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CAPÍTULO II – AMBIENTE E SAÚDE: INTER-RELAÇÕES PARA A

2.2 A Epidemiologia e a Saúde Ambiental

Vários fatores estão associados ao desenvolvimento de uma doença, sendo “consideradas as condições para que a doença tenha início em um indivíduo suscetível, com a necessidade de ter-se em conta que nenhuma delas será, por si só, suficiente”, e que “a associação dos fatores é sinérgica, a partir de uma multiplicidade de fatores como políticos, econômicos, sociais, culturais, psicológicos, genéticos, biológicos, físicos e químicos” (ROUQUAYROL e GOLDBAUM, 1999, p. 23, apud GIATTI, 2009, p. 14).

Estes fatores acima citados são considerados os fatores determinantes do processo de adoecimento. Rouquayrol e Goldbaum (2003, p.17), conceituam que a “epidemiologia é a ciência que estuda o processo de saúde-doença em coletividades humanas, analisando a distribuição e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde e eventos associados à saúde pública e coletiva, propondo medidas

específicas de prevenção, controle, ou erradicação de doenças, e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento, administração e avaliação das ações de saúde”.

As inter-relações existentes entre o meio ambiente e a saúde da população também é o campo de estudo da Saúde Ambiental.

Ribeiro (2004, p. 71) cita que “as preocupações com a problemática ambiental estão inseridas na Saúde Pública desde seus primórdios, apesar de só na segunda metade do século XX ter se estruturado uma área específica para tratar dessas questões”.

Segundo a OMS (1993), conceitua-se a Saúde Ambiental como “o campo de atuação da saúde pública que se ocupa das formas de vida, das substâncias e das condições em torno do ser humano, que podem exercer alguma influência sobre a sua saúde e o seu bem-estar” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999 apud RIBEIRO, op

cit).

Ribeiro descreve outra definição Saúde Ambiental, apresentada na Carta de Sofia (Conferência realizada na cidade de Sofia, Bulgária em 1993), mais ampla e que insere os aspectos de atuação prática, em que “são todos aqueles aspectos da saúde humana, incluindo a qualidade de vida, que estão determinados por fatores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos no meio ambiente, além de se referir à prática de valorar, corrigir, controlar e evitar aqueles fatores do meio ambiente que potencialmente possam prejudicar a saúde de gerações atuais e futuras” (OMS, 1993 apud RIBEIRO, 2004, p. 71).

Ao serem apresentados os campos de atuação da Epidemiologia e da Saúde Ambiental, observamos que ambas caminham juntas no estudo das influências do ambiente na saúde da população.

Alguns aspectos são considerados por Rouquayrol e Goldbaum (2003, p.17), no estudo da epidemiologia e suas aplicações neste sentido:

(1) a epidemiologia está voltada para as ocorrências, em escala maciça, de doenças e de não-doença (podemos incluir aqui os fatores de risco e de

proteção, nota pessoal) envolvendo pessoas agregadas em sociedades, coletividades, classes sociais ou quaisquer outros coletivos formados por seres humanos;

(2) o universo de estudo incluem as doenças infecciosas (que possuem um agente etiológico tipo bactéria, protozoário, fungo, helminto ou um vírus, nota

pessoal), doenças crônicas não-infecciosas (disfunção sistêmica do

organismo, nota pessoal) e agravos à integridade física (acidentes de trânsito e do trabalho, homicídios, suicídios);

(3) considera o conjunto de processos sociais interativos que, em conjunto, definem a dinâmica dos agregados sociais, denominado de processo saúde- doença;

O processo saúde-doença pode ser entendido como as alterações/disfunções do funcionamento biológico e “consequência para o desenvolvimento regular das atividades cotidianas”, isto é, o surgimento da doença; refere-se a uma ampla gama de fatores que vai desde “o estado de completo bem-estar físico, mental e social” até o de doença, passando pela coexistência de ambos em proporções diversas (ROUQUAYROL e GOLDBAUM, 2003, p. 18).

(4) o estudo da distribuição de doenças retrata a variabilidade da frequência das doenças de ocorrência, em função de variáveis ambientais e populacionais, ligadas ao tempo e ao espaço;

(5) a análise dos fatores determinantes para estas doenças envolve o estudo de possíveis associações entre um ou mais fatores suspeitos e um estado característico de ausência de saúde, definido como doença;

(6) a prevenção visa empregar medidas de profilaxia a fim de impedir que os indivíduos sadios venham a adquirir a doença; o controle visa baixar a incidência a níveis mínimos.

Assim, um ponto comum observado nos estudos epidemiológicos, como campo da Geografia da Saúde (Ver Capítulo III), e a Saúde Ambiental, é a busca dos fatores causais responsáveis pela distribuição das doenças no tempo e espaço de análise, com um entrelaçamento de fatores tanto “sociais” (socioeconômicos, sociopolíticos, socioculturais e psicossociais) quanto os “ambientais”

(ROUQUAYROL e GOLDBAUM, 2003, p.22; NARDOCCI et al., 2008, 74; GIATTI, 2009, p. 15).

Quanto aos fatores ambientais, Giatti (2009, op cit, baseado em Rouquayrol (1999), classifica os fatores ambientais em “naturais e artificiais”:

(1) Fatores ambientais naturais: localização, relevo, hidrografia, solo, clima, vegetação e fauna;

(2) Fatores ambientais artificiais: modificação ou destruição de paisagens natural ou de ecossistemas, contaminação de alimentos por agentes microbiológicos, químicos ou radioativos, introdução de aditivos químicos em alimentos industrializados, restrição na quantidade e na diversificação de alimentos disponíveis, tipo de habitação, organização do espaço urbano e condições adversas em locais de trabalho;

O mesmo autor complementa esta classificação citando a influência “direta e indireta” dos fatores ambientais e os mecanismos de transmissão de doenças, com múltiplas associações destes fatores causais (GIATTI, 2009, p. 15), conforme descrito a seguir:

(3) Fatores ambientais com associação direta: influência direta da transmissão de um micro-organismo causador da doença (agente etiológico) e o fator ambiental associado. Um exemplo é quando há o consumo de água ou alimento contaminado por dejetos humanos sem o devido tratamento e que contém o agente etiológico de uma doença (p.ex. o caso do vírus da Hepatite A, tratado neste estudo);

(4) Fatores ambientais com associação indireta: associação indireta da transmissão do agente etiológico de uma doença e vários fatores ambientais envolvidos. Giatii (2009, p. 16) exemplifica o caso de proliferação do mosquito Aedes

aegypti e transmissão do vírus da dengue. Este é um exemplo clássico de

associação indireta, onde participam os fatores de disposição inadequada de resíduos domésticos, que permitem o acúmulo de água necessária para a proliferação do mosquito (conforme cita o autor), mas também a ausência de coleta de lixo e fatores associados à educação sanitária da população.

Vale ressaltar que, além de considerar as relações existentes entre os fatores sociais e ambientais, sejam eles físicos, químicos e/ou biológicos, também merecem destaque os fatores característicos do agente etiológico (segundo UENO e NATAL, 2008, p. 17, podem ser infectividade5, patogenicidade6, virulência7 e imunogenicidade8) e do hospedeiro ou suscetível (fatores imunológicos e genéticos).

Outras questões também são consideradas como campo da Saúde Ambiental, principalmente no ambiente urbano como o local de moradia das pessoas. Gouveia (1999, p. 50), além das questões de saneamento básico, cita as condições sanitárias das moradias (condições térmicas precárias, umidade, presença de mofo, má-ventilação, grande adensamento de indivíduos por cômodo, infestações por insetos e roedores), a violência e pobreza da população, onde as cidades deixaram de assegurar uma boa qualidade de vida e tornaram-se ambientes insalubres. Ribeiro (2004, p. 76) cita os aspectos da poluição industrial, radioatividade e lixo radioativo, segurança química, emergências ambientais e gerenciamento de demanda de água. Giatii (2009, p. 20.) cita o desflorestamento no perímetro urbano, contaminação das águas e do solo, poluição atmosférica, sonora e fenômenos perturbadores, entre outros.

O envolvimento de todos estes fatores no estudo da distribuição das doenças pode ser chamado de História Natural das Doenças (HND). O termo foi criado por Leavell e Clarck, em 1976, que inclui “o conjunto de processos interativos do agente, do suscetível e do meio ambiente que afetam o processo global e seu desenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o estímulo patológico no meio ambiente ou em qualquer outro lugar, passando pelas respostas do homem ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte”.

Ueno e Natal (2008, p. 17), definiram a HND como a compreensão da sequência de eventos que propiciam o contato e a interação agente-hospedeiro,

5 É a capacidade do agente etiológico se alojar e multiplicar no organismo do hospedeiro, incluindo a transmissão para um novo hospedeiro;

6É a capacidade de produzir sinais e sintomas em hospedeiro suscetível;

7 É a capacidade de produzir casos graves, manifestos por alta letalidade ou proporção de indivíduos com sequela;

toda a patogênese, incluindo a manifestação clínica de sinais e sintomas, até um desfecho (cura, morte ou sequela). Nardocci et al. (2008, p. 70) salientam que é central para a Saúde Pública entender o espectro de eventos e fatores que podem contribuir para a ruptura do equilíbrio saúde/doença, para poder determinar os pontos potenciais de intervenção para reverter o processo de adoecimento.

A tríade de interações entre o hospedeiro-agente-meio ambiente, denominada como um paradigma por Tulchinsky e Varavikova (2000 apud NARDOCCI et al., 2008, p. 70) foi ampliado. Ribeiro (2004, p. 76) comenta que houve um alargamento da definição de cada um dos componentes, em relação tanto às doenças infecciosas quanto às doenças crônico-degenerativas. As intervenções para mudar os fatores relativos aos hospedeiros, aos agentes ou aos ambientes constituem a essência da nova saúde pública (RIBEIRO, 2004, p. 76).

São apresentados a seguir os componentes do paradigma hospedeiro- agente-meio ambiente (Figura 6):

(1) Fatores do hospedeiro: idade, sexo, genética, psicologia, estilo de vida, educação, situação social, ocupação;

(2) Agente: biológicos, genéticos, químicos, físicos, mecânicos’

(3) Fatores do meio ambiente: biológicos, genéticos, físicos, nutricionais, sociais, econômicos, trauma.

Fatores do Hospedeiro

Agentes Fatores Ambientais

Vetor

Como forma de prevenção, Nardocci et al. (2008, p. 70) citam que para controlar uma doença infecciosa, pode-se remover o agente biológico (pasteurização, cloração, entre outros), pode-se imunizar o hospedeiro com uma vacina, e/ou mudar o ambiente para prevenir a transmissão pela destruição do vetor ou do reservatório da doença; relatam que no caso de doenças não-infecciosas, a intervenção é mais complexa, pois envolve fatores de risco intrínsecos à pessoa e fatores externos.