• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV. Autoconceito de profissionais em formação

4.1.1. Delimitação do constructo “autoconceito”

Por forma a delimitar a conceptualização de autoconceito, interessa destacar as contribuições que têm surgido no sentido de distinguir este constructo de outros com ele frequentemente confundidos, como é o caso da autoestima e autoeficácia.

Autoconceito e Autoestima

Para Teixeira e Giacomini (2002), é preciso esclarecer algumas divergências conceituais entre autoconceito e autoestima. O autoconceito está relacionado à ideia de uma autodescrição mais ampla, que inclui aspetos comportamentais (o que o sujeito faz ou é capaz de fazer), cognitivos (como ele se descreve), e afetivos (como se sente a seu respeito). A autoestima refere-se à avaliação que o indivíduo faz de si mesmo, em termos de gostar ou sentir-se satisfeito consigo (Manning, 2007; Teixeira & Giacomini, 2002). Analogamente, Dias e Fontaine (2001) consideram a autoestima como “o valor que o individuo atribui a si próprio e o afeto que está associado a esse valor” (p. 269), isto é, “sentimento de estar satisfeito consigo próprio e de se ter globalmente valor como pessoa” (p. 270). Tamayo e os seus colaboradores (2001) consideram que a autoestima consiste na “avaliação global que a pessoa faz do seu próprio valor” (2001, p. 158). Hattie e Marsh (1996) consideram que as diferenças entre autoestima e autoconceito se encontram, sobretudo, a nível de enfase, sendo que a autoestima apenas é afetada por certos aspetos do autoconceito, muito valorizados pelo sujeito. Vários autores (Peixoto & Almeida, 1997; Smith &

Mackie, 2007; Vaz Serra, 1986) consideram que a autoestima é o componente emocional do autoconceito, sendo largamente comprovada a existência de um forte relacionamento entre os dois componentes. Também Miras (2004) considera que a autoestima se refere “à representação da avaliação afetiva que a pessoa tem de suas características em um determinado momento” (p. 211). A autora considera o autoconceito a visão mais cognitiva e racional, e a autoestima a visão mais afetiva do autoconceito nos seus diferentes componentes, compreendendo a forma como a pessoa se valoriza e se sente em relação às características que se autoatribui. Maslow (1954) classificou a autoestima como uma necessidade humana, incluindo-a no conjunto de necessidades relacionadas à estima. De acordo com a teoria de Maslow (1954), este conjunto inclui as necessidades de aprovação, de reconhecimento e de prestígio, as quais, uma vez satisfeitas, levam o sujeito a crer no seu valor e nos afetos dos outros, promovendo a sua autoestima.

Rosenberg (1979) destaca que os princípios que governam a formação e desenvolvimento da autoestima são: as apreciações refletidas pelos outros; as comparações sociais; a autoatribuição; e a valorização das componentes do seu autoconceito. Folkman, Lazarus, Dunkel-Schetter, DeLongis e Gruen (1986) referem três condições para a manutenção da autoestima, especialmente em adultos: o estatuto e a posição que o sujeito ocupa no mundo e os seus sucessos anteriores; os valores e aspirações que o sujeito almeja; a resposta a experiências desvalorizadoras. De forma semelhante, Thelan e os seus colaboradores (1993) concordam que a autoestima nos adultos é afetada pelas relações íntimas, pelo progresso nas relações sociais, e pela evolução na carreira. Coopersmith (1967) define a autoestima como “the evaluation which the individual makes and

customarily maintains with regard to himself: it expresses an attitude of approval and indicates the extent to which an individual believes himself to be capable, significant, successful and worthy” (pp. 4-5). É o carácter avaliativo da autoestima que permite a definição de um autoconceito real e de um autoconceito ideal (Mruk, 1998). O autoconceito real corresponde à forma como o sujeito se avalia e se percebe tal como é na realidade, enquanto o autoconceito ideal diz respeito à forma como o sujeito sente que deveria ser ou gostaria de ser (Feldman, 2002). Quanto maior for a discrepância entre estes dois constructos, ou seja, entre aquilo que o indivíduo é e aquilo que ele gostaria de ser, menor será a sua autoestima (Feldman, 2002). Heatherton e Wyland (2003) consideram que a “self-esteem is an attitude about the self and is related to personal beliefs about skills, abilities, social relationships, and future outcomes” (p. 220). Desta forma, a representação afetiva do sujeito relativamente a si, em determinado momento, influencia o seu futuro, nomeadamente a orientação para o cumprimento de objetivos e projeções estabelecidos (Markus & Nirius, 1986 citado em Miras, 2004). De acordo com os autores, o sistema do “eu” evolui ao longo da vida e integra a história de vida, a história de sucessos e fracassos, a relação com as pessoas, e o nível de aceitação e suporte emocional que dispõe, ou seja, este sistema organiza as interpretações pessoais sobre a própria experiência, influenciando o comportamento, nomeadamente o estabelecimento de metas pessoais.

No que concerne ao contexto militar Rawat (2011), partilhando a ideia de Bem (1972), considera que “a highly demanding military environment in itself may often damage a soldiers’ self-esteem or lead to emotional conflicts, which may lead to unwanted stress. Soldiers with healthy self-esteem are more likely to

cope better in these circumstances” (p. 124). Greene-Shortridge, Britt e Castro (2007) consideram que a baixa autoestima nos soldados é produto de um estigma mental. Exposta a diferenciação entre autoconceito e autoestima, importa, agora, diferenciar autoconceito de autoeficácia.

Autoconceito e Autoeficácia

Autoconceito e autoeficácia compartilham algumas características, sobretudo o facto de serem ambos constructos relacionados com o self e se definirem a partir das percepções sobre a competência pessoal (Bong & Skaalvik, 2003; Skaalvik & Bong, 2003), mas são diferentes e fazem um uso distinto dessas percepções de competência (Neves & Faria, 2009). Vários investigadores têm tentado esclarecer as diferenças entre estes dois constructos, defendendo a sua integração (Bong, 2006; Bong & Clark, 1999; Bong & Skaalvik, 2003; Marsh, 1990; Pajares & Schunk, 2005; Peterson & Whiteman, 2007; Skaalvik & Bong, 2003). Nesta lógica, o autoconceito representa a perceção de competência do individuo em certos domínios de realização (“eu sou...”, “eu tenho...”), e a autoeficácia representa a confiança do individuo na sua competência percebida para realizar uma dada tarefa (“eu posso...”, “eu consigo...”) (Bandura, 1977, 1986, 2002; Neves & Faria, 2009). A autoeficácia compreende um julgamento pessoal da capacidade relativa a um determinado domínio, não se referindo especificamente à capacidade do individuo, mas sim ao que o mesmo acredita ser capaz de realizar, em determinada circunstância (Bandura, 1986). De acordo com Pajares (1996), o autoconceito difere da autoeficácia na medida em que a autoeficácia é uma avaliação de competência

para desempenhar determinada atividade em contexto específico, enquanto que o autoconceito pode não ser medido nesse nível de especificidade. Nogueira e Veiga (2014) definem autoeficácia como “the state of mind (the thoughts one is having) and the state of the body (the physiological aspects) join the information about the competence to issue judgment on whether one is able to perform the necessary course of action” (p. 375).

A perceção de autoeficácia desenvolve-se ao longo da vida, e é passível de aprendizagem e modificação (Bandura, 1981), através de toda a informação significativa, distinguindo Bandura (1977, 1986, 2002) quatro fontes principais de informação: desempenhos pessoais, aprendizagem vicariante, persuasão verbal e estados fisiológicos e afectivos (Bandura, 1977, 1986, 2002). Analogamente, Abbad e Borges-Andrade (2004) afirmam que a eficácia pessoal é moldada através dos anos pelo conhecimento adquirido por meio das experiências vividas. No entanto, a informação que é relevante para se proceder ao julgamento de eficácia não é elucidativa por si mesma, tornando-se instrutiva através do processamento cognitivo e do pensamento reflexivo (Bandura, 2002). De acordo com a literatura revista, supõe-se que as experiências de sucesso (Bandura, 1977, 1986, 2002; Lent et al., 2011; Schunk, 1989), as experiências vicariantes (Bandura, 1977, 1986, 2002; Schunk, 1989), a persuasão pessoal (Bzuneck, 2001), o estado fisiológico (Bandura, 1977, 1986, 2002; Bzuneck, 2001), e o feedback positivo (Lent et al., 2011) sejam bons preditores da autoeficácia.

Bandura (1986) defende que “students who develop a strong sense of self-efficacy are well equipped to educate themselves when they have to rely on their own initiative (p. 417)”. Os julgamentos de autoeficácia determinam a

motivação, a aprendizagem e o sucesso académico do individuo (Bandura, 1986; 1989, 1993; Pajares, 1996; Schunk & Pajares, 2002), na medida em que é em função desses julgamentos que o sujeito tem um incentivo para agir e imprime uma determinada direção às suas ações pelo fato de antecipar mentalmente o que pode realizar para obter resultados. Assim, estas crenças influenciam as escolhas de cursos de ação, o estabelecimento de metas, a quantidade de esforço e a resiliência na consecução dos objetivos (Pajares, 1997). Vários estudos apontam para a correlação entre crenças de autoeficácia e o uso de estratégias e autorregulação (Bassi, Steca, Fave, & Caprara, 2007; Pintrich & De Groot, 1990; Zimmerman, 1998, 2000; Zimmerman, Bandura, & Martinez-Pons, 1992), e para o papel que estas crenças exercem na facilitação do processo de envolvimento cognitivo (Pintrich & De Groot, 1990), justificando-se, assim, a sua importância na investigação da motivação e envolvimento dos estudantes.