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CAPÍTULO II – AMBIENTE E SAÚDE: INTER-RELAÇÕES PARA A

2.1 Introdução

A visão do ambiente como contexto importante para o campo da saúde é antiga, mas sua caracterização em termos técnico-científicos tem sido suficientemente vaga e imprecisa na análise das formas e concepções dessa relação com a saúde propriamente dita (TAMBELLINI e CÂMARA, 1998, p. 48). Os autores citam que, invariavelmente, o ambiente tem sido visto como meio externo muitas vezes, considerado como, simplesmente, o cenário onde se desenrolam os acontecimentos ou os processos espaciais de uma determinada doença ou grupo destas.

Segundo Santos (2009, p. 160), a saúde e a doença das pessoas, desde os primórdios da humanidade, são condicionadas por várias causas. O autor cita que as causas variam no tempo e no espaço, e a capacidade explicativa possui uma complexidade intrínseca e é historicamente construída. Segundo este autor desde a Antiguidade, a saúde foi explicada de maneira diferente por uma configuração de aspectos míticos, espaciais, biológicos, sociais e econômicos. Cita ainda que tais aspectos, a partir do processo de organização do sistema capitalista, acabam realçando o papel e a importância do espaço como agente que atua e interfere na condição de vida das pessoas, assim como em sua capacidade de recuperar e manter sua saúde.

A relação ambiente-saúde, nos termos atuais e principalmente pelo campo de estudo aberto pela epidemiologia, enquanto disciplina moderna do conhecimento científico permitiu essa incorporação no campo da Saúde Coletiva (TAMBELINI e CÂMARA, 1998, p. 48). Inicialmente, a noção de ambiente é aquela associada a uma visão ecológica tradicional, ou seja, a de um ambiente natural onde flui a energia produzida pelas relações dadas entre processos bióticos e abióticos que vão

constituir uma cadeia alimentar e delimitar ecótopos estabelecidos para as diferentes espécies que compõem o ecossistema.

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, a relação entre o ambiente e a saúde4 de uma população, incorpora todos os elementos e fatores que

potencialmente afetam a saúde, incluindo, entre outros, desde a exposição a fatores específicos como substâncias químicas, elementos biológicos ou situações que interferem no estado psíquico do indivíduo, até aqueles relacionados com aspectos negativos do desenvolvimento social e econômico dos países (TAMBELLINE e CÂMARA, 1998, p. 48).

Os aspectos sociais e ambientais são na maioria das vezes os grandes responsáveis pelos problemas de saúde que afligem a população (SANTOS, 2010, p. 42). Segundo o mesmo autor, essa preocupação não é recente, sendo que desde a antiguidade é feita essa conexão entre ambiente e enfermidade e é, nesse contexto, que a Geografia exerce um papel fundamental, pois o estudo da superfície terrestre, da paisagem e da relação entre o homem e o meio se faz essencial para compreender, explicar os contextos socioambientais da saúde.

Lemos e Lima (2002, p. 84) citam que na atualidade, está estabelecido que para melhor entender-se o processo saúde-doença em qualquer comunidade, faz-se necessário entender o ser humano no seu meio físico, biológico, social e econômico; estes meios são considerados como fatores determinantes e condicionantes deste processo, estabelecendo a ocorrência e a prevalência das doenças infectoparasitárias nas paisagens terrestres, bem como seus comportamentos que são influenciados por estes fatores. Dessa forma, fica o entendimento que a presença do agente infeccioso é, na verdade, um dos fatores de ocorrência das endemias, recebendo influência dos fatores sociais e ambientais da saúde.

Segundo Santos (2010, p. 43), é essencial o estudo dos fatores geográficos no aparecimento das doenças em uma comunidade, pois para que se possa conhecer o estado de saúde de uma determinada região é preciso valer-se dos

estudos do espaço geográfico. É importante o estudo da evolução dessas doenças no decorrer dos anos para que se possam procurar meios de combatê-la.

Vários autores (LIMA e GUIMARÃES, 2007, p. 60; SOUZA e SANT´ANNA NETO, 2008, p. 119; SANTOS, 2010, p. 44) citam que este princípio já estava estabelecido em Hipócrates, o pai da Medicina e da Geografia médica, quando o mesmo deixou as explicações sobrenaturais para a origem das doenças, voltando sua atenção para o espaço geográfico, atribuindo, assim, uma causa natural; a saúde resultaria de equilíbrios de elementos da natureza, que, na época, era interpretada como a combinação de quatro elementos – a terra, a água, o fogo e o ar – delineando suas propriedades: seco, úmido, quente e frio.

Segundo o filósofo Hipócrates, a doenças dever-se-iam ao desequilíbrio destes elementos. Para ele, o médico deveria investigar a origem das enfermidades no ambiente; conhecer o lugar onde ocorrem as doenças seria o primeiro passo para entendê-las.

Para Giatti (2009, p. 9), ao considerar que podem ser várias as interferências direta e indiretamente relacionadas à saúde humana, destaca que ao longo da história houve diversas interpretações da relação entre saúde e o meio ambiente, diferenciando entre culturas de povos e, também, do entendimento dos fenômenos que interferem na saúde. O mesmo autor (p. 10) cita que culturas primitivas associavam a saúde com as divindades e a ocorrência de doenças a presença ou ação de maus espíritos, sendo estes aspectos um dos componentes de culturas que resistem ao processo de expansão do capitalismo até os dias de hoje (p.ex. tribos indígenas isoladas, nota pessoal).

Souza e Sant´Anna Neto (2008, p. 119), descrevem que as complexas e dinâmicas inter-relações entre o homem e o meio, o estilo de vida, o meio ambiente (físico e social), a biologia humana e os serviços de atenção à saúde tornaram-se, paulatinamente, fundamentais para que o indivíduo possa ter qualidade de vida. Os mesmos autores citam que o ambiente, origem de todas as causas de doença, deixa de ser natural para revestir-se do social e que é nas condições de vida e trabalho do homem que as causas das doenças deverão ser buscadas.

A partir desta complexidade de relações, é possível compreender a análise multifacetada necessária para busca da compreensão de diversos fatores atuantes na vida do ser humano, pois a saúde não é apenas a ausência de doenças, e sim, a expressão do bem-estar físico, mental e social (SOUZA e SANT´ANNA NETO, 2008, 119), conforme definido pela Organização Mundial de Saúde (nota pessoal).

Nas últimas décadas do século XIX, os trabalhos de Louis Pasteur sobre a origem das doenças infecciosas, consideravam exclusivamente à penetração e multiplicação de um micro-organismo (especificamente os estudos foram realizados com bactérias, nota pessoal) no desenvolvimento das doenças; neste sentido, o argumento de Hipócrates da influência do meio físico sobre o homem e as doenças foi de certa forma esquecido. Dessa forma, perdeu-se de vista o conjunto das causas que atuam sobre o homem sadio ou enfermo, bem como o ambiente deixou de apresentar importância que vinha assumindo (PESSÔA, 1960, p. 24 apud LEMOS e LIMA, 2002, p. 75; SANTOS, 2010, p. 45). Estes autores citam que, deixou-se a velha tradição da escola hipocrática, quanto à influência do meio físico sobre o homem e sobre as doenças que o acometiam.

Nesta época de Pasteur, o microscópio permitia o aumento da visão focal, enxergando-se melhor o que estava perto, com as lentes de aumento; mas reduziu- se a visão panorâmica, não por deficiência ocular, mas por deliberada determinação de não olhar ao longe; o método era uniescalar, a escala microscópica, sob o paradigma da unicausalidade, na busca de uma única causa para a doença (LIMA e GUIMARÃES, 2007, p. 61).

Neste período da era bacteriológica ou pastoriana, a teoria da unicausalidade teve sua grande época, em função dos adeptos dessa teoria imaginavam que, uma vez identificados os agentes vivos específicos de doenças, os chamados agentes etiológicos e os seus meios de transmissão, os problemas de prevenção e cura das doenças correspondentes estariam resolvidos, esquecendo-se dos demais determinantes causais relacionados ao hospedeiro e ao ambiente (LEMOS e LIMA, 2002, p. 75).

Do ponto de vista ecológico e epidemiológico, nenhum fator dos muitos fatores causais das doenças, pode ser determinantemente exclusivo (LIMA e

GUIMARÃES (2007, p. 62 citando BARBOSA, 1971). Nessa análise, os autores afirmam que a partir dessa premissa, significa que a unicausalidade, que foi alçada como paradigma importante nas ciências da saúde no final do século XIX, com a visão do agente etiológico como determinante exclusivo das doenças, já não deveria mais ser aceita; estes são apenas um entre os muitos fatores causais da doença.

A exemplo das doenças tropicais, Dias (1998, p. 20 citado por LIMA e GUIMARÃES, 2007, p. 62) afirmava que as teorias simplistas e de causalidade meramente biológicas não poderiam ajudar no combate às doenças Infectoparasitárias que assolaram mais de quinhentos milhões de pessoas no meio tropical, particularmente nos países mais pobres, onde têm persistido as doenças endêmicas e as epidemias, tendo em vista a precariedade dos sistemas de saúde desses países. Lima e Guimarães (op cit, p. 62) comentam que é preciso incorporar nesta análise os fatores sociais e políticos como elementos fundamentais, tanto em sua compreensão, como em seu controle dessas doenças.

Segundo Lima e Guimarães (2007, p. 62), há um retorno a ideia de que uma enfermidade é resultado de numerosas condições, e que nos momentos de crise na história da ciência e fortemente influenciada pelas grandes mudanças políticas ocorridas pela Revolução Russa e as Guerras Mundiais, que aparecem nas Teorias de Pavlovsky e Sorre.

Valentim (2010, p. 27) conceitua saúde como sendo um estado próprio ao ser vivo que no homem se manifesta e é entendido em diferentes planos, implicando na ideia de adaptação e equilíbrio, na capacidade de adequação física e mental do organismo ao ambiente. O mesmo autor cita dois pontos de vista sobre a doença no organismo: primeiro, considera que a doença pode ser compreendida como um desequilíbrio “ecológico” (grifo pessoal) nas funções vitais do organismo, ou desvio negativo do estado ou comportamento do indivíduo em relação a um padrão preestabelecido; segundo, considera do ponto de vista médico, doente pode ser quem procura assistência com alguma suspeita de alteração do seu quadro clínico ou aquele assim rotulado com base em procedimentos e diagnósticos médicos, quando suas funções físicas ou mentais se desviam de alguma norma postulada.

Do que é pensando e dito da saúde, sobressai-se o conceito de equilíbrio: a saúde como um estado de equilíbrio natural, cuja perturbação é doença (VALENTIM, 2010, p. 28). Cita que toda intervenção médica é uma tentativa de restabelecer um equilíbrio alterado e o restabelecimento do equilíbrio perturbado não se resume a observar e intervir no organismo em si, pois o equilíbrio deve ser do todo, que transcende os limites corporais.

É neste contexto que a nossa saúde relaciona-se com as alterações ambientais em um lugar e interfere no processo saúde-doença de um indivíduo. Outras abordagens dessa relação saúde-doença consideram também que o corpo humano nasce saudável e que o estado socioambiental o acomete de alterações que tem fundamento social e biológico. Valentim (2010, p. 28) citando Platão, destaca que aquele que busca a cura deve ver a totalidade da natureza; modificando a natureza e construindo uma nova concepção de mundo, predominantemente racionalizado, o homem interfere diretamente – com a intensidade que o saber e a técnica lhe permitem e lhe convém – nos fatores formadores de equilíbrio que definem saúde.