica de Altamira, na Transamazônica);

(5) outros exemplos de grandes empreendimentos, resultando em modificações importantes dos quadros sanitários, estão às hidroelétricas e, mais recentemente, os polos de exploração petrolífera. Nas barragens de Itaipu (Paraná) e Tucuruí (Pará) foram observadas epidemias de malária em função do aumento dos criadouros de vetores proporcionado pelo espelho d’água das áreas inundadas;

(6) a implantação do Distrito Industrial na cidade de Manaus, na década de 1970, estimulou um incremento acelerado da população urbana, migrada do interior do Amazonas (e também de outros estados do Nordeste, inclusão do autor), que resultou em grandes epidemias de malária e leishmaniose tegumentar na periferia da cidade;

(7) o extrativismo intensificado e em larga escala tem resultado em surtos epidêmicos, principalmente nos garimpos e na extração madeireira. No primeiro caso, temos como exemplo a introdução da leishmaniose visceral (calazar) em Santarém - Pará, nos anos 1960 e no final da década de 1980, no Estado de Roraima; no caso da exploração madeireira, registraram-se epidemias de malária na região do Vale do Javari, Estado do Amazonas, associado à invasão de madeireiras em áreas indígenas semi-isoladas;

(8) projetos industriais e agrosilvicultores considerados como exemplares sob o ponto de vista sanitário, como fora a Icomi Mineração, no Amapá, nos anos 1960 e, recentemente, o Pólo de Urucum da Petrobrás, no Amazonas, verificou-se que a população autóctone do entorno, ao contrário dos empregados das empresas envolvidas, verdadeiras “bolhas sanitárias”, não se beneficiaram do controle epidemiológico.

Todos estes empreendimentos foram grandes vetores da migração para cidades da Amazônia. As cidades continuam crescendo à revelia dos interesses da sociedade na construção de um ambiente saudável para se viver. Interesses econômicos particulares, ausência de planejamento e desconhecimento das potencialidades e limitações que operam a relação entre cidade e meio ambiente, favorecem a degradação ambiental como também a introdução de soluções simplistas que, atuando no varejo, efetivamente pouco colaboram na recuperação ou

preservação de espaços satisfatórios para um equilíbrio duradouro entre urbanização e meio ambiente (SCHUTZER, 2004, p. 8).

Schutzer (op cit) cita que os problemas ambientais das grandes aglomerações urbanas como as enchentes, a poluição do ar, da água, do solo, a escassez de recursos (água) e de espaços para a deposição de resíduos, entre outros, é a questão do lócus, a questão do lugar: todos os fatos citados possuem sua dimensão geográfica, a sua espacialidade.

Neste sentido, a cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, é para Giatti et al. (2011, p. 3) uma cidade que apresentou a partir da instalação da Zona Franca de Manaus, um intenso crescimento econômico e demográfico, com ocorrência de profundas e rápidas mudanças ambientais que incidem sobre o processo saúde e doença das populações humanas.

2.5 Referências

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