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Delimitação do objeto da penhora do Direito de Autor

No documento A PENHORABILIDADE DO DIREITO DE AUTOR (páginas 56-61)

CAPÍTULO II - PENHORABILIDADE DO DIREITO DE AUTOR DA OBRA

1. Objeto da Penhora

1.2. Delimitação do objeto da penhora do Direito de Autor

O CDADC atribui ao titular do Direito de Autor o direito exclusivo de exploração económica da obra, por si, ou mediante autorização a conceder contratualmente a terceiros. Os direitos patrimoniais de autor sobre todas ou algumas das suas obras podem ser objeto de penhora e de arresto (artigo 47º), sem prejuízo dos direitos morais do autor (cf. o art.º 61º do CDADC).

Determina o n.º 1 do artigo 821.º do CPC (atual 735º do CPC), que “Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda”, em consonância com o princípio geral da garantia das obrigações, estabelecido pelo artigo 601º do CC. Também o conteúdo patrimonial do Direito de Autor (e dos direitos conexos) é suscetível de penhora, embora com as limitações decorrentes da própria lei substantiva.

Os direitos patrimoniais de autor não se encontram incluídos na categoria de bens impenhoráveis previstos nos artigos 822º e ss do CPC (atual 736º e ss do CPC), pelo que podem ser objeto de penhora e arresto nos termos gerais (art.º 47º).

Contudo, nem todo o conteúdo patrimonial do Direito de Autor é suscetível de penhora. De facto, nos termos do artigo 822.º, alínea a), do CPC (atual 736º.º alínea a) do CPC), são absolutamente impenhoráveis os direitos inalienáveis logo, impenhoráveis, o “direito de sequência” a que alude o artigo 54º do CDADC e crê-se que sejam também absolutamente impenhoráveis os valores relativos às indemnizações a que o autor tenha direito, por violação do direito moral de autor, dada a inalienabilidade e irrenunciabilidade deste, direito que é independente dos direitos de carácter patrimonial e se perpetua após a morte do autor, podendo ser exercido pelos seus sucessores, enquanto a obra não cair

no domínio público (cfr. os artigos 56º e 57º, do CDADC).119

No Ordenamento Espanhol, o legislador menciona, desde logo, a diferença entre direitos de autor e direitos de titulares não autores. Enquanto que para o autor o seu direito não pode ser penhorado, o Direito de Exploração que pertença a outra pessoa, que não o seu autor, já pode ser penhorado.

Segundo o art.º 53º, nº 2 do Texto Refundido de la Ley de Propiedad Intelectual

(TRLPI): “Los derechos de explotación corespondientes al autor no son embargables, pero sí lo son sus frutos o productos, que se considerarán como salarios, tanto en lo relativo al orden de prelación para el embargo, como a retenciones o parte inembargable”. Ou seja, no Ordenamento Jurídico Espanhol, os direitos de exploração não são penhoráveis, limitando essa penhorabilidade quanto aos seus frutos.

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O art.º 53º TRLPI pode ser bastante criticável no sentido que limita as possibilidades da penhorabilidade contrapondo-se com a possibilidade de hipoteca dos direitos de exploração. Há autores que sustentam que, se os direitos de exploração são

hipotecáveis, então também devem ser penhoráveis sem nenhuma limitação.120

Já no que refere ao nosso Ordenamento Jurídico, existe, porém, uma impenhorabilidade relativa em relação às obras incompletas, como os manuscritos inéditos, esboços, desenhos, telas ou esculturas, tenham ou não assinatura, os quais são isentos de penhora e arresto, salvo oferecimento ou consentimento do autor (art.º 50º, nº 1 CDADC). Trata-se de uma solução que se compreende para proteção do direito de inédito do autor, evitando que ele se perdesse por virtude da penhora.

No entanto, se o autor tiver revelado por atos inequívocos o seu propósito de divulgar ou publicar os trabalhos referidos, pode o credor obter penhora sobre o correspondente Direito de Autor (art.º 50º, nº 2). Tal justifica-se pelo facto de nessa situação existir uma renúncia tácita ao inédito, a qual deixa de justificar a impenhorabilidade.

Acontece que o direito ao inédito é um direito moral, está na esfera do direito subconsciente do autor, pelo que o autor pode querer publicar a obra e até pode querer que o seu direito seja penhorado, ou não. O agente de Execução não tem de saber que é um bem absolutamente impenhorável. Pode não saber que aquela obra não foi publicada e que o autor até não a queria publicar.

A penhora não afeta, em qualquer caso, os direitos morais de autor, conforme resulta expressamente do art.º 61º, pelo que o autor continua a poder exercê-los. A lei explicita inclusivamente o caso particular da venda judicial do Direito de Autor sobre obra penhorada e publicada, esclarecendo que se o respetivo proponente promover a sua publicação, os direitos de revisão de provas e de correção da obra não são afetados (art.º 61º, nº 1). O autor não pode, porém, nesse caso reter as obras sem justificação por período superior a 60 dias, pois nesse caso a impressão poderá prosseguir sem a sua revisão (art.º 61º, nº 2).121

Como já podemos verificar, é ao produtor que pertence o Direito de Exploração económica, direito esse que vem a ser reforçado pelo artigo 128º que lhe atribui o direito do exclusivo. Daqui parece resultar que se o produtor tem o direito de exclusivo, então será ele que deterá o Direito de Exploração da obra e consequentemente só a ele é que poderá ser penhorado as faculdades patrimoniais que estão dentro do Direito de Exploração. O objeto da penhora poderá ser o próprio Direito de Exploração ou os

120 Cfr. RAMS ALBESA, J., «Comentario al art.º 53», en ALBALADEJO, M. Y DÍAZ- ALABART, S. (Dir.),

Comentarios al Código Civil y Compilaciones Forales, V-4-a), Edersa, Madrid, 1994, p. 812.

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rendimentos provenientes desse direito. A penhora dos rendimentos provenientes do Direito de Exploração será como a penhora de salário/rendimentos, em que o produtor será equivalente à entidade patronal e terá de transferir a quantia acordada para o processo executivo.

Verificamos que no sistema jurídico Espanhol, quando o Direito de Exploração pertencer ao autor, não é possível a sua penhorabilidade, sendo-o possível apenas quanto aos seus frutos que de tal modo seja considerado o salário do autor. Esta impenhorabilidade diz apenas respeito quando o Direito de Exploração pertença ao autor

e não quando pertença a terceiros122.

Segundo o mesmo critério da legislação Italiana, os direitos sobre a utilidade da obra publicada não podem ser objeto de penhora, nem sequer como consequência de ato contratual nem por via de execução judicial, enquanto pessoalmente pertençam ao autor.

Admite, contudo, poder ser objeto de penhora, os direitos de exploração123.

AMORÓS GUARDIOLA defende que, a obra intelectual feita pelo autor, que vive do seu trabalho como autor e que nem sempre tem uma retribuição equivalente à dos outros trabalhos profissionais, relativamente aos direitos de exploração, esses formam o seu próprio capital, do qual não pode ser privado, a não ser que haja uma cessão do

mesmo124.

No entanto, e contrariamente ao sistema Espanhol, o sistema Português, no artigo 135º prevê a possibilidade de os autores da parte literária e da parte musical da obra cinematográfica, poderem em separado reproduzi-las ou utilizá-las, contando que com isso não prejudiquem a exploração económica da obra.

Daqui já parece resultar, que os autores da obra da parte literária e musical possuem um direito económico resultante do Direito de Autor. Logo haverá a possibilidade de penhora dos direitos de remuneração que caibam aos autores pela exploração efetuada pelo produtor. Proceder-se-á aos trâmites normais da penhora de salário, nos termos do artigo 824º, nº 1 a) do CPC (atual 738º, nº 1 do CPC).

«Tais rendimentos, pagos ao criador da obra intelectual, não integrem o conceito normal de “vencimento ou salário”, por não serem auferidos no âmbito de um contrato de trabalho, eles decorrem antes de uma prestação de trabalho, em sentido lato, enquanto atividade humana dirigida à produção de utilidade (conceito económico de trabalho), afigurando-se, por esse motivo, poder ser reduzido o valor penhorado em cada período

122 COUTO, Rosa Maria, Es posible el embargo de los derechos de autor?, Ekonomiaz, 2002, p. 70.

123 Ibidem, p. 67.

124 AMORÓS GUARDIOLA, “en Comentarios a la Ley de Propiedad Intelectual”, coordinados por Rodrigo Bercovitz Rodríguez-Cano, Tecnos, 1989, p. 820.

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ou até temporariamente isentos de penhora, se deles depender a subsistência do seu titular».125

Mas e se o produtor não proceder à divulgação da obra, poderá um credor (do produtor ou de outro autor) proceder à penhora do direito à exploração? Se o produtor não divulgar a obra, ela não produzirá frutos e, dessa forma, não produzirá rendimentos. Será que nesta situação o credor pode penhorar diretamente o direito à exploração do produtor?

No Ordenamento Espanhol também se faz esta distinção. O processo torna-se diferente quando estamos perante a penhora dos direitos de exploração quando não estejam na posse do autor. O art.º 53º, nº 2 TRLPI parece dar a entender que a impenhorabilidade se concretiza apenas quando os direitos de exploração correspondam ao autor. Então levanta-se a questão de saber se é ou não penhorável quando os mesmos direitos pertençam a um terceiro.

Esta questão é controversa e levanta discussões entre a doutrina. Alguns autores,

como RAMS ALBESA126, consideram penhoráveis tanto os direitos de exploração do autor

como os cessionários desses direitos. Outros, como AMORÓS GUARDIOLA127, rejeitam

completamente esta possibilidade, mesmo quando os direitos pertençam a um terceiro (cessionário), visto que este adquire apenas as faculdades de exploração da obra, por virtude do contrato celebrado, sem por isso tornar-se titular do direito, de forma que tem apenas a simples faculdade de usufruir dos seus rendimentos económicos. O mesmo se passa no caso dos direitos de exploração da obra cinematográfica, no nosso Ordenamento Jurídico, na pessoa do produtor. Ele não é na realidade o autor (artigo 22º, nº 1 CDADC). O produtor adquire essa posição pela transmissão dos poderes de direitos de autor, cedidos pelos mesmos através de um contrato.

A lei espanhola permite a constituição da hipoteca, mas não permite a penhora. A doutrina tem vindo a sustentar esta diferença com base no voluntarismo. Pois na hipoteca constitui-se voluntariamente, já na penhora, o autor vê-se despojado do seu direito por forças exteriores à sua vontade. Por outro lado, parece ter sido tido em conta os direitos morais do autor, no vínculo entre o autor e a obra, que exigiria a toma de decisões voluntárias por parte do autor, na hora em que dispuser desses direitos e a quem os

puder sustentar.128

Ainda no Ordenamento Espanhol esta interpretação conduz a cessão do Direito de Exploração a uma simples perceção de rendimentos. No caso de cessão não

125 Parecer da Provedoria de Justiça, datado de 28/05/2010, p. 64.

126 RAMS ALBESA, J, op. cit., p. 819.

127 AMORÓS GUARDIOLA, op. cit., p. 830.

128 LUELMO, Andrés Domínguez, El embargo de los derechos de autor: su problemática registral, A.M. Castillo, M.Á.H. Robledo, (Eds.), El Derecho de Autor y las Nuevas Tecnologias, La Ley, Madrid, 2008.

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exclusiva não se pode levantar a questão nestes termos, uma vez que os direitos do cessionário, de acordo com o art.º 50º, nº 1 TRLPI, são intransmissíveis.

Ainda em Espanha, tem-se defendido que o artigo 17º da TRLPI consagra o direito de o autor explorar economicamente a sua obra. Nesta perspetiva o autor seria sempre titular do direito patrimonial de explorar a sua obra e o objeto da cessão seria as faculdades singulares de exploração que o integram. Neste sentido, e partindo da ideia de que tudo o que é transmissível é penhorável, entende-se que o artigo 53º, nº2 não se refere às faculdades de exploração, mas sim ao Direito de Exploração económica, de maneira que este seria impenhorável enquanto que poderiam ser objeto de penhora as faculdades de exploração. Isto significa que, embora as faculdades de exploração sejam impenhoráveis, apenas o são quando estejam na pessoa do autor e não quando haja sido cedido a um terceiro, porque decai um dos pressupostos em que se sustenta a

penhora, ou seja, o bem estar na esfera jurídica do executado129.

O mesmo parece acontecer, em parte, no nosso Ordenamento Jurídico, quando se refere no artigo 47º do CDADC, quando fala em “direitos patrimoniais”, estará implícito a possibilidade de penhora dos frutos que advierem do direito à exploração económica do produtor, e não propriamente o Direito de Exploração económica, pois esse tem direitos morais inerentes que como já vimos são intransmissíveis e inalienáveis. No próximo subcapítulo, analisaremos melhor esta questão, pois na prática não é bem assim.

A maior parte dos autores espanhóis130 considera que, é possível a penhora

quando os direitos de exploração estão nas mãos de pessoas distintas do autor, sejam

eles adquirentes mortis causa ou inter vivos do autor, como é o caso dos cessionários

exclusivos ou dos sujeitos que detêm direitos de exploração como consequência de presunções legais de cessão, em todos estes casos, no caso de execução, o que ocorre é a conversão de um terceiro, sem intervenção do autor, em adjudicatário dos direitos de exploração após a venda forçada.

Alguns autores defendem que se a penhora não for consentida, tanto o devedor como o adjudicatário, assumem a responsabilidade solidária a que se refere o art.º 49º, 2º da TRLPI. Pelo contrário se for com consentimento do autor, o adjudicatário assume a

posição jurídica de devedor penhorado131.

Relativamente às obras inéditas o artigo 50º, nº 1 do CDADC isenta de penhora e arresto, quando incompletos, salvo oferecimento ou consentimento do autor, manuscritos

129NAVAS NAVARRO, S., «Comentario al art.º 53.2», en RODRÍGUEZ TAPIA, J. M. (Dir.), Comentarios a la Ley de Propiedad Intelectual, Thomson-Civitas, Madrid, 2007, p. 390 ss.

130 DELGADO PORRAS, A., Panorámica de la protección civil y penal en materia de propiedad intelectual, Madrid, 1988, p. 73 e ss.; RODRÍGUEZ TAPIA, La cesión en exclusiva de los derechos de autor, Centro de Estudios Ramón Areces, Madrid, 1992, p. 134 e ss; MARCO MOLINA J., «Comentario al art.º 53», op. cit., p. 872 e ss; LUELMO, Andrés Domínguez, La hipoteca de propiedad intelectual, Reus, Madrid, 2006, p. 42 e ss.

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inéditos e obras de belas artes, tenham ou não assinatura. Mas se o autor tiver revelado o propósito de os divulgar, pode penhorar-se o Direito de Autor correspondente, conforme o nº 2 do mesmo artigo. Aqui tutela-se a obra incompleta. E do preceito resulta, pelo contrário, que a obra completa inédita está sujeita a penhora.

Não se deve generalizar o critério do nº 2 e dizer que toda a obra inédita só é penhorável se o autor tiver revelado por atos inequívocos o seu propósito de a divulgar. Esse aplica-se apenas à obra incompleta.

“Se a obra está completa, basta ao exequente indicá-la à penhora, sem ficar a seu

cargo nenhuma prova das intenções do autor”.132 Esta questão é controversa e levanta

opiniões diversas, pois, se o autor não pretende tornar pública a sua obra, porque apenas o faz para sua gratificação pessoal, até que ponto pode um exequente exigir a penhora daquela obra? É que convenhamos que neste ramo, do cinema, tanto o produtor, como realizador, argumentista ou qualquer um dos autores têm uma certa reputação a defender. Imaginemos que há uma obra cinematográfica inédita porque algum dos autores não a considera suficientemente boa e exporá todos os autores ao ridículo, que direito terá o exequente de a tornar pública porque quer reaver o seu crédito?

Isto tudo não significa que o autor não tenha defesa contra essa nomeação à penhora. Caberá ao autor invocar o seu direito pessoal de inédito contra a apreensão, dando as razões por que recusa a divulgação. Mas esse direito não é ilimitado, ele está sujeito ao controlo judicial.

A violação do direito ao inédito é sancionada nos termos do artigo 195º, nº 2 a) como usurpação.

Após estas asserções, podemos concluir que nesta matéria a legislação portuguesa e espanhola diverge em alguns pontos, pois em Espanha o Direito de Autor é suscetível de penhora desde que a obra esteja concluída, ao passo que em Portugal o mesmo não acontece devido ao direito de inédito existente na esfera jurídica do autor. Desta forma, o autor encontra-se mais protegido em Portugal do que em Espanha.

No documento A PENHORABILIDADE DO DIREITO DE AUTOR (páginas 56-61)