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CAPÍTULO II. Motivação para a formação profissional

2.1. Conceptualização

2.1.1. Motivação académica

2.1.1.1. Teorias da expectativa-valor

Ambos expectativas e valores são importantes preditores do comportamento de escolha, do envolvimento e da persistência futuros dos alunos, bem como da realização destes (Schunk et al., 2010). As expectativas refletem as crenças que as pessoas têm sobre a sua capacidade de desenvolver determinada tarefa com sucesso, sendo que a maioria dos indivíduos não se empenha na consecução de uma tarefa em que acredita falhar, pese embora a valorize (Schunk et al., 2010). Os valores são as razões que levam os indivíduos a envolverem-se numa tarefa, como por exemplo ser uma tarefa: interessante, que gostem de realizar, que será proveitosa, que os leve a ganhar uma recompensa (classificação, pontuação), em que a sua realização agrade a pais, a pares e a professores, e que os impeça de serem castigados (Schunk et al., 2010). Os estudantes podem até acreditar na sua capacidade de realizar com sucesso a tarefa, mas se esta não tiver significado, ou seja, se não a valorizarem, haverá menor probabilidade de se envolverem nela. Por outro lado, se os estudantes acreditarem que determinada tarefa é interessante ou importante para eles, mas que não serão capazes de a desempenhar bem, muito provavelmente não se envolvem na sua realização (Schunk et al., 2010).

As primeiras teorias cognitivas de motivação evidenciavam a importância das percepções e crenças individuais como mediadores do comportamento, focando a investigação da motivação na subjetiva e fenomenológica psicologia do individuo, ou seja, focavam-se nas expectativas de sucesso dos sujeitos e no valor que estes atribuíam à tarefa (Schunk et al., 2010). As pesquisas mais recentes a nível dos constructos expectativas e valores

continuam esta tradição, focando-se nestas duas crenças do individuo, apesar dos investigadores incluírem também variáveis contextuais (Schunk et al., 2010). No âmbito destas teorias serão, de seguida, apresentados os aspetos principais da teoria da motivação de Atkinson e da teoria da expectativa-valor de Eccles e Wigfield.

Teoria da motivação de Atkinson.

Partindo da noção lewiana de valência – valorização atribuída por uma pessoa a um objeto do seu ambiente, que lhe permitirá a satisfação das suas necessidades (Weiner, 1992) – Atkinson (1957, 1964) tentou isolar determinantes de conduta e especificar as relações entre eles. Este autor colocou em hipótese que o comportamento era uma função multiplicativa de motivos, probabilidade de sucesso e valor de incentivo do sucesso (Schunk et al., 2010). O motivo ou necessidade de realização é considerado um traço de personalidade estável e duradouro, que leva o sujeito a esforçar-se para conseguir o êxito e a experimentar orgulho uma vez que este é alcançado (Fernandéz, 2005). Os motivos incluíam o motivo para a aproximação ao sucesso e o motivo para o evitamento do fracasso. Um forte motivo para a aproximação do sucesso levará a uma maior motivação para a realização, pelo contrário, um forte motivo para evitar o fracasso levará as pessoas a evitarem o envolvimento em tarefas de realização. Ambos os motivos (aproximação do sucesso e evitamento do fracasso) são de natureza afetiva mas incluem aspetos de expectativa em termos de antecipação emocional (Covington, 1992). A probabilidade de sucesso é a expectativa de que determinada ação permita a consecução de uma meta, isto é,

numa tarefa concreta, a probabilidade de êxito covaria negativamente com a sua dificuldade (Fernandéz, 2005). O terceiro componente da teoria de Atkinson é o valor do incentivo para o sucesso, o qual é definido como a atração relativa que exerce sobre um individuo o seu sucesso num determinado campo, ou a disposição afetiva para experimentar sentimentos positivos resultante do sucesso na realização de uma tarefa (Fernandéz, 2005). Tarefas demasiado fáceis não geraram muito orgulho e realização pessoal. Pelo contrário, tarefas difíceis mas executáveis serão mais atrativas e geraram maior orgulho e sensação de valor próprio quando os indivíduos são bem-sucedidos (Schunk et al., 2010; Weiner, 1992; Wigfield & Eccles, 1992). Partindo destes conceitos, Atkinson postulou que o produto destes três fatores é a expectativa de êxito, isto é, a probabilidade calculada pelo sujeito de êxito da tarefa, associada a constatações como “é muito difícil para mim” (Tapia, 1992). De forma análoga surge o medo do fracasso, partindo de variáveis associadas à não consecução da meta desejada (motivo de evitação do fracasso, probabilidade de fracasso e valor de incentivo do fracasso) (Fernandéz, 2005).

Conforme exposto por Tapia (1992), a teoria clássica de Atkinson apresenta algumas limitações uma vez que, segundo o autor, se restringe a metas relacionadas com o self. Várias foram as teorias derivadas da teoria clássica que tentaram eliminar estas limitações, nomeadamente as teorias contemporâneas, as quais incluem influências contextuais nos seus modelos, conforme a teoria da expectativa-valor de Eccles e Wigfield.

Teoria da expectativa-valor de Eccles e Wigfield.

Eccles, Wigfield e colegas (Eccles, 1983, 2005; Eccles et al., 1989; Wigfield, 1994; Wigfield & Eccles, 1992, 2000, 2002) reviram o modelo de Atkinson dotando-o de uma natureza mais sociocognitiva de forma a refletir o atual paradigma cognitivo da motivação, definindo, para tal, dois importantes preditores do comportamento: as expectativas (probabilidade de sucesso) e o valor da tarefa (incentivo do valor). Refletindo uma perspetiva sociocognitiva mais situacional, este modelo (Figura 1.) não destaca os motivos como necessidade do sucesso ou o medo do fracasso, no entanto, estes estão implícitos, podendo fazer parte da componente de memórias afetivas, que podem dar origem a crenças cognitivas acerca do valor da tarefa (Schunk et al., 2010).

Figura 1 - Modelo sociocognitivo da expectativa-valor da motivação para a realização (adaptado de Schunk et al., 2010)

Os dois fatores chave deste modelo são a expectativa de sucesso e o valor da tarefa. Ambos, expectativas e valor, são constructos internos, baseados nas crenças cognitivas dos sujeitos, a sua diferença está na pergunta de partida,

sendo que, para os valores a pergunta é “porque devo realizar esta tarefa?” (Eccles, 1983), implicando que a resposta se baseie em interesses, utilidade, importância ou mesmo custos (Schunk et al., 2010). Por outro lado, as expectativas respondem à pergunta: “serei capaz de realizar esta tarefa?” (Eccles, 1983, 2005; Pintrich, 1988; Wigfield, 1994; Wigfield & Eccles, 1992, 2002). A resposta apela a expectativas futuras de sucesso, ou seja, às crenças dos estudantes sobre se serão bem-sucedidos numa tarefa futura (Eccles & Wigfield, 2002). Desta forma, a expectativa de sucesso é mais orientada para o futuro do que a autoperceção de competência, e está associada a realização, escolhas e persistência (Eccles, 1983, 2005; Eccles & Wigfield, 2002; Wigfield, 1994; Wigfield & Eccles, 1992, 2002). Esta conceção revela estreitas relações com outros constructos na literatura da motivação, como a expectativa de eficácia e, em menor medida, a expectativa de resultado, de Bandura; a teoria da atribuição de Weiner, na qual os sujeitos consideram as atitudes como condicionantes dos resultados; a necessidade de se sentir competente da teoria de Deci e Ryan; o autoconceito centrado no domínio de diferentes âmbitos (Eccles & Wigfield, 2002; Wigfield & Eccles 2002).

Outros condicionantes motivacionais considerados neste modelo são as suas memórias afetivas, os juízos de competência, os autoesquemas e os objetivos. As memórias afetivas influenciam o valor da tarefa pois estão relacionadas com as emoções vividas pelo aluno em situações semelhantes, assim, resultados altos conduzem a reações positivas, e resultados baixos conduzem a emoções negativas, sendo que se valorizam mais as tarefas em que se atingiu o sucesso do que aquelas em que se fracassou (Fernandéz, 2005). Os juízos de competência e os autoesquemas refletem as crenças e o autoconceito

dos sujeitos acerca deles próprios e afiguram-se como juízos de competência ou habilidade semelhantes às crenças de autoeficácia de Bandura (1997). Segundo vários autores, estes juízos representam as crenças dos indivíduos sobre que tipo de pessoas são e que tipo de pessoas podem vir a ser, incluindo crenças de personalidade e de identidade, bem como autoconceito específico para certos domínios, como a atração física, a habilidade académica, a competência social (Eccles, 1983; Harter, 1985; Marsh, 1990). Os objetivos condicionam a valorização das atividades que levam à sua consecução (Fernandéz, 2005) e caracterizam-se por serem representações cognitivas daquilo que os alunos se esforçam para atingir, podendo ser moldados pelos autoesquemas e autoconceitos de cada sujeito, não devendo ser confundidos com metas de aprendizagem e performance (Schunk et al., 2010). Relacionadas com os objetivos estão a perceção da tarefa, mais concretamente a dificuldade da tarefa percebida pelos sujeitos, semelhante ao que sucedia na teoria de Atkinson, e as características da tarefa, relacionadas com o interesse desta (Schunk et al., 2010). Para Wigfield e Eccles (2000), estas crenças são influenciadas por outras duas variáveis: atribuições – de cariz interno, relacionadas com os processos cognitivos, ou seja, com a forma como os alunos interpretam a sua experiência passada (causas percebidas de resultados) e desempenho atual, sendo estas essenciais na formação da autoperceção de competência e expectativas - e a forma como os alunos percecionam o seu ambiente sociocultural – incluindo crenças socializadoras por parte dos vários atores (pais, professores, pares) e a forma como percebem e interpretam os papéis sociais (género e estereótipos) (Schunk et al., 2010).

De acordo com Bzuneck (2010), “uma poderosa fonte de motivação consiste em o aluno ver significado ou importância nas atividades prescritas” (p. 14), assim, se uma tarefa ou conteúdo forem vistos como irrelevantes provocaram tédio ao estudante, ao contrário de motivação. Da mesma forma, para Eccles e Wigfield (2002) a motivação do aluno depende, além das expectativas pessoais de êxito, da crença na importância ou valor da tarefa. Eccles e Wigfield (1995) defendem um modelo teórico que parte do pressuposto que cada indivíduo tem percepções e crenças próprias sobre o valor. Estes autores definem o valor da tarefa em termos de quatro componentes: valorização dos resultados obtidos, interesse intrínseco, utilidade e crença de custo. A combinação dos quatro componentes apresentados com as expectativas dos estudantes influencia a sua realização na escola (Eccles & Wigfield, 2002).

As expectativas, que incluem o autoconceito, as autoperceções de habilidade e as expectativas de sucesso, prognosticam a realização em termos de notas, performance e testes estandardizados (Schunk et al., 2010). Contudo, apesar dos valores estarem positivamente correlacionados com a realização, as expectativas predizem muito melhor essa mesma realização. No entanto, no que toca a intenções para enveredar por escolhas futuras (comportamento de escolha), as crenças valorativas, incluindo valorização de resultados obtidos, interesse intrínseco e utilidade extrínseca, são melhores preditores do que as expectativas (Eccles, 1983; Wigfield & Eccles, 1992). Segundo Schunk e colaboradores (2010) os valores de realização são bons preditores dos comportamentos de escolha dos estudantes, nomeadamente a nível do curso. Uma vez efetuada a escolha do trajeto a seguir, são as expectativas que ajudam a prognosticam a performance dos alunos. Face ao que antecede, as instituições de

formação dever-se-iam empenhar na estimulação da construção de expectativas apropriadas e no desenvolvimento de autoperceção de competência nos seus formandos, mais do que na tentativa de aumento da valorização e interesse dos conteúdos do curso, ainda que estes últimos também se correlacionem positivamente com a sua realização.